Sílvio Navarro
Num dos maiores fiascos pré-eleitorais da história do país, o PSDB não conseguiu até esta sexta-feira, 26, decidir quem será o seu candidato à Presidência da República. O processo de prévias frustradas somou a falha num aplicativo milionário (negociado com dinheiro público) com denúncias de compra de votos e terminou em mais uma briga de quintal. Trata-se de um partido que há duas décadas não consegue fazer as pazes internamente, muito menos com o eleitorado.
É provável que, na próxima semana, depois da contratação de uma empresa para solucionar os “problemas técnicos”, os tucanos consigam definir quem concorrerá ao Palácio do Planalto: se o governador de São Paulo, João Doria, ou o do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite. Segundo dirigentes da sigla, o paulista é o favorito porque conseguiu arregimentar um bom número de prefeitos no maior Estado do país, o que lhe rende musculatura na hora da escolha. Mas o fato é que o partido está diante de uma rinha na qual todos já perderam.
Doria é impopular às margens do Rodoanel e nos quilômetros que levam ao interior ou litoral
Se sair vitorioso, Doria enfrentará o tradicional “fogo amigo”. O chumbo virá do Sul e de Minas Gerais, onde Aécio Neves ainda dá as cartas e joga pesado contra ele. O sonho de Doria, aliás, custará ainda mais caro se o seu vice, Rodrigo Garcia, perder a hegemonia tucana do Palácio dos Bandeirantes. Algo que dura desde que Mario Covas foi eleito em 1994, derrotando de vez o “quercismo” caipira. Orestes Quércia (MDB) governou o Estado e depois elegeu o sucessor, Luiz Antônio Fleury Filho, na era pós-Franco Montoro.
Não há como menosprezar o peso eleitoral do Estado de São Paulo nas urnas. São 33 milhões de votos, um quarto do eleitorado do país. Só na capital, são 9 milhões de votos — mais do que um Paraná inteiro, por exemplo. Talvez isso também explique a necessidade de Doria em ter buscado um substituto rápido — a despeito da vaidade e do sonho pessoal de ser presidente. Ele, hoje, é impopular às margens do Rodoanel e nos quilômetros que levam ao interior ou litoral, ainda que vá despejar milhões em obras nas cidades no próximo ano.
O “Capitão Vacina”
Na capital, João Doria perdeu a confiança dos conservadores há muito tempo e tampouco seu sapatênis agrada aos “meio intelectuais, meio de esquerda” das mesas da USP e da Vila Madalena. Não lhe restava escolha a não ser vestir a capa do “Capitão Vacina” rumo a Brasília e contrariar os tecnocratas do gabinete anticovid para liberar logo o uso de máscaras. A partir do dia 11, elas não serão mais obrigatórias ao ar livre.
Oeste conversou nesta semana com um amigo do deputado Aécio Neves que quase foi presidente e atua nos bastidores como há anos não fazia. O mineiro é um “poço de mágoas” contra Doria. Agiu a favor de Eduardo Leite nas prévias, mas gostaria mesmo de ver a derrocada do PSDB paulista nas urnas. Sem a máquina partidária nem o status do Palácio dos Bandeirantes, avalia: “Tanto Doria quanto a velha guarda não param em pé na política”.
Outro ponto é que a cizânia pode produzir estrago maior na bancada da Câmara, que vem minguando eleição após eleição. Em 2018, os tucanos saíram das urnas com 29 cadeiras, a nona bancada da Casa, algo impensável para uma legenda que era protagonista na política. No Senado, atualmente o PSDB tem só seis representantes — o cearense Tasso Jereissati está licenciado.
Em solo gaúcho, o revés ainda poderá vir a reboque para Eduardo Leite se ele perder as prévias. Ex-prefeito de Pelotas, Leite surgiu como uma promessa para conseguir sanear as finanças de um Estado quebrado como fizera no município. No governo, uma de suas principais realizações — ou pelo menos a que ficou mais conhecida — foi proibir a venda de leite condensado nos supermercados gaúchos durante a pior fase da pandemia. Não só isso: leite condensado e todos os produtos que, em seu infinito saber, fariam as pessoas pegarem covid.
Mas como conseguiu, minimamente, segurar as contas, tinha chances de romper a sina de que o gaúcho nunca reelege seus governadores. Mas acabou seduzido por desafetos de Doria no PSDB a embarcar numa corrida inútil. Será difícil explicar à população que preferia administrar o país. Caso a empreitada pessoal não dê certo, quer continuar no Palácio Piratini.
O que pensa Sergio Moro?
Paralelamente à crise tucana, Sergio Moro filiou-se ao Podemos e tem se dedicado diariamente às aparições na imprensa tradicional como potencial candidato da tal “terceira via”. Provavelmente, vai competir pelos mesmos 5% do eleitorado do PSDB na largada. Ou ainda todos acabarão aninhados, o que também é difícil — afinal, o ex-juiz da Lava Jato mandou investigar e prender tucanos graúdos. Entre eles, o ex-chefe da Dersa Paulo Pretto e o ex-senador Aloyzio Nunes Ferreira.
Mais uma vez, vale repetir: não se trata aqui de discutir o currículo nem o desempenho exemplar do ex-juiz de primeira instância que fez história ao condenar a bandidagem engendrada no mais alto escalão da República nos governos petistas. Moro é muito melhor do que qualquer um dos tiriricas do centrão. Mas nenhum desses despachos o levará a galope até Brasília. É preciso que a população saiba o que ele pensa sobre economia, meio ambiente, agronegócio, cultura e todo o resto. Moro, por enquanto, foi uma mistura de frases ensaiadas com Marina Silva. Não conseguirá chegar à faixa presidencial parecendo um candidato de plástico.
No próprio PL, partido de Valdemar Costa Neto que receberá o presidente, líderes avaliam que Moro entrará no páreo pensando em 2026. “Moro não representa ameaça nenhuma agora. Vai dar Bolsonaro e Lula no segundo turno e ele ficará em terceiro lugar”, diz o deputado Capitão Augusto (PL-SP), que tem interlocução com o ex-juiz, porque comanda a Frente Parlamentar da Segurança Pública na Câmara e foi relator do pacote anticorrupção. “Mas o principal adversário da esquerda em 2026, sem Bolsonaro, pode ser o Moro porque não há hoje outro nome natural à direita.”
Outra coisa: para ser presidente, é preciso ter apoio das ruas, algo que Moro perdeu quando deixou o governo Jair Bolsonaro atirando. E que tanto Doria quanto Leite, ou ainda Ciro Gomes (PDT), não conseguem. O melhor termômetro foi o vexame da manifestação desse trio na Avenida Paulista em setembro. Na época, Moro ainda não estava oficialmente no jogo. Tampouco a aposta de Ciro em se livrar da carranca tem dado certo. A estratégia de João Santana, o marqueteiro do petrolão, em promover as lives do “Ciro Games” para jovens naufragou em audiência. No próprio PDT, já há quem defenda que ele desista e a sigla force uma indicação a vice de Lula.
O ex-presidente do Senado e governador mineiro Magalhães Pinto resumia bem esses balões de ensaio da política brasileira muito antes da redemocratização do país: “Você olha e ela está de um jeito; olha de novo e já mudou”. É possível que tudo mude até outubro do ano que vem. Falta quase um ano para a eleição. O que temos por enquanto é muita confusão no piso térreo.
Revista Oeste
publicadaemhttp://rota2014.blogspot.com/2021/11/silvio-navarro-e-disputa-pelo-terceiro.html
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