Jornalista Andrade Junior

segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

‘Prisão em 2ª instância é, sim, constitucional’, diz Carlos Velloso, ex-presidente do STF

 Gabriel Manzano, O Estado de São Paulo


Por três décadas, entre o final dos anos 70, quando assumiu no STJ, e 2006, quando deixou a presidência do STF, o filósofo e jurista Carlos Velloso viveu no dia a dia muitos pequenos e grandes momentos do Judiciário – e como professor debateu todos os seus problemas. Neste final de 2021, um ano nada tranquilo para o Supremo, sua definição a respeito dele continua a mesma: ele é “um guardião maior da Constituição”, e esta continua sendo a base para se resolver as grandes pendências – o que inclui a guerrinha diária entre os poderes.

Uma dessas polêmicas, a questão de prisão de um réu já após sentença em segunda instância, é um exemplo. “Isso é perfeitamente constitucional”. avisa o jurista. Como também “não é despropositada” a ideia de se limitar o tempo de atuação de um ministro na mais alta corte do País. Só que, ao invés dos 10 anos já sugeridos, ele afirma: “Um mandato de 15 anos seria adequado”. A seguir, trechos da entrevista.

Tornou-se comum, no País, a disputa entre Judiciário, Legislativo e Executivo pelo direito de dar a palavra final sobre quase tudo. Como isso poderia ser resolvido?
Com o cumprimento da lei. O Supremo Tribunal Federal é o guardião maior da Constituição. Assim está estabelecido no seu art.102, segundo o qual compete ao Supremo “precipuamente, a guarda da Constituição”. E como guardião maior, cabe-lhe intervir, sempre, anulando atos que a contrariem.

Os outros poderes não aceitam isso tão facilmente.
Pode parecer que o Supremo estaria disputando com o Legislativo ou do Executivo, quando isto não ocorre. Ocorre, apenas, que ele está fazendo cumprir a Constituição. As pessoas do ramo entendem isto. É bom assinalar, também, que o Supremo não decide sem que lhe requeiram que decida – papel de partidos políticos, associações de classe, confederações e federações sindicais, parlamentares. É assim nos países civilizados.

Uma das cruzadas contra o Judiciário é para limitar a carreira de seus ministros a dez anos. É uma boa ideia? Ou só uma jogada dos outros poderes pra fazer novas indicações?
Penso que essa limitação não é despropositada. Os tribunais constitucionais europeus, nos quais nos inspiramos, já o fazem. Acontece que a Constituição brasileira adota dois sistemas de constitucionalidade: o controle concentrado, em abstrato, o controle difuso, segundo o modelo americano. Neste controle difuso, a questão constitucional é decidida numa ação entre partes, em que a experiência do juiz é importante. Então, um mandato de dez anos me parece pouco. Um mandato de quinze anos seria adequado. E mantida a aposentadoria compulsória em 75 anos, como já é agora.

E como vê o fim da prisão em segunda instância? Voltar ao trânsito em julgado como critério para prender é correto?
A prisão, isto é, o início da execução da sentença penal, após a decisão em segunda instância, é perfeitamente constitucional. A Constituição não é interpretada em tiras, como dizia o ministro Eros Grau. Em livro em homenagem ao ex-ministro do TSE Roberto Rosas, Uma Vida Dedicada ao Direito, publiquei a minha posição, buscando apoio na jurisprudência dos povos civilizados, em que a sentença pode partir do juiz de primeiro grau.

O sr. conhece o Supremo Tribunal Federal há pelo menos 30 anos. Ao vê-lo agora tão cobrado e contestado por outros Poderes e por profissionais do direito, como descreveria esse panorama?
É que os brasileiros descobriram as ações do controle concentrado. O Supremo, então, está sendo muito acionado, muito procurado. Isto é, as ações do controle concentrado têm aumentado – ações diretas de constitucionalidade, por ação ou por omissão, ações de descumprimento de preceito constitucional, a ação declaratória de constitucionalidade, os mandados de injunção, as reclamações. O brasileiro é judiciarista, o que é bom, é civilizado. Ademais, a Constituição legitimou, isto é, autorizou um leque de autoridades e instituições de representação de classe a requerer as ações.










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