Desde 1992 o Brasil tem sido objeto, em Genebra, de exame periódico de suas políticas para avaliar em que medida elas são consistentes com as regras, disciplinas e compromissos multilaterais. O Trade Policy Review Mechanism (TPRM) foi inicialmente estabelecido em 1989, como resultado antecipado da Rodada Uruguai, e sacramentado no anexo 3 do Acordo de Marrakesh, que criou a Organização Mundial do Comércio (OMC), em 1994.
No final de junho, o secretariado da OMC apresentou o sexto relatório sobre o Brasil, no quadro do TPRM, acompanhado pelo relatório do governo brasileiro. Esses relatórios, encabeçados pelas observações do embaixador Joakim Reiter, da Suécia, que presidiu a sessão, já foram publicados pela OMC. Os documentos complementares tornaram-se disponíveis no site da OMC apenas na quinzena passada. De um lado, as minutas do encontro, que incluem a intervenção inicial do Brasil e a intervenção do debatedor, seguidas das intervenções dos demais membros e da réplica final brasileira. De outro lado, as perguntas feitas pelos demais membros da OMC e as respostas brasileiras.
Houve, como seria de esperar, muito rasgar de seda, grande número de perguntas semirretóricas - como as menções à não participação do Brasil em acordos plurilaterais, como o Information Technology Agreement e o Government Procurement Agreement - e umas poucas só para irritar.
Os tópicos mais relevantes abordados nas perguntas e nas intervenções subsequentes se referiram à tendência ao aumento de proteção que vem caracterizando a política comercial brasileira com o aumento da tarifa de cem produtos e a promessa de futura elevação das tarifas sobre cem produtos adicionais, bem como ao papel crescente de critérios de conteúdo local para definir regimes tributários, concessão de empréstimos e compras públicas.
O pronunciamento final brasileiro não respondeu de forma aceitável o questionamento relativo a assuntos essenciais. As decisões sobre aumento tarifário foram recentemente revertidas pelo governo, mas o mau retrospecto do Brasil ficou registrado. O Brasil teve de ouvir o representante dos EUA mencionar estudo da International Chamber of Commerce que classificou o Brasil na rabeira do G-20 quanto ao protecionismo. Sempre é possível considerar isso como mais uma artimanha do imperialismo ianque, mas, de fato, é avaliação séria do que o governo brasileiro anda perpetrando na política comercial e não sofreu contestação.
O principal programa brasileiro baseado em índices de conteúdo local é o Inovar-Auto, aplicado à indústria automotiva, que permite o abatimento de IPI em função de, entre outras condições, gastos em pesquisa e desenvolvimento no Brasil. A resposta brasileira aos questionamentos foi simplesmente negar, sem pestanejar, que isso seja condicionado a metas de conteúdo local. Alternativamente, o governo brasileiro optou pela repetição burocrática da fórmula: "Não há nada nos acordos da OMC que impeça um país de perseguir seus objetivos de desenvolvimento de forma consistente com seus compromissos internacionais".
É difícil de defender que a política brasileira não conflita com as regras da OMC, em particular do Gatt 1994 e do acordo Trims. O caminho racional, e perfeitamente legal, para subsidiar inovação seria por meio da parte IV do Acordo de Subsídios, e não por meio de descontos de impostos indiretos. É verdade que o governo brasileiro alegou, com grande sangue-frio, que "as suspensões de IPI não resultam em alíquotas menores, as alíquotas são iguais"!
Patética, também, foi a alegação do governo de que o novo regime fiscal que se aplica ao setor automotivo permitirá que o setor recupere a sua competitividade e que "os consumidores (...) se beneficiarão (pois) disporão de um mercado com veículos melhores, mais seguros e mais adaptados a exigências ambientais". A pergunta que falta responder é: A que preço?
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