Jornalista Andrade Junior

sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

'O país dos descondenados',

 por Silvio Navarro

A liberdade dos bandidos do petrolão e a prisão de Roberto Jefferson deixam claras as injustiças da Justiça brasileira


Em outubro do ano passado, o país acordou com uma manchete que assustou até os plantonistas dos “direitos humanos” nas redações e nos famosos escritórios de advocacia. O narcotraficante André Oliveira Macedo, de 43 anos, conhecido pelo apelido de André do Rap na facção Primeiro Comando da Capital (PCC), saiu pela porta da frente da penitenciária de Presidente Venceslau, no interior paulista. A soltura fora determinada pelo então ministro Marco Aurélio Mello, no apagar das luzes de sua aposentadoria do gabinete do Supremo Tribunal Federal (STF).

Segundo o promotor Lincoln Gakya, que enfrenta o PCC com os punhos erguidos há décadas, ao deixar a prisão, André do Rap fugiu para a Bolívia. Ele é um dos responsáveis pelo fluxo internacional de drogas escoado diariamente pelo Porto de Santos, onde a fiscalização é frouxa. Em 2019, antes de ser preso em uma mansão de luxo em Angra dos Reis (RJ), tinha lancha, helicóptero e dirigia um Porsche. Ao ganhar a liberdade, faltavam mais de 25 anos de cadeia para cumprir. Então por que foi solto?

Porque o Brasil é um país onde o crime compensa. A polícia prende, mas o Judiciário solta. Como não tinha condenação definitiva desde 2019, Marco Aurélio decidiu que ninguém pode permanecer mais de 90 dias em prisão provisória sem revisão, conforme determina o pacote anticrime aprovado pelo Congresso Nacional no ano passado. Horas depois da concessão do habeas corpus, até o presidente do STF, Luiz Fux, reagiu com espanto e revogou a canetada. Tarde demais. O criminoso já havia cruzado a fronteira.

O ex-corruptos

Foi assim também em 2021 com os bandidos de colarinho-branco, os famosos assaltantes dos pagadores de impostos. Uma boa parte deles caiu na malha fina da Lava Jato durante os sete anos de duração da operação — que foi perdendo fôlego à medida que os arranjos políticos em Brasília ganharam envergadura. Um dos casos mais emblemáticos foi o do ladrão sincero Pedro Barusco, funcionário do terceiro escalão da Petrobras. Ao ser flagrado roubando o cofre da estatal, devolveu sem titubear US$ 100 milhões que estavam escondidos na Suíça. Em troca, a promessa de não passar mais de uma década atrás das grades.

“A coisa foi acontecendo, um oferece e o outro recebe. O relacionamento vai se estreitando e, quando a gente vê, está no meio desse processo. É uma coisa contínua”

O jornal O Estado de S.Paulo fez um levantamento no início do mês sobre a anulação de penas por tribunais superiores. O número é escandaloso: 277 anos. Como o STF não para, a reportagem de Oeste ultrapassou a marca de 300 anos. Ao menos 15 políticos tiveram suas condenações anuladas por tribunais superiores, entre eles o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O fato é que o único político graúdo ainda encarcerado no Brasil é Sérgio Cabral, ex-governador do Rio de Janeiro. Ainda assim, ele está conseguindo, mês a mês, reduzir a pena de 400 anos de prisão — são 21 condenações. O ex-ministro Antonio Palocci também — até a tornozeleira já foi tirada.

Já o ex-deputado Roberto Jefferson, presidente do PTB, está preso num inquérito cuja base não tem respaldo na história. O STF inventou um guarda-chuva jurídico para prender quem critica as decisões dos magistrados. O mesmo aconteceu — como nunca antes neste país — com o deputado federal Daniel Silveira, do Rio de Janeiro.

O parlamentar foi preso não por ter roubado o país, como os ex-tesoureiros do PT João Vaccari Neto e Delúbio Soares, mas por ter gravado um vídeo recheado de grosserias. Ambos têm como defensor o advogado Cristiano Zanin Martins.

Zanin estaria condenado ao eterno anonimato se não tivesse casado com a filha do advogado Roberto Teixeira, que virou um dos mais queridos amigos de Lula ao ceder-lhe gratuitamente o apartamento em São Bernardo ocupado anos a fio pela família do futuro presidente. “Ali Lula descobriu como mora gente rica”, observou Augusto Nunes, colunista de Oeste, num artigo publicado no portal R7. “Ali também aprendeu que é possível ser dono de imóveis sem perder tempo com regularização de escrituras. Ali acabou por tornar-se parceiro de Roberto Teixeira em negócios suspeitíssimos.”

Como alguns desses negócios aconselharam o sogro a não assumir ostensivamente a defesa do amigo no esforço para livrá-lo das descobertas da Lava Jato, o genro virou advogado de Lula. Também ganhou a admiração de ministros do STF, como Gilmar Mendes:

“Gostaria, neste momento, senhores ministros, e acho que falo em nome do tribunal, de reconhecer o brilhante trabalho da defesa. É um advogado que não se cansou de trazer questões ao tribunal. Muitas vezes, foi até censurado, incompreendido”

Plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) | Foto: Divulgação

A origem dessa bagunça começou no dia 8 de março deste ano, quando o ministro do STF Luiz Edson Fachin anulou com uma só canetada todas as condenações do ex-presidente Lula — triplex do Guarujá, sítio em Atibaia e terreno do instituto na capital paulista.

“Verificou-se que os supostos atos ilícitos não envolviam diretamente apenas a Petrobras, mas ainda outros órgãos da administração pública.” Com essa frase, Fachin determinou que todos os processos envolvendo agentes políticos denunciados pela PGR, entre eles o do ex-presidente, deveriam ser transferidos para a Primeira Instância. A impunidade foi recuperada.


















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