Jornalista Andrade Junior

sábado, 28 de novembro de 2020

"Ao centro, volver!",

 por Sílvio Navarro

Na manhã de 28 de março de 2007, uma quarta-feira ensolarada em Brasília, alguns dos nomes que marcaram a história política brasileira se reuniram num auditório do Senado para anunciar que o Partido da Frente Liberal (PFL) — a única sigla do país à época que ainda carregava o termo “liberal” na alcunha — estava de saída do tabuleiro eleitoral. A partir daquele dia, entraria em cena o Democratas (DEM). Assim mesmo, para ser resumido só pelas três letras nos jornais, sem o “partido” no prenome.

A estratégia de repaginar a legenda considerada conservadora no cenário pós-reeleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no ano anterior foi desenhada pelo sociólogo e cientista político Antonio Lavareda, que buscava uma saída para a desidratação de um partido já acomodado ao papel de coadjuvante (ou “eterno vice”, como era conhecido em Brasília) desde a redemocratização e que sofrera um tombo exponencial nas eleições parlamentares — em 1998, o PFL elegeu 105 deputados federais, a maior bancada da Câmara; em queda livre, seriam 65 em 2006.

Do PFL, só restaria o número na urna por força da Justiça Eleitoral. O estatuto seria alterado, assim como a logomarca (identidade visual) e, principalmente, para além da mudança de nome e sobrenome, também havia a necessidade de uma “troca de guarda” geracional. Figuras como Antonio Carlos Magalhães (BA), Jorge Bornhausen (SC), Marco Maciel (PE), José Agripino Maia (RN), José Jorge (PE), José Carlos Aleluia (BA), Cláudio Lembo (SP), Cesar Maia (RJ), entre outros, abririam espaço para a ascensão dos deputados ACM Neto (BA), Rodrigo Maia (RJ), Paulo Bornhausen (SC), Onyx Lorenzoni (RS) e do prefeito da maior cidade do país, Gilberto Kassab (SP).

Naquele dia, Rodrigo Maia seria escolhido o primeiro presidente do — e não “dos”, porque também essa foi uma discussão colocada à mesa — Democratas, num arranjo segundo o qual os Maia do Rio Grande do Norte e do Rio de Janeiro, os Magalhães da Bahia e os catarinenses Bornhausen se revezariam no posto. A nova Executiva Nacional teria 29 nomes, sendo 14 vice-presidentes — uma forma de nenhum “clã” exercer supremacia sobre os demais.

“Democratas é o nosso nome e que seja nosso destino honrá-lo”, discursou o ex-senador Jorge Bornhausen na ocasião. Mas, da fala do político que fundou o PFL em 1985 em meio à dissidência do PDS na eleição de Tancredo Neves, quase nada deu certo. A sigla seguiu a reboque dos fracassos eleitorais do PSDB nas corridas presidenciais, teve seus principais ícones abatidos em pleno voo — como o ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda, chutado da política pela segunda vez por escândalo de corrupção, assim como o ex-senador goiano Demóstenes Torres.

Para piorar o jogo, em 2011, houve um divórcio entre os caciques. Kassab cresceu no cenário político e, com o apoio dos Bornhausen, criou o Partido Social Democrático (PSD), levando consigo dezenas de parlamentares e o controle de Santa Catarina pelas mãos do então senador Raimundo Colombo, além de outras praças silenciosamente tomadas. O DEM ficou à deriva no Congresso com bancadas miúdas — na Câmara federal, as cadeiras se reduziram a apenas 24 no pleito de 2014.

O que ninguém naquele 2007 e muito menos em 2014 imaginava era que o Brasil de Dilma Rousseff, devido ao projeto desmascarado de poder do PT, encurralado pela Lava Jato, entraria em convulsão nas ruas. A maioria dos partidos buscou nova roupagem. E o país responderia nas urnas contíguas com uma derrota fragorosa da esquerda na eleição de prefeitos em 2016. Naquele ano, o PSD fez 407 cidades, e o DEM, 268. Quatro anos depois, o resultado é o que segue na tabela abaixo: o PSD ganhou em 649 municípios; e o DEM em 459.

De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2020, desde que o “supercomputador” da Corte, chefiada pelo ministro Luís Roberto Barroso, voltou a funcionar, das 95 cidades com mais de 200 mil eleitores, 37 estão definidas: DEM e PSD levaram cinco cada uma. O DEM não só esticou a linhagem em Salvador como filiou os prefeitos reeleitos Rafael Greca (Curitiba) e Jean Loureiro (Florianópolis), além do favorito no segundo turno do Rio de Janeiro, Eduardo Paes.

“O Democratas ocupou posições de destaque no Brasil. O trabalho do nosso presidente, ACM Neto, nos levou à vitória em três capitais, e no Rio de Janeiro há grandes chances de vitória, além de Macapá [as eleições na capital do Amapá foram adiadas por causa do apagão]. Há um fortalecimento do partido. Aqui no Nordeste, em Salvador, somos um palco de resistência à esquerda”, afirma o prefeito eleito da capital da Bahia, Bruno Reis (DEM).

Outro detalhe sobre o DEM: conforme números totalizados do TSE, foram 876 candidatos eleitos (15,59%) na região Centro-Oeste — incluídos vereadores e vice-prefeitos —, também um esforço do partido em investir em nomes ligados ao agronegócio.

O PSD faturou em Belo Horizonte (MG), onde o prefeito reeleito, Alexandre Kalil (com mais de 63% dos votos), tornou-se um fenômeno, e em Campo Grande (MS). Segundo integrantes do comando da legenda, a aposta agora é nas cidades com força econômica como Guarulhos (SP), Franca (SP), Joinville (SC), Canoas (RS) e Campos dos Goytacazes (RJ) — nesta, Kassab firmou acordo com a família Garotinho.

Se é fato que parte do mérito pelo ganho de musculatura das duas agremiações passou pela mudança nos ventos no país que defenestrou a esquerda “lulopetista” — aquela que até ameaçou ressurgir com os novos penteados de Psol e PCdoB neste novembro —, também é preciso registrar o sucesso dos articuladores Gilberto Kassab (PSD), o que nunca sai de cena, e do jovem ACM Neto (DEM), que entra em cena para 2022. Ambos trabalharam muito para filiar políticos nos dois últimos anos. Um bom exemplo é a bancada atual do PSD no Senado, com 12 cadeiras — eram sete em 2018 —, agora a segunda maior da Casa.

Quando criou seu PSD, Kassab disse que não se tratava de um partido “de direita nem de esquerda ou de centro”. Talvez nem ele soubesse nem quisesse saber. Quanto ao DEM de ACM Neto, tampouco representa mais a direita de sua estirpe com raízes na Arena (Aliança Renovadora Nacional), mas que se alinha à esquerda quando Rodrigo Maia pauta votações no Congresso e quiçá não tenha todos os votos do “Centrão”, agora base de Jair Bolsonaro. O fato é que estão em busca de capilaridade eleitoral, de máquinas municipais e de bancadas robustas em Brasília em 2022, que lhes assegurem o eterno financiamento e, sobretudo, a coexistência na política. São irmãos siameses.


Silvio Navarro, Revista Oeste

















PUBLICADAEMhttp://rota2014.blogspot.com/2020/11/ao-centro-volver-por-silvio-navarro.html


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