Se não prosperarem os planos de aposentar o deputado condenado pelo mensalão, não há dúvidas de que a sociedade não pode, mais uma vez, presenciar o vexame dado pela Câmara no caso Natan Donadon
Cardiopata, o parlamentar-presidiário José Genoino apresentou na quinta-feira sintomas de enfarte e foi levado às pressas para atendimento em hospital de Brasília. No mesmo dia, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, autorizou que ele fique provisoriamente em prisão domiciliar ou hospitalar. Por mais que sua figura seja um forte símbolo do odioso processo do mensalão, que o levou (e vários de seus companheiros) à condenação pelo STF, seu estado de saúde requer o devido olhar humanitário e de comiseração.
O desenrolar do drama pessoal de Genoino não nos exime, porém, de examinar com rigor outro aspecto que voltou a ser debatido: uma vez condenado, deve a Câmara cassar-lhe imediatamente o mandato? Deve, em vez disso, apenas decretar sua aposentadoria? Ou, ainda, manter sua cadeira à espera de que a divergência se resolva no próprio STF? De fato, assim como no Supremo, onde ministros esgrimam visões legais contraditórias sobre o caráter automático da cassação após a condenação, há controvérsias que, por evidente motivação política, não são resolvidas pela Câmara. A Mesa Diretora da Casa abriria na quinta o processo de cassação, que, seguindo os trâmites regimentais, seria encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para parecer. Mas dois membros petistas da Mesa – o paranaense André Vargas (vice-presidente) e o sul-mato-grossense Antônio Carlos Biffi (quarto secretário) – pediram vistas. Por essa razão, de evidente cunho protelatório, o processo só terá sequência na semana que vem.
O antecedente que leva à procrastinação nasceu no STF, que, no ano passado, decidiu que a Câmara deveria simplesmente decretar a perda de mandato de parlamentares condenados. Entretanto, tal decisão não teve caráter de ordem a ser cumprida, mesmo porque (e esta é uma das controvérsias que envolvem o tema) a Constituição tem entre suas cláusulas pétreas a harmonia e a independência dos poderes republicanos. Princípios constitucionais à parte, há outros que poderiam ser invocados pelas vias do bom senso, da lógica e da moralidade: é inconcebível constatar o esforço da Câmara para resguardar mandatos de parlamentares sobre os quais pesam penas decorrentes de atos criminosos, embora isso já não seja motivo para surpresa de ninguém. Basta-nos a recordação do recente caso de Natan Donadon: embora preso em regime fechado, seus colegas, em votação secreta, concederam-lhe o esdrúxulo privilégio de manter sua cadeira de deputado.
Se há dúvidas jurídicas quanto à automaticidade da cassação, não restam dúvidas quanto à obrigação moral da Câmara de dar consequência prática, em seu âmbito, à condenação penal proferida pelo Judiciário. A sociedade não pode ser obrigada a ver que, entre seus representantes, atuam políticos que cumprem seus mandatos durante o dia e se recolhem ao presídio à noite, caso que se aplicaria aos mensaleiros condenados a regime semiaberto – talvez não o próprio Genoino, caso prospere o plano de lhe conceder aposentadoria por invalidez após o fim de sua licença médica, mas esta seria a situação de Valdemar Costa Neto (PR-SP), Pedro Henry (PP-MT) e João Paulo Cunha (PT-SP), este último condenado a regime fechado, mas que pode passar ao semiaberto caso tenha sucesso após o julgamento dos embargos infringentes.
O remédio ideal para sanar a dúvida seria o voto aberto dos deputados em processos de cassação. Isso os obrigaria a se expor direta e responsavelmente perante a opinião pública, o que não ocorreu no caso de Donadon. Infelizmente, a Proposta de Emenda Constitucional que tramita no Congresso (e que pode ser aprovada antes que algum deputado mensaleiro tenha sua cassação analisada pelo plenário) prevê o voto aberto em todos os casos, o que consideramos arriscado por expor os parlamentares a pressões indevidas do Executivo. Melhor seria privilegiar o projeto do senador paranaense Alvaro Dias, que prevê o fim do voto secreto nas votações de cassação, mas manteria o voto secreto nas apreciações de vetos presidenciais e nomeações de autoridades. Certo é que o eleitor tem o direito de saber o voto de cada parlamentar nos processos de cassação, para que os cúmplices da impunidade não se escondam no segredo e no anonimato.
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