Jornalista Andrade Junior

sexta-feira, 3 de julho de 2020

"O monstro Estado e a economia informal",

 por Ubiratan Jorge Iorio

   FOTO ANDRADE JUNIOR
Ao contrário do que parece, os impactos da informalidade nem sempre são prejudiciais e podem mesmo ser benéficos

Jorge está pensando em abrir um pequeno negócio, que ele estima ter potencial para gerar uma renda anual de $100. Mora no subúrbio de uma capital, é um cidadão correto e deseja legalizar a empresa. Contudo, para atender a todas as exigências da versão moderna da Hidra de Lerna — o monstro mitológico de cabeças regeneráveis e automultiplicáveis em que o Estado moderno se transformou —, além das despesas de registro, terá de desembolsar $40 todos os anos em taxas, impostos e outras tungadas do ogro estatal.
De início, surge uma dúvida: será que o governo alocará esse montante mais eficientemente do que Jorge o fará, caso este decida que é mais compensador não registrar a empresa e usar os $40, por exemplo, para abrir uma filial em outro bairro, que lhe renderia mais $100 todos os anos e geraria empregos para dois ou três balconistas? Quem pode garantir que o Estado não vai destinar os $40 que tomará de Jorge para um fundo partidário, remunerar os seguranças de um ex-presidente condenado em três instâncias ou pagar lagostas a ministros? Não será melhor para ele e para os balconistas e suas famílias — e menos desrespeitoso com todos os pagadores de impostos — que o negócio não seja legalizado? Quem, nesse caso, fere a ética, a clandestinidade de Jorge ou a prodigalidade do Estado com o dinheiro dos outros?
Fenômenos econômicos precisam ser sempre analisados segundo dois pontos de vista: o que considera apenas as consequências visíveis, de curto prazo, ou aquilo que se vê; e o que leva em conta não só os efeitos expostos a olho nu, mas também — e principalmente — focaliza o binóculo para descortinar o longo prazo, antecipando aquilo que for possível enxergar e prever. Essa recomendação para cotejar entre o que se vê e o que se deve prever é especialmente importante quando analisamos os mercados informais, ou economia informal. Quando a informalidade é alta, a consequência que se vê é que o governo vai arrecadar menos e isso pode dificultar a criação de programas públicos e retardar o crescimento econômico. Provavelmente é essa a impressão da maioria das pessoas e, seguramente, a dos economistas que sofrem de miopia intervencionista.
Até mesmo o Estado — para escapar dele mesmo! — costuma contratar trabalhadores informais

Mas a boa análise socioeconômica, ao buscar compreender o que se deve prever, sugere que, ao contrário do que parece, os impactos da informalidade nem sempre são prejudiciais e podem mesmo ser benéficos. Em outras palavras, temos de considerar as duas faces do fenômeno da economia paralela.
No fim do primeiro trimestre deste ano havia no Brasil, segundo o IBGE, cerca de 38 milhões de trabalhadores exercendo atividades informais, correspondendo a uma taxa de informalidade de 40,6% do PIB, seguramente uma das maiores do mundo. Isso não é novidade para ninguém, e decorre do abominável custo Brasil, uma selva inextricável e medonha gerada e alimentada pela paixão mórbida pela burocracia das regras, regulamentações, encargos e fardos trabalhistas e pela verdadeira tara patológica para tributar, que políticos e economistas intervencionistas manifestam incessantemente. A informalidade tornou-se mais explícita com o cadastro dos que recorreram ao auxílio emergencial para enfrentar a pandemia, uma revelação que não surpreende, já que até mesmo o Estado — para escapar dele mesmo! — costuma contratar trabalhadores informais. O que talvez seja novidade para alguns é que esse problema não é exclusividade brasileira.
Todas as transações cujo controle escapa ao Estado são tecnicamente incluídas no cesto da informalidade, como, por exemplo, o pagamento ao barbeiro que vai cortar seu cabelo em casa e que não o incluirá na declaração de rendimentos. Boa parte da economia informal é composta da venda de drogas nos morros e ruas, jogos clandestinos, prostituição, contrabando e demais atividades não sujeitas a registros e não declaradas ao Fisco, o que explica por que é difícil avaliar com precisão seu tamanho. É até cômico imaginar um funcionário do IBGE subindo um morro carioca para fazer perguntas a um traficante cercado de comparsas armados, ou parando na porta de um bar para abordar um apontador de jogo do bicho, ou entrando em alguma casa com lâmpadas vermelhas para interromper as atividades profissionais de uma moça pouco virtuosa, ou arguindo um contrabandista sobre suas compras e vendas de produtos chineses…
As menores taxas de informalidade no mundo: Suíça, Estados Unidos e Áustria

Embora as estimativas variem, é possível comparar a extensão da informalidade entre diversas economias. Um estudo abrangente do Fundo Monetário Internacional, de 2018, explorou a economia paralela de 158 países, entre 1991 e 2015. Eis as principais conclusões do relatório: 1) a informalidade está fortemente correlacionada com o desenvolvimento econômico, a carga tributária e a legislação; 2) ela se concentra em atividades econômicas com escalas pequenas, intensivas em mão de obra não qualificada e autofinanciadas; 3) o valor médio da taxa de informalidade nas 158 nações foi de 31,9% do PIB; 4) os países com os três maiores porcentuais foram Geórgia (64,9%), Bolívia (62,3%) e Zimbábue (60,6%); 5) as características variam de acordo com países, regiões, estados e, em alguns casos, municípios; e 6) as três menores taxas observadas foram na Suíça (7,2%), nos Estados Unidos (8,3%) e na Áustria (8,9%). Entretanto, no início de 2020, nos Estados Unidos, a economia informal, devido aos efeitos de longo prazo da contração da economia, foi estimada entre 11% e 12% do PIB, percentual que deve ser hoje maior em razão do isolamento imposto pela pandemia. Infelizmente, não há informações que permitam comparar políticas de diferentes países para diminuir a informalidade e na maioria deles nem mesmo há menção específica a tais políticas.
Obviamente, a lista de atividades consideradas paralelas e, portanto, o tamanho da informalidade, varia de acordo com as leis de cada jurisdição, como no caso do álcool, proibido em alguns e permitido na maioria dos países, ou dos cassinos. É também manifesto que excessos de impostos, tarifas, regulamentações e burocracia, além de estimularem a corrupção, impulsionam a economia informal, como nos casos da importação de computadores e celulares no Brasil e dos cigarros na cidade de Nova York.
Para os liberais, os recursos devem permanecer com seus “justos donos”, aqueles que suaram para produzi-los

Quanto à informalidade em atividades legais, impõem-se duas perguntas: uma é se sempre é recomendável tentar diminuí-la e a outra é sobre a maneira correta de fazê-lo. À primeira, um economista liberal responde que é sempre melhor que os recursos permaneçam com seus “justos donos”, aqueles que suaram para produzi-los, do que nas mãos da Hidra, enquanto os “progressistas” respondem sempre afirmativamente.
Quanto a medidas para diminuir a informalidade, a esquerda insiste no aperto da fiscalização tributária e na criação de programas sociais específicos, dois caminhos líquidos e certos para aumentar a sonegação, estimular a corrupção e piorar a alocação de recursos. Já os liberais sabem que o correto é reduzir burocracia, encargos trabalhistas, regulamentações, tarifas de importação e tributação, que são os óbices concretos que fazem o Jorge pensar dez, vinte vezes antes de legalizar a empresa e contratar funcionários.
Em termos prospectivos, não tenho receio em afirmar que o conjunto de medidas liberalizantes que a equipe econômica de nosso governo começou a tentar implantar em 2019 e que a pandemia interrompeu, caso seja retomado com intensidade, contribuirá bastante para colocar a informalidade nos mesmos níveis observados nos países desenvolvidos e tornar coisa do passado a frase do saudoso Roberto Campos, que afirmava em tom jocoso que os contrabandistas deveriam ser tratados como heróis nacionais, porque disponibilizam produtos muitas vezes melhores e sempre mais baratos para os consumidores.
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Ubiratan Jorge Iorio é doutor em Economia (EPGE/FGV), presidente do Conselho Acadêmico do Instituto Mises Brasil e professor associado (aposentado) da Uerj.

Revista Oeste













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