Paulo Polzonoff Jr.:
Moro não entendeu nada. Não entendeu quando pôs os corruptos mais perigosos do Brasil na cadeia e, se achando invencível, se esqueceu de blindar o celular do ataque de hackers inescrupulosos. Não entendeu quando largou o cargo oficial de juiz federal (e o cargo simbólico de herói da nação) para se tornar ministro da Justiça no governo Bolsonaro. Não entendeu quando saiu do governo do jeito que saiu. E agora, durante a sabatina de Flávio Dino, não entendeu o que está em jogo e por isso se deixou fotografar aos risos e abraços com o mais novo ministro do STF.
As imagens mostram Dino e o ex-juiz da Lava Jato e senador prestes a ser cassado num clima que vai além da cordialidade protocolar. Há ali um quê de cumplicidade, com direito a conversinha ao pé do ouvido e risadas, gostosas risadas neste momento que muitos veem como decisivo para a consolidação da ditadura do Judiciário. De acordo com Bela Megale, do jornal “O Globo”, durante o mexerico Dino teria tentado “assuntar, em tom de brincadeira, o voto do senador”. Que manteve o mistério.
O mistério. Ah, o mistério. Aí está outra coisa que Moro ainda não entendeu: na política brasileira contemporânea não há espaço para mistérios desse tipo. Não há espaço para hesitações nem estratégias do tal xadrez 4D. Assim como não há espaço para conversas ao pé do ouvido, risadinhas e abraços num adversário que é visto, por metade da população e pela totalidade dos eleitores de Moro, como inimigo.
Cordialidade e civilidade
Diante da repercussão negativa das imagens, Sergio Moro tentou se explicar. Falou em polarização – vê se pode uma coisa dessas! Disse que é crítico ao atual governo (ô!), mas que isso não deveria ser empecilho para o que ele chamou primeiro de “cordialidade” e depois de “civilidade”. “Acho que o país precisa disso [civilidade] para que nós possamos diminuir a polarização”, emendou, piorando consideravelmente o já sofrível soneto.
Mais uma vez: Moro não entendeu nada. Não entendeu que Flávio Dino no STF é o fim de qualquer cordialidade ou civilidade jurídica. Pelo contrário, Dino no STF é a consolidação de uma justiça-entre-milhões-de-aspas, que mal consegue disfarçar a truculência e o autoritarismo que a animam. Uma justiça ativista, militante e inquestionavelmente ideologizada. Uma justiça progressista, com indisfarçáveis influências comunistas. Moro não entendeu que vai ser cassado e, se calhar, preso. Moro não entendeu que não há civilidade alguma (muito menos cordialidade!) no desejo de vingança de Lula.
Moro não entendeu o impacto que essa imagem de sua cordialidade e civilidade inoportunas terá sobre milhões de brasileiros que num passado bem recente viram nele, Moro, uma esperança de moralização da política. Moro não entendeu que o momento não é de criticar a tal da polarização, e sim de proteger um dos polos que está sendo massacrado pelo outro. Tem gente presa, Moro! Tem gente que já morreu na cadeia! Tem gente censurada, com as contas bloqueadas e o passaporte cancelado! Moro não entendeu que não, não vivemos “a mais absoluta normalidade democrática”, como disse cinicamente o presidente do STF, Luís Roberto Barroso.
O que esperávamos dele
Ah, Moro, Moro, Moro. Moro não entendeu que esperávamos dele (e alguns continuarão esperando) sangue nos olhos. Não arrogância, e sim aquela altivez de quem age por convicção e não respeita os adversários – que, por sinal, não o respeitam. Moro não entendeu que queríamos vê-lo se articulando não só pela rejeição de Flávio Dino, mas também pelo impeachment de pelo menos uns três ministros do STF. Moro não entendeu que queríamos vibrar, torcer, nos empolgar com aquele juiz da marmitinha (lembra dele?) e que botou atrás das grades ninguém menos do que Lula.
Mas parece que não tem jeito. Porque Moro não entendeu que, em meio a tantas más notícias, e todos os dias, a imagem dele de tititi com Flávio Dino é repugnante e reforça a ideia de que há todo um Sistema a nos subjugar, a nos escravizar, a nos parasitar. Moro não entendeu que alguém que já foi considerado herói não tem o direito de confraternizar com os vilões. Moro não entendeu isso.
Por quê, Moro?
Por que Moro é incapaz de entender o momento e a postura que exigimos dele não sei. Mas tenho algumas hipóteses. Talvez lhe falte um mínimo de cultura para além dos códigos processuais. O tal do imaginário de que o Escorsim tanto fala. Talvez lhe falte fé. Talvez o que lhe falta sejam convicções. Talvez, quero crer que não (quero?) lhe falte brio. Talvez lhe falte acertar as contas com um passado de trágicos erros estratégicos. Ou talvez o que lhe falte seja apenas talento para navegar no lodo da política. Talvez lhe falte um amigo.
Ou talvez Moro tenha sido apenas uma projeção inatingível das nossas expectativas mais exageradas. Seja lá qual for a explicação, uma coisa é certa: Sergio Fernando Moro, o homem e não o personagem, não entendeu nada. Infelizmente. E infelizmente já não tenho a menor esperança de que um dia ele venha a entender a dimensão dos seus gestos, das suas omissões, da sua polidez descabida e da sua fraqueza. Infelizmente. Mil vezes infelizmente. Uma pena, Moro. Confesso que fiz força para acreditar em você.
Paulo Polzonoff Jr., Gazeta do Povo
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