Jornalista Andrade Junior

segunda-feira, 29 de novembro de 2021

'Qual é a relação entre produção, renda, consumo e qualidade de vida?',

  por Felipe Lungov  Não há atalhos: para enriquecer e ter qualidade de vida é necessário produzir

Eis um problema grave: em quase todas as discussões sobre políticas econômicas, as pessoas simplesmente ignoram de onde vêm os bens que os indivíduos consomem.

Como bem disse Gustavo Franco sobre a situação na Argentina, algumas pessoas acreditam que o leite vem da geladeira. Ou que os alimentos surgem magicamente nas gôndolas dos supermercados.

A mera distribuição e comercialização de bens é frequentemente confundida com a própria produção destes mesmos bens. Várias pessoas, inclusive economistas de viés intervencionista e desenvolvimentista, genuinamente acreditam que o problema não está na produção, mas sim na distribuição e na venda dos bens (ou seja, na demanda e no consumo).

É como se a questão da produção já estivesse magicamente resolvida.

E, no entanto, a questão da produção é o grande desafio de qualquer economia. E não o consumo.

Consequentemente, pouco se busca entender a relação entre as variáveis 'produção', 'renda', 'consumo' e 'qualidade de vida'.

A seguir, uma humilde tentativa de oferecer um piso mais sólido em cima do qual essas discussões possam ser construídas.

É a produção o que cria riqueza

Comecemos com a produção.

Produzir, em termos econômicos, é o ato de criar um bem ou serviço. Quando um confeiteiro está misturando os ingredientes de seu bolo, ele está produzindo um bolo.

Antes de começar, ele tem em cima da mesa a farinha, os ovos, o açúcar, o leite etc. Ele junta todos esses ingredientes, de acordo com uma receita que ele conhece, e o resultado final — o produto — é o bolo.

O que houve de extraordinário aqui? Ele agregou valor aos ingredientes que tinha.

E o que quer dizer isso?

Se todos os ingredientes iniciais somados são comercializados por, digamos, R$ 10, e o bolo pronto (ou seja: os mesmos ingredientes, mas agora na forma de bolo pronto) é comercializado por R$ 13, a única conclusão a que podemos chegar é que a produção aumentou em R$ 3 o valor daqueles ingredientes.

(Uma análise mais rigorosa levaria em conta também o equipamento que ele utiliza, a energia elétrica, o aluguel da cozinha, seu próprio trabalho, e muito mais coisas. Considerar todos esses insumos não alteraria em nada o que está sendo explicado, mas complicaria desnecessariamente a explicação e por isso foi dispensado.)

Economistas dizem, portanto, que o confeiteiro produziu R$ 3 em bens. Ele acrescentou R$ 3 de valor aos R$ 10 inicias. Ele produziu e criou valor.

Poderia ter sido outro bem, como um chapéu, um guarda-chuva, um computador, um carro ou um navio. Poderia ter sido um serviço, como uma consulta médica, um reparo em automóvel, a instalação de encanamentos ou luz elétrica em edifícios ou uma aula de pintura.

E é claro que diversas pessoas podem se aliar e cooperar para produzir algo, cada uma contribuindo com uma pequena parte.

O que todos esses casos têm em comum é que o trabalho de uma ou mais pessoas foi convertido, por meio da produção, em algo útil para a humanidade, esse algo sendo material ou não.

Você provavelmente já ouviu falar no PIB, o Produto Interno Bruto. Embora possua imperfeições, esse número nada mais é do que:

  • a somatória de tudo o que foi produzido de bens e serviços (produto)
  • em um determinado espaço geográfico (interno)
  • desconsiderando-se as depreciações (bruto)
  • e durante um determinado intervalo de tempo (geralmente um ano).

O PIB é, portanto, a somatória dos valores de todos os bens e serviços que são produzidos na economia: todos os bolos, livros, mobília, carros, geladeiras, fogões, aulas de inglês, pizzas, apresentações de dança etc.

Se você trabalha e produz um bem ou um serviço, você certamente contribui sua parcela para o PIB de sua economia, o PIB de seu país, e o PIB mundial.

Esta é a produção pela ótica da criação de produto. Mas podemos vê-la também como criação de riqueza e, consequentemente, renda. Quando o confeiteiro termina seu bolo, ele está R$ 3 mais rico do que quando começou. Isso porque se somarmos e compararmos tudo o que ele tinha antes e depois da produção, houve um aumento de R$ 3 — ou uma renda de R$ 3.

Em economia, riqueza não tem o mesmo sentido que geralmente se atribui à palavra. Não estamos falando de luxo ou fortuna, mas de qualquer produto como alimentos, vestuário, moradia, remédios, computadores, eletrodomésticos, caminhões, tratores etc. O aumento da oferta destes bens configura aumento da riqueza.

Quanto mais bens e serviços disponíveis a um indivíduo, mais rico ele será. Quanto mais bens e serviços disponíveis aos habitantes de uma economia, melhor será sua condição de vida — e, consequentemente, menor será sua pobreza absoluta.

Dado que nosso personagem é confeiteiro por profissão, ele provavelmente decidirá vender essa riqueza que ele criou (o bolo) e usar o dinheiro para comprar outras riquezas que satisfaçam suas próprias necessidades — o consumo.

Ele pode usar o dinheiro para pagar parte do seu aluguel, parte de uma viagem, ou um pacote de figurinhas para seu filho. A possibilidade de realizar esse consumo é o que dá qualidade de vida às pessoas. Ninguém tem qualidade de vida quando não tem onde morar, roupa para vestir, comida para comer, acesso a tratamentos médicos, e por aí vai.

Por isso, o padrão de vida dos habitantes de um país é determinado pela abundância de bens e serviços que podem ser adquiridos com a renda de sua produção.

Quanto maior a quantidade de bens e serviços ofertados, e quanto maior a diversidade dessa oferta, maior será o padrão de vida da população. Quanto maior a oferta de alimentos, quanto maior a variedade de restaurantes e de supermercados, de serviços de saúde e de educação, de bens como vestuário, imóveis, eletrodomésticos, materiais de construção, eletroeletrônicos e livros, de pontos comerciais, de shoppings, de cinemas etc., maior tenderá a ser a qualidade de vida da população.

Perceba como cada um desses eventos decorre do anterior, começando com a produção. Só é possível atingir o último quando temos o primeiro, e cada etapa faz parte de um processo maior.

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A produção não é um fim em si mesmo, mas uma etapa impossível de ser abolida

É evidente que a razão que leva alguém a decidir produzir não é o trabalho de produzir em si, mas a melhora na qualidade de vida que esse trabalho lhe proporciona. A pessoa está atuando em uma ponta do fluxo, mas olhando para a outra.

O objetivo final de toda e qualquer produção é o consumo. A pessoa produz (aumenta a oferta de bens e serviços) para obter os meios (renda, dinheiro) com os quais poderá consumir outros bens e serviços.

Ou seja, as pessoas ofertam para poderem demandar.

Não deveria ser surpresa, portanto, que, ao se introduzirem desvios nesse fluxo (ou seja, quando nem toda a produção inicial pode ser convertida em qualidade de vida para a mesma pessoa), as pessoas escolham por diminuir sua produção de bens e serviços na economia.

Isso ocorre, por exemplo, quando governos passam a tributar pesadamente a renda do trabalho ou o lucro dos investimentos. Ou então quando o investimento e a produção são afetados por uma moeda instável. Ou mesmo quando o próprio ato de produzir é estorvado por regulamentações e burocracias que servem apenas para onerar o trabalho.

Países que cometeram esses erros em larga escala invariavelmente viram queda em suas produções até que esse vazamento fosse desfeito. O exemplo mais evidente desta dicotomia aplicada a um mesmo país são os EUA da década de 1970 com os EUA da década de 1980: na década de 1970, a moeda era inflacionada e instável, e todos os tipos de trabalho e produção eram pesadamente tributados. Como consequência, o país vivenciou uma prolongada estagflação. Isso foi revertido na década de 1980, com desoneração sobre a produção e redução de impostos sobre o investimento e sobre a renda (o que incentiva mais trabalho e produção), e estabilização da moeda, e como consequência o país vivenciou um grande boom econômico com baixa inflação de preços.

Esse é o motivo de economistas serem tão reticentes a medidas que desestimulem ou onerem a produção — e essa resistência é frequentemente vista como exagerada por aqueles que não estudaram economia.

Mas esse desvio de recursos no meio do fluxo, felizmente, tem sido exceção. Ao longo da história, quem produz, na maioria das vezes, consegue manter boa parte da riqueza criada até o final do fluxo. Não por acaso, vemos um aumento cada vez maior no produto e na qualidade de vida ao redor do mundo.

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A questão que fica é se queremos acelerar ou frear esse processo.

Se quisermos acelerar, a produção deve ser desonerada e facilitada ao máximo. Se não quisermos, basta então apenas incentivarmos a demanda sem atentarmos para o lado da oferta. Isso é o que foi feito recentemente no Brasil.


Mises Brasil, 

Felipe Lungov
é formado em economia pela FEA-USP com especialização em estatística pela FIA-USP. É editor do blog Palavras de Liberdade e presidente da Academia Liberalismo Econômico.













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