Ao justificar os atrasos nas obras dos aeroportos brasileiros, o ministro-chefe da Secretaria de Aviação Civil, Moreira Franco, classificou como “ruins” os engenheiros brasileiros, incluindo na conta dos profissionais o ônus pela morosidade na execução dos atuais projetos de infraestrutura logística do país. Em seu infeliz pronunciamento, o ministro foi ainda mais longe e acrescentou que “os jovens [engenheiros] não saem bem formados da faculdade”.
À parte a infelicidade das declarações e a visão míope do ministro Moreira Franco, o episódio serviu para jogar luz sobre um antigo problema do Estado brasileiro: a contumaz prática da má contratação das obras públicas. Tanto na esfera federal como nas esferas estaduais e municipais, os administradores públicos, em sua quase totalidade, contratam obras sem a existência dos respectivos projetos executivos. Ressalve-se que esse procedimento dos nossos gestores encontra respaldo na atual legislação brasileira, leia-se Lei 8.666/93.
A Lei de Licitações permite a escolha das empresas contratadas pelo critério do menor preço, a partir apenas da existência dos “projetos básicos”. Trata-se, ao nosso ver, de um contrassenso, uma vez que, embora defina o que são “projeto básico” e “projeto executivo” no artigo 7.º, a mesma lei determina que “As obras e os serviços somente poderão ser licitados quando: I – houver projeto básico aprovado pela autoridade competente”. Ou seja, a falta dos projetos executivos completos não é impeditivo nas contratações de obras públicas. Abre-se margem para a ocorrência dos usuais aditivos contratuais, com possibilidade de majoração dos preços. O problema com esses procedimentos é que, mesmo permitidos por lei, em muitos casos eles acabam por gerar brechas legais que podem levar à prática de corrupção.
Entendemos que, ao manter as contratações apenas com exigência dos projetos básicos, o Estado só contribui para minimizar a atuação dos profissionais da arquitetura e engenharia e, em consequência, suas responsabilidades na condução das obras públicas.
Defendemos, e acreditamos ser também de interesse de outras organizações, bem como da sociedade como um todo, a adoção intransigente do processo de contratação de obras públicas obrigatoriamente após a elaboração e aprovação dos projetos executivos. Principalmente quando selecionados pelo critério de qualidade. Aliás, a defesa da contratação pelo critério de qualidade é outro ponto que carece de uma análise mais aprofundada. A mesma lei que é usada como justificativa para licitações do tipo “menor preço” indica, em seu artigo 46, que os tipos de licitação “melhor técnica” ou “técnica e preço” serão utilizados para serviços de natureza intelectual, como a “elaboração de estudos técnicos preliminares e projetos básicos e executivos”.
É preciso a conscientização do poder público brasileiro de que o projeto, entre eles o arquitetônico, é trabalho intelectual que não pode e não deve ser contratado apenas por preço, mas pelo critério de qualidade. A melhor forma de contratação de obras de interesse público é por meio da realização de concursos públicos de projetos de arquitetura. São eles que garantem qualidade e inovação aos projetos. Para efeitos de comparação, enquanto o Brasil, com toda a pujança de sua economia, muitas vezes superior a da Argentina, realiza cerca de uma dezena de concursos públicos de projetos ao ano, o país vizinho organizou 200 certames apenas em 2012.
Com certeza temos um caminho longo e árduo a transpor até conseguir mudar o processo de contratação das obras públicas em nosso país. Urge darmos os primeiros passos.
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