por Vilma Gryzinski
“Parar quase por completo uma economia já debilitada pode ser demolidor”.
Atenção, a frase não é de nenhum órgão conservador, típico de um mundo em pandemia onde ser de direita passou a equivaler a preferir segurar o desastre econômico, enquanto na esquerda se alinham os que só querem tratar do desastre sanitário.
Como as coisas são mais complicadas, quem levantou o argumento foi o jornal El País, alinhado com a esquerda tradicional, representada pelo partido PSOE, hoje no poder.
Na Espanha, as pressões pela paralisação vinham de partidos de centro-direita e de uma ala do próprio governo.
Debilitado por decisões consideradas erradas – quem não errou? – e hesitantes, o primeiro-ministro Pedro Sánchez seguiu um caminho previsível, que tinha tentado evitar de todas as maneiras: paralisar completamente o país, da mesma forma que aconteceu no norte da Itália.
Fecha tudo até 9 de abril, com as exceções já conhecidas das atividades que conservam o essencial: comida, combustível, energia, comunicações, remédios e as respectivas linhas de abastecimento.
Os 832 mortos em um único dia na Espanha, aproximando-se do trágico recorde da Itália, não deixaram opções.
A Espanha está se aproximando do pico da curva, o momento mais fatídico, em algumas regiões até já saindo dele, segundo o coordenador de emergências Fernando Simón.
Mas como enfrentar quase mil mortos por dia?
Já deu para perceber que vários governos vão tomando medidas crescentemente restritivas, sabendo que sóum método gradual e as pancadas cada vez maiores no número de vítimas convencem a opinião pública a acatar o confinamento.
Ele próprio confinado com resultado positivo, o primeiro-ministro Boris Johnson também subiu um degrau no aperto. “As coisas vão piorar antes de começar a melhorar”, escreveu em politiquês numa carta a ser enviada a 30 milhões de domicílios.
“Fiquem em casa”, apelou.
“Quando sair, garanta, sendo possível, uma distância de dois metros de toda pessoa que não viva sob o mesmo teto.”
Ah, sim, as multas vão começar a ser aplicadas.
E as restrições certamente vão aumentar.
Por quanto tempo?
Nem os cientistas estão de acordo. Como vírus é novo, já se sabe muito como ele age, quem ele ataca, quais os males que provoca, mas menos sobre o modo que reflui – e depois retorna.
Um dos cálculos mais recentes veio de Neil Fergunson, professor do Centro para Análise de Doenças Infecciosas Globais do Imperial College: três meses para achatar o pico e distanciamento social pelo menos até outubro.
Fergunson, que está em isolamento com coronavírus, não é uma unanimidade. Primeiro, anunciou projeções de 510 mil mortes no Reino Unido.
Suas projeções para países com população maiores, como Estados Unidos e Brasil, foram mais catastróficas ainda: mais de 1 milhão de mortos em cada um.
Isso, claro, com modelos prevendo que nada fosse feito para administrar a pandemia.
O prognóstico para os britânicos foi reduzido para 25 mil, causando estranheza pela distância entre as previsões.
Também foi revisitada sua atuação durante a epidemia de febre aftosa de bovinos e suínos, em 2001.
A conselho de Fergunson, o país abateu seis milhões de animais, revoltando produtores e o público em geral pelas dimensões, os custos econômicos e o impacto na produção.
Outra doença animal, a estranha encefalopatia bovina espongiforme, ou doença da vaca louca, propiciou um prognóstico mais alarmista ainda.
Até 150 mil pessoas poderiam morrer, disse Fergunson, e a “vaca louca” saltaria para a cadeia ovinos-humanos. Na realidade, houve menos de 200 vítimas e nenhum caso de transmissão por ovelhas.
Uma crise global como a da pandemia do novo corona provoca obviamente uma corrida sem precedentes em busca de respostas.
Nem cientistas nem políticos podem sacar soluções mágicas como saídas imediatas. Criticar, contestar, levantar argumentos diferentes, checar o histórico dos especialistas de quem tanto dependemos atualmente não é crime.
Ao contrário, é necessário.
Pensar em três bilhões de pessoas trancadas em casa por mais três meses parece impossível. Mas tudo que começou a acontecer nos países ocidentais há menos de um mês também parecia.
Sobre o que ainda vai acontecer, em outras esferas, uma pequena amostra vem dos protestos de sexta-feira na China.
Com o levantamento do isolamento na província de Hubei, milhares de trabalhadores tentaram passar para o província vizinha.
Encontraram carros de polícia impedindo o acesso. A fúria explodiu e os carros foram inutilizados.
Isso na China, onde um regime autoritário acaba com qualquer ensaio de protesto e os números pareciam tão auspiciosos, depois de controlar a epidemia na casa dos 3 300 mortos – hoje um dado que empalidece diante da Itália, já com o triplo disso, e a Espanha, com mais de 6 500.
Imaginem em países mais pobres, com menores recursos de saúde pública e mais tradição de explosões sociais.
A Índia, por exemplo. E mais uma longa lista.
Veja
extraidaderota2014blogspot
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