por Marcelo Tognozzi
Oleão Donald Trump foi derrubado pelo coronavírus a 32 dias das eleições.
O inesperado acabou fazendo uma surpresa, como na música de Johnny Alf.
Se o cenário estava incerto, agora ele ficou ainda mais nublado porque a campanha mudará de ritmo, no mínimo pelos cuidados necessários para um homem de 74 anos acostumado a ser movido por pura adrenalina.
Tudo indica que durante a quarentena obrigatória de pelo menos 14 dias Trump revisará sua estratégia, intensificando a presença nas redes sociais e subindo o tom dos ataques.
E é quase certo que não participe do segundo debate marcado para o dia 15 e nem do terceiro no dia 22, se beneficiando de uma espécie de “efeito facada”.
O entendimento da dinâmica eleitoral americana não é simples porque o sistema deles é bastante peculiar.
Nos Estados Unidos, candidatos fazem campanha para eleger a maioria dos delegados encarregados de escolher quem será o próximo presidente.
Ganha quem conseguir 270 delegados –maioria absoluta do total de 538.
Cada um dos 50 estados elege um número de delegados proporcional à sua representação no total da população do país.
A Califórnia tem o maior número: 55.
E vale o princípio “the winner takes it all”: independente da vantagem do candidato vencedor, ele leva todos os delegados do estado.
Para muitos analistas e institutos de pesquisas eleitorais com números nacionais, Biden venceria no voto popular, mas esta matemática não é suficiente.
Por isso, esta campanha presidencial dos Estados Unidos é a mais acirrada em 2 décadas.
Nos últimos 2 séculos, 6 candidatos ganharam no voto popular e perderam a eleição no colégio eleitoral.
Os casos mais recentes foram os de Al Gore, no ano 2000, e Hilary Clinton em 2016.
Quando olhamos para o mapa dos Estados Unidos, percebemos que Biden está tendo dificuldades de crescer na chamada América profunda, onde estão os votos mais conservadores, como no Meio-Oeste.
Esta sociedade conservadora tem boa capacidade de mobilização, embora seja muito menos ruidosa que os batedores de bumbo da ala liberal radicada em cidades como Nova Iorque ou Los Angeles.
Joe Biden é um político experiente, foi vice de Obama e governador do Delaware, um estado que abriga a sede de centenas de empresas grandes e pequenas seduzidas pelas vantagens financeiras de um paraíso fiscal.
Biden transita bem entre a elite econômica, mas a base dos democratas encolheu entre os trabalhadores desempregados pela globalização, que acabou com postos de trabalho em cidades como Detroit e criou novos na Ásia, onde a mão-de-obra é muito mais barata.
Trump se elegeu em 2016 prometendo trazer de volta estes empregos.
Em parte, conseguiu.
Passou 4 anos focado nos seus eleitores para continuar sendo visto como um vocalizador dos interesses da América.
O debate da última terça-feira, dia 29, indicou um aumento da temperatura nesta reta final de campanha.
Estão previstos mais 2 debates até o dia da eleição em 3 de novembro.
É quase certo que Trump não possa participar do segundo.
Neste primeiro duelo, os dois se atacaram abertamente, distribuindo mais caneladas que propostas.
Em vários momentos, Biden caiu nas armadilhas de Trump e se mostrou reativo.
Em outros, enquadrou Trump que, no seu estilo tradicional, partiu para o ataque direto, se comportando de acordo com o slogan da sua propaganda: “Guarde seu elefante, guarde seu burro. Nós temos um leão”.
O elefante é o símbolo dos Republicanos e o burro o dos Democratas.
Biden se colocou como o estadista conciliador e elemento de mudança na condução dos rumos dos Estados Unidos.
O leão estava pronto para engolir o burro, mas acabou nocauteado pelo coronavírus.
As enquetes sobre quem ganhou o debate refletiram números muito parecidos com as intenções de voto em nível nacional.
Ou seja: os eleitores viram o Trump que esperavam e não viram nada de sensacional em Biden.
Cada um falou para o seu respectivo público, apontando para uma disputa ainda mais radical e polarizada nessa reta final.
As pesquisas continuam indicando vantagem para Biden, inclusive com números superiores aos de Hillary Clinton no mesmo período.
Na última eleição, como ocorre tradicionalmente, os democratas venceram nas costas Leste e Oeste, enquanto Trump ganhou nos estados do meio e no Texas, segundo maior colégio eleitoral.
Essa tendência deve permanecer.
A eleição está nas mãos dos eleitores dos chamados “swing states”, que podem pender para um lado ou para outro, principalmente os do chamado “rust belt” ou “cinturão da ferrugem”, que definiram a eleição para Trump em 2016. Foi a maioria silenciosa da terra arrasada da manufatura tradicional (Pennsylvania, Ohio, Michigan, Iowa, Wisconsin).
A sempre imprevisível Flórida também se soma a esse grupo.
Há muito a ser discutido nos Estados Unidos da pandemia, mas a retomada da economia é um ponto chave para a população.
Qual a aposta do americano médio, conservador e ameaçado de perder não apenas seu emprego, mas a sua segurança?
Votará em Trump, considerado o mais competente para fazer o país voltar a crescer, ou optará pela mudança e o tom conciliador de Biden, apoiado pelos movimentos sociais engajados nos recentes protestos contra violência policial e com a marcante presença na chapa presidencial da senadora da Califórnia, Kamala Harris, filha de um jamaicano e uma indiana?
O desafio de Trump é provar ao eleitor que ele é o mais preparado para tirar o país do atoleiro da pandemia e manter a ordem.
E que é forte o suficiente para superar o coronavírus e permanecer na luta.
Biden precisa provar que o país precisa de um presidente conciliador, experiente, capaz de promover políticas sociais mais inclusivas e, principalmente, mobilizar os eleitores democratas que não votaram 2016 para tirar Trump da presidência.
Para engrossar o caldo, as dezenas de milhões de votos pelo correio devem atrasar os resultados e gerar contestações judiciais do processo eleitoral.
Os Estados Unidos ficaram independentes em 1776, mas as bases e o ideário eram muito diferentes dos franceses, que fizeram sua revolução 13 anos depois.
Para o país nascido das mãos de Washington, Franklin, Jefferson, Hamilton e Madison, igualdade e fraternidade são coisa de franceses católicos.
A sociedade americana privilegia a livre iniciativa e o pagador de impostos responsável por financiar o governo e a coisa pública.
Nessa construção, não há igualdade possível entre o cidadão que paga imposto e o que depende da assistência do estado.
Para os primeiros, liberdade e direitos individuais acima de tudo.
Com Deus acima de todos, na profissão de fé em cada nota de dólar.
Poder360
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