Jornalista Andrade Junior

sexta-feira, 26 de novembro de 2021

'Moro no mundo da lua'

 Guilherme Fiuza 

Sergio Moro foi ao Senado e deu um show. Não pense que é fácil fazer aquilo que ele fez. Pelo resultado da sua incursão no Parlamento como pré-candidato, dá para imaginar o papo com o marqueteiro na chegada a Brasília:

– Que que eu falo? Não tenho a menor ideia. Não entendo nada de nenhum desses assuntos.

– Relaxa, Moro. Você vai tirar de letra.

– Que letra? De A a Z são muitas letras. Me ajuda, por favor.

– Calma, rapaz. Esquece as letras. Não precisa decorar nada.

– Como eu posso ficar calmo desse jeito? Você não me fala nada concreto. Estou ficando desesperado. E ainda me disseram que você tá ganhando uma fortuna pra fazer comigo o que o Gepeto fez com o Pinóquio.

– A vantagem é que na política você pode mentir que o seu nariz não cresce.

– Não falei em mentir. Falei em transformar boneco em gente.

– Ah, tá. É exatamente isso. A não ser que você queira continuar sendo só um boneco.

– Não sou boneco. Nunca fui. Sou ex-juiz, ex-ministro, ex-candidato ao STF e ex-Sergio Moro.

– Foi o que eu falei. Você renunciou a tudo pra se transformar numa coisa que te disseram que é ótima e você ainda não sabe o que é. Então, por enquanto, você é um boneco zanzando por Brasília. Mas fica tranquilo que eu vou te dar vida. Você vai arrasar.

– Então me explica de uma vez o que eu tenho que fazer. Já estamos chegando no Senado e quando eu saltar desse carro já vou ter que sair falando alguma coisa.

Basta você ser uma mistura de Ciro Gomes com Marina Silva, botar um sotaque de Psol com empáfia tucana

– Você vai falar o que o povo quer ouvir.

– O que o povo quer ouvir?

– Olha, Moro, realmente não vai dar tempo de te explicar tudo correndo agora. Olha ali o Congresso… Chegamos.

– Socorro!

– Calma, bobo. Vou te dar uma dica matadora em menos de um minuto e você vai brilhar no Parlamento.

– Fala logo!

– É simples. Basta você ser uma mistura de Ciro Gomes com Marina Silva, botar um sotaque de Psol com empáfia tucana sem esquecer a carranca de justiceiro conservador e correr pro abraço.

Mostrando ser um aluno aplicado, Sergio Moro seguiu à risca a dica do marqueteiro e fez história no Senado — encarnando a primeira mistura de presidenciáveis profissionais com grande talento. O melhor da festa é que toda essa pantomima foi representada diante do olhar apaixonado dos jornalistas do consórcio (antiga imprensa) — aqueles mesmos que queriam o couro de Moro quando ele era sério. As voltas que o mundo dá.

O boneco de carne e osso falou um pouco de tudo. Basicamente conclamou seu partido (sim, ele agora tem partido) a votar contra a PEC dos Precatórios — na linha estratégica genial do Bolsonaro-fala-A-eu-falo-B que ele vem desempenhando com brilhantismo desde que inaugurou com o impagável Mandetta a bancada dos ministros de oposição, em plena eclosão da pandemia. Esses bonecos são danados.

O melhor de tudo foi a explicação da “orientação” contra a PEC. Sergio Moro disse que está muito preocupado com o teto de gastos — e fez uma dissertação sobre responsabilidade fiscal que encheria de confiança qualquer candidato a presidente de grêmio estudantil (“Se ele pode, eu também posso”). Naturalmente, como a PEC dos Precatórios é uma medida justamente contra o colapso fiscal — o que colocava o discurso de Moro em colisão com a posição de Moro —, o boneco falante deu umas duas voltas ao mundo empilhando os melhores clichês do economês para iniciantes e retornou com expressão vazia e triunfal à sua claque ignara.

“Faz sentido”, exclamaria Marina Silva. Esse negócio de fazer sentido se tornou algo realmente muito peculiar, e hoje em dia só mesmo os mais desinibidos conseguem. Conclusão: o tímido Moro alcançou a desinibição e já é capaz de cascatear com a fluência de um Ciro Gomes.

Esqueça aquele ex-juiz trancado e monossilábico. O candidato do Podemos (Yes, we can!) fala de Amazônia, de clima, de gênero, de raça, de saúde, de educação, de cultura, de empatia e de bufê para festa infantil, se você pedir. Se você não pedir, ele também fala. Foram anos e anos de silêncio. Chegou enfim o momento de botar para fora a quantidade proverbial de abobrinhas engasgadas que esse homem carregava e ninguém supunha.

Antes tarde do que nunca — como diria o ladrão descondenado.


Revista Oeste













publicadaemhttp://rota2014.blogspot.com/2021/11/guilherme-fiuza-ve-moro-no-mundo-da-lua.html


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