Jornalista Andrade Junior

quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

Duas falácias sobre impostos

 Ubiratan Jorge Iorio


É muito comum, em discussões sobre impostos, encontrarmos dois tipos de argumentos, ambos indicadores de uma mistura de ingenuidade com passividade. A combinação nesse caso é perigosa, porque ameaça a liberdade e a propriedade dos indivíduos. Trata-se sem dúvida de duas falácias, mas que, de tanto serem ouvidas, acabam infelizmente “passando batidas” e sendo aceitas como verdades inquestionáveis, tal como naquela conhecida recomendação atribuída a Joseph Goebbels, de que mentiras repetidas à exaustão transformam-se magicamente em teoremas sem contestação. O objetivo deste artigo é declarar guerra a esses dois raciocínios falaciosos.


O primeiro deles aparece geralmente quando se está defendendo algum projeto futuro, seja privado, seja do governo, e se afirma que a execução do mesmo proporcionará a geração de empregos, de renda e — voilá! —, como se isso fosse maravilhoso para todos, que vai permitir ao Estado arrecadar mais impostos. Santa paciência! Quem disse que quando o governo arrecada mais todos se beneficiam? Além de mentiroso, esse argumento é ardiloso, pois serve também para aguçar o apetite insaciável dos arrecadadores que nos espreitam em plantão permanente.


Quando você aceita a alegação primitiva de que qualquer coisa deve ser considerada positiva e desejável, entre outros efeitos, porque o governo vai arrecadar mais com essa coisa, você está implicitamente aceitando que dinheiro nas mãos dos coletores é melhor do que dinheiro nas mãos de quem paga os impostos. O que evidencia uma ingenuidade e boa fé que, de tão desmentidas pelos fatos desde que o mundo é mundo, já deveria ter sido descartada há muito tempo pela inteligência. Ora, um mínimo de sagacidade é suficiente para rejeitar esse discurso.


Basta pensar um pouco para compreender quão absurdo é crer cegamente, por exemplo, que R$ 1 milhão em posse do governo (seja da União, dos Estados, seja dos municípios) teriam uma destinação econômica e social superior àquela que esse mesmo milhão proporcionaria caso permanecesse nas mãos dos que, à custa de trabalho, esforço, inteligência, inventividade etc., geraram essa riqueza. Por que singulares motivos o governo, que nada produz e que apenas se apropria de recursos de quem de fato gera riqueza, saberia aplicá-los com capacidade gerencial mais apurada? E mais: sendo os recursos sempre escassos do ponto de vista da sociedade, o que justificaria que fossem desviados de seus “donos” verdadeiros, que certamente cuidariam deles com cuidado e prudência, para políticos e burocratas, que dificilmente seriam cuidadosos e parcimoniosos com algo que não lhes pertence? Em outras palavras, por que o Estado saberia cuidar das minhas galinhas melhor do que eu?


A escola, o pintor e o jogo de futebol


Quando analisamos algum fenômeno econômico, é sempre recomendável tentar enxergar além do que podemos ver a olho nu. Antes temos que tentar vislumbrar todas as consequências possíveis desse fenômeno, tanto as de curto prazo, de percepção obviamente mais fácil, como as de longo prazo, que exigem análises mais acuradas e baseadas em teorias corretas. Assim, se você passa com o seu carro e vê — suponhamos — um estádio construído com o dinheiro dos pagadores de impostos, os seus olhos estão vendo algo concreto, possivelmente bonito, cuja construção gerou empregos e beneficiou o bairro etc. Mas isso não é tudo: você deve comparar esses benefícios com os que teriam sido gerados, por exemplo, caso os recursos utilizados na construção do estádio tivessem permanecido nas mãos dos seus verdadeiros proprietários e eles tivessem decidido construir um grande shopping, que geraria empregos de forma permanente e também beneficiaria o bairro. Ou, ainda, se você vê um hospital ou uma escola do governo, precisa acostumar-se a contestar se não teria sido melhor — no sentido de ser mais eficiente e barato — se, em vez de construir e ser proprietário do hospital ou da escola, o governo tivesse deixado os recursos que usou para isso permanecerem com os donos deles e, simplesmente, pagasse para que os cidadãos utilizassem hospitais e escolas privados.


O segundo tipo de raciocínio falacioso, também bastante comum, é aquele apresentado quase sempre como se fosse uma reclamação, do tipo “pagamos muitos impostos, mas recebemos muito pouco em troca”, ou então “pagamos impostos de Primeiro Mundo, mas temos serviços públicos de Terceiro Mundo”, ou alguma frase semelhante. Gente, esse tipo de raciocínio, se levado ao limite, não nos levaria a aceitar viver como escravos, abrindo mão de toda a nossa liberdade, desde que acreditássemos que o Estado seria capaz de prover todas as nossas necessidades? É muito claro que não é bem assim, por vários motivos. O principal é que seres humanos normais prezam a sua liberdade.


Quando você matricula a sua filha em uma escola, ou quando combina com um pintor quanto ele cobrará para executar os seus serviços, ou quando compra um ingresso para um jogo de futebol, em todos esses casos, tudo se passa como se você estivesse assinando um contrato (ou se comprometendo verbalmente), respectivamente, com os responsáveis pelo colégio, o pintor ou os administradores do estádio, e esse compromisso é o instrumento para consagrar uma troca voluntária. Você, simplesmente, pagaria o valor acertado, e o colégio prestaria os serviços combinados de ensino, o pintor faria o trabalho dele de acordo com as tintas e cores que você escolheu, e os responsáveis pelo estádio permitiriam a sua permanência nele durante certo tempo. Em nenhum desses casos haveria qualquer tipo de coerção e, na eventualidade de a escola não atender ao combinado, ou o pintor usar cores que você não escolheu ou o jogo ser adiado por falta de luz, nos três casos, caberia algum tipo de reparação a você pelo dano causado, mesmo que tenha sido involuntariamente, como no caso do apagão.


Porém, quando o Estado arranca o seu dinheiro na forma de qualquer imposto, não existe “contrato” prévio nenhum, nem escrito nem verbal, e você não tem sequer o direito de se negar a fazer a “transação”, ou seja, a dizer que não deseja pagar o imposto porque, se fizer isso, certamente terá que enfrentar muitos problemas e poderá até ser preso. O Estado não é como o dono da escola, ou o pintor, ou o gerente do estádio. Ele não combina absolutamente nada com você, não se compromete contratualmente por escrito ou por palavra a ensinar à sua filha, nem a pintar a sua casa, nem a deixar que você ocupe um lugar na arquibancada. Ele simplesmente mete a mão no seu bolso e toma o seu dinheiro. Em suma, não existe troca, nem mesmo algo que lembre uma troca. O máximo que ele faz é dizer que faz isso pelo “bem comum”, puro “papo furado”.


Em outras palavras, como observou na rede X um velho amigo, o cientista político ítalo-mineiro Adriano Gianturco: “Você não paga impostos para receber alguma coisa. Você paga impostos para não ser preso. São impostos, e não uma troca comercial. O Estado não é uma loja”. A frase é verdadeira e não sou o único a concordar com ela, uma vez que há alguns dias alguém a verteu para o inglês e a postou na mesma rede, após o que o próprio Elon Musk a repostou, com um comentário tão lacônico quanto aprovador: “Yup”.


Três tipos de intervenção estatal


Há certas coisas que nos obrigam a aceitar, desde que nascemos e que nos apresentam como sendo inevitáveis, ou como verdades absolutas, ou como tautologias que dispensam demonstração, mas que, entretanto, não resistem a contestações bem formuladas. Uma delas é o conceito de moeda de curso legal, um pretexto para fazer do Estado o monopolista da emissão de moeda; outra, a necessidade de existência de bancos centrais para controlarem a moeda; e outra é a visão prevalecente sobre tributação, que é o tema deste artigo.


A tributação precisa ser entendida como um dos tipos de intervenção, definida genericamente como a introdução de uma força física agressora nas relações sociais, vale dizer, a substituição de ações humanas voluntárias por coerção. O ato de tributar é sempre coercitivo, uma agressão não consentida à liberdade e à propriedade. As consequências das intervenções são as mesmas, não fazendo diferença se a agressão é exercida por indivíduos extorquindo outros, por milicianos cobrando por segurança ou pelo Estado tributando, mas é óbvio que a imensa maioria das ações coercitivas vem do Estado, que é o único ente social que dispõe de suporte legal para fazer uso da violência, um monopólio que lhe é assegurado também financeiramente pela garantia de recolhimento de receitas compulsórias.


O economista Murray N. Rothbard (1926-1995) — discípulo de Mises e um dos inspiradores do presidente Javier Milei —, em seu tratado Indivíduo, Economia e Estado, identifica três categorias de intervenções do governo (que ele chama de “invasor” ou “agressor”) na vida dos cidadãos.


Na primeira, que Rothbard denomina de intervenção autista, o agressor ordena a um indivíduo isoladamente que faça ou deixe de fazer certas coisas, quando essas envolvem diretamente a pessoa ou a propriedade do indivíduo apenas, sem envolver trocas com outros indivíduos. Em uma intervenção autista, portanto, a ordem ou comando atinge somente um sujeito isolado, e o governo não recebe nenhum bem ou serviço em troca, como no caso, por exemplo, da proibição de um discurso, da censura ou de alguma prática religiosa.


Na segunda categoria de intervenção, o governo impõe uma troca entre o sujeito individual e ele mesmo, ou coage o sujeito a oferecer um “presente”. Rothbard chama isso de intervenção binária, por estabelecer compulsoriamente uma relação hegemônica entre duas pessoas: o interveniente e o sujeito. Um exemplo de intervenção binária, em que o agressor obriga o sujeito a fazer algo em seu favor, é a tributação, outro é o serviço militar compulsório, um terceiro é a escravidão.


Por fim, na terceira categoria, o invasor impõe (ou proíbe) uma troca entre dois sujeitos diferentes, situação descrita como uma intervenção triangular, que estabelece obrigatoriamente uma relação hegemônica entre o agressor e uma dupla engajada em alguma troca real ou potencial. Os exemplos de intervenção triangular fornecidos por Rothbard são os controles de preços e os licenciamentos, em que, no primeiro, o Estado proíbe qualquer dupla de indivíduos de fazer uma troca abaixo ou acima de certo valor fixado por ele e, no segundo, veda a certos indivíduos realizarem trocas específicas com outros.


Oferecendo o que não existe


O que caracteriza as três espécies de intervenções é a imposição de uma relação hegemônica entre um agente no comando e outro obedecendo, sem nada que lembre as relações contratuais voluntárias de livre mercado, que buscam benefícios recíprocos. Geralmente, quando a literatura econômica fala em intervenção, refere-se apenas à terceira categoria, ou seja, a triangular, mas é evidente que deveria passar a tratar também a intervenção binária e, portanto, a tributação, como uma forma de agressão ou de invasão à propriedade. A intervenção autista, embora esteja fora do âmbito das trocas monetárias, também precisa ser incorporada à análise econômica, uma vez que, mesmo sem envolver diretamente trocas monetárias, pode impor perdas monetárias aos indivíduos, como, por exemplo, nos casos de censura.


Cuidado, portanto, quando você ouvir falar que determinado projeto é “bom” porque, entre outros benefícios, gerará maior arrecadação para o governo, ou quando escutar alguém dizer que até aceitaria pagar a carga tributária escorchante existente no Brasil, desde que o governo disponibilizasse “retornos” satisfatórios. Uma vez que ninguém é capaz de oferecer o que não existe, principalmente a burocracia, cuja capacidade gerencial é sempre, por definição, bastante inferior à dos agentes privados.


*Artigo publicado originalmente na Revista Oeste.















PUBLICADAEMhttps://www.institutoliberal.org.br/blog/teoria-economica/duas-falacias-sobre-impostos/

0 comments:

Postar um comentário

Twitter Delicious Facebook Digg Stumbleupon Favorites More