Jornalista Andrade Junior

quinta-feira, 5 de março de 2020

Fim do processo de ex-presidentes do TJ da Bahia reforça imagem de impunidade. A indecência instalada por Lula, sob os auspícios do STF, segue impávida...

Por Frederico Vasconcelos,

       FOTO ANDRADE JUNIOR
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) julgou extinta, nesta terça-feira (3), a punibilidade dos ex-presidentes do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) Mário Alberto Simões Hirs e Telma Laura Silva Britto.
O órgão reconheceu a prescrição de processo disciplinar administrativo contra os dois desembargadores. Ou seja, caducou  o período em que  os magistrados poderiam ser punidos.
Ambos foram beneficiados com a morosidade da Justiça e com o desencontro de decisões, fatos que reforçam a imagem de impunidade no Judiciário.
Eles foram afastados do cargo, preventivamente, em abril de 2013, em sindicância realizada pela Corregedoria Nacional de Justiça. Na época, o ministro Francisco Falcão era o corregedor nacional.
A correição realizada no Tribunal da Bahia foi motivada pelo descumprimento de determinações feitas nas gestões dos corregedores nacionais anteriores Gilson Dipp e Eliana Calmon.
Em  novembro de 2013, o colegiado do CNJ manteve o afastamento de Mário e Telma. Em decisão unânime (15 votos a zero), abriu processo disciplinar.
Eles eram alvo, entre outras, das seguintes acusações:
– Suspeita de inflar em R$ 448 milhões os valores de precatórios (dívidas do poder público reconhecidas pela Justiça);
–   Designação de magistrado aposentado para atuar, de forma gratuita, por quase um ano, no Núcleo de Precatórios do Tribunal da Bahia, contrariando a Lei Orgânica da Magistratura;
– Discrepância entre os cálculos atualizados pelo Setor de Precatórios do TJ-BA e os cálculos realizados pela equipe de correição, que apresentavam substancial excesso em favor dos beneficiários;
– Suspeita de gestão temerária, falta de controle sobre a obrigatoriedade de entrega, pelos juízes, de declarações de bens e valores (imposto de renda).
Liminar durante o recesso
Em 14 de novembro de 2013, os dois desembargadores impetraram mandado de segurança perante o Supremo Tribunal Federal (STF), com pedido de liminar para suspender a decisão do CNJ que os afastou de suas respectivas funções, e interromper o trâmite do processo disciplinar.
O relator da ação, ministro Roberto Barroso, indeferiu o pedido. Barroso considerou que eles também eram investigados em outros processos no CNJ e poderiam dificultar a coleta de provas.
Em julho de 2014, durante o recesso do Judiciário, o ministro Ricardo Lewandowski, presidente do STF em exercício, concedeu liminar determinando o retorno de Mário e Telma ao tribunal da Bahia.
O mandado de segurança de Telma Britto foi protocolado no dia 1º de julho, último dia do expediente forense; o de Mário Hirs foi autuado em 16 de julho.
Os magistrados alegaram que a demora no processo disciplinar representava uma punição antecipada. Na ocasião, a ex-corregedora nacional Eliana Calmon afirmou: “Não posso condenar essa decisão do ministro Lewandowski, pois não se pode deixar alguém afastado do cargo por tanto tempo sem julgamento”.
Mário e Telma foram recebidos no tribunal por magistrados e servidores com festa e foguetório, na presença de autoridades baianas.
Posteriormente, entre as testemunhas arroladas por Mário Hirs estavam o ex-governador da Bahia, Jaques Wagner, e o prefeito de Salvador, Antônio Carlos Magalhães Neto.
O ex-corregedor nacional de Justiça, ministro Gilson Dipp, considerou a recepção aos desembargadores “um acinte ao Poder Judiciário”.
Lewandowski encerrou a gestão como presidente do CNJ sem retomar o julgamento dos processos dos magistrados baianos.
Noronha não viu má-fé
Em fevereiro de 2017, o então corregedor nacional, ministro João Otávio de Noronha, interrompeu o julgamento e pediu vista do processo, depois do voto do relator, conselheiro Arnaldo Hossepian, que considerou parcialmente procedente o processo administrativo disciplinar.
Hossepian votou pela aplicação da pena de disponibilidade aos dois magistrados, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço. Segundo Hossepian, Mário e Telma “não exerceram a correta fiscalização sobre seus subordinados, consentindo que os cálculos fossem realizados em desacordo com a legislação”, apesar dos vários alertas.
O relator considerou que “a gestão temerária alcançou precatórios com valores vultosos”.
“Em razão da gravidade das condutas, que ocasionaram o efetivo prejuízo ao erário, revela-se inapropriada a aplicação de outra pena que não a de disponibilidade com vencimentos proporcionais”, decidiu Hossepian.
Em novembro de 2017, o CNJ absolveu Mário Alberto Hirs e Telma Laura Silva Britto. A maioria seguiu o voto divergente de Noronha.
Noronha disse que, “após detida análise dos autos”, não encontrou provas “de que os magistrados agiram de má-fé ou desvio voluntário de conduta, em proveito próprio ou de terceiros”.
“A gestão de precatórios não é tarefa fácil para nenhum magistrado”, afirmou.
O corregedor defendeu ainda que seria preciso que a intenção dos magistrados revelasse conluio, má-fé ou prevaricação, para que a pena de disponibilidade compulsória fosse proporcional aos fatos ocorridos.
A então presidente do CNJ, ministra Cármen Lúcia, também entendeu que, “dada a complexidade do caso, essa falta não foi tão grave para as penas impostas pelo relator. A pena razoável seria a de censura, no entanto, ela não é aplicável a desembargadores (apenas a juízes de primeira instância).
Interrogatórios em duplicidade
Nesta terça-feira, o atual relator, conselheiro Marcos Vinicius Rodrigues, votou pelo reconhecimento da prescrição.
Rodrigues lembrou fatos que contribuíram para a demora na tramitação do processo no CNJ. Três sindicâncias deram origem, em 2013, a três processos administrativos disciplinares. Em 2014, foi determinada a unificação desses três procedimentos em um só, com a suspensão dos outros dois.
Com isso, toda a instrução (obtenção de provas) foi feita com base apenas no primeiro procedimento.
“Foi refeita toda a instrução dos outros dois procedimentos”, disse, com interrogatórios feitos em duplicidade. Houve nova abertura de prazo para as partes.
Reproduzindo o entendimento de Noronha, Rodrigues disse que “não há comprovação de que os acusados tenham agido de má-fé”, admitindo que houve “falta de técnica gerencial”.
Defesa atribui prescrição ao MPF
O advogado Alberto Pavie Ribeiro, que representa o ex-presidente do TJ-BA, atribui a prescrição à conduta do Ministério Público Federal (MPF).
“No ano passado, quando o relator liberou o processo para a pauta, antes de ocorrer a prescrição, a Dra. Raquel [a então PGR Raquel Dodge] pediu a retirada da pauta virtual para a presencial”, diz.
“Isso inviabilizou o julgamento a tempo de não incidir a prescrição”, afirma.
“Quem deu causa, portanto, à incidência da prescrição foi a PGR ao pedir a retirada da pauta de julgamento, impedindo que esse CNJ julgasse o mérito do PAD”.
Ribeiro não acha que a unificação dos procedimentos tenha contribuído para a prescrição. “Entendo que não, porque chegou a ser concluída a instrução e liberado para julgamento em tempo hábil para o julgamento”.
Críticas sobre o caso
A seguir, algumas avaliações feitas durante a tramitação do processo administrativo:
– “O setor de precatórios está sem controle, sobretudo em relação aos cálculos de atualização das dívidas e verificação dos requisitos legais para a formação dos autos dos precatórios, expondo o ente público a pagamentos indevidos de grande monta”. [Francisco Falcão, então corregedor nacional de Justiça, ao pedir o afastamento dos dois magistrados, em 2013].
– “As imputações em questão revelam um quadro de possível apropriação sistemática das funções públicas para a promoção indevida de interesses particulares, em detrimento do Erário e, em última instância, de toda a sociedade. A gravidade dos elementos já disponíveis é inequívoca”. [Roberto Barroso, relator de mandado de segurança no STF]
– “Os cálculos foram refeitos em menos de 24 horas, com valores ‘que causam espécie’”. [Ana Maria Brito, então conselheira do CNJ, ao citar despacho de Hirs, que indeferiu a impugnação de um precatório, determinou a retirada de documentos do processo e mandou renumerar as páginas].
– “Segundo a sindicância, os cálculos dos precatórios, refeitos em poucas horas, não se baseavam em decisões judiciais. As multas e juros seguiam pareceres de peritos particulares. O setor de precatórios estava sob a responsabilidade de um desembargador aposentado, conhecido no tribunal pelo apelido de “0800” (alusão a serviços prestados sem pagamento)”. [Francisco Falcão, ao comentar a correição no TJ-BA]
– O então presidente do CNJ, ministro Joaquim Barbosa, disse que Hirs foi alertado previamente e não tomou nenhuma medida para impedir “interferências externas” no pagamento de precatórios inflados.
– A então conselheira Luiza Frischeisen votou pelo afastamento dos dois magistrados, para garantir a preservação de provas e evitar que a presença desses desembargadores no tribunal atemorize servidores em futuros depoimentos.
– “Presidir tribunal não é apenas cargo honorífico. A ineficiência que abre espaço para desvios e fraudes também deve ser responsabilizada”. [Rubens Curado, então conselheiro, ao comentar o afastamento dos desembargadores]
– “Depois da interferência do CNJ [no Tribunal de Justiça da Bahia], os corruptos estão assustados e aqueles inocentes estão querendo trabalhar para mostrar que a Bahia tem um tribunal que se respeite”. [Eliana Calmon, em entrevista ao “Bahia Notícias“]
– “A gestão temerária dos requeridos alcançou precatórios com valores vultosos, bem ainda em razão da gravidade das condutas, que ocasionaram o efetivo prejuízo ao erário, revela-se inapropriada a aplicação de outra pena que não a de disponibilidade com vencimentos proporcionais”. [Arnaldo Hossepian, relator, em voto vencido, acompanhado pelos conselheiros Maria Teresa Uillie, Daldice Santana e Rogério Nascimento].
“O modo como os precatórios foram tratados não é de longe o ideal. É nossa responsabilidade de zelar a expedição de precatórios. E é exatamente por conta dessa responsabilidade que o dever de cuidado exigido é especial e fica a cargo de desembargadores. Conduzir de forma omissa ou negligente não é falta desprezível”. [Rogério Nascimento]












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