José J. de Espíndola
Para começar, duas citações sobre “coerência”:
a) “Rosa [Weber] foi exemplo de coerência no supremo tribunal dos inconstantes.” Vinicius Mota em artigo na Folha de São Paulo do dia 28/10/2019
b) “A coerência é a virtude dos imbecis.” Oscar Wilde (1854 -1900)
Vinicius Mota, da primeira citação acima, é Secretário de Redação da Folha de São Paulo e foi editor de Opinião daquele jornal.
Retirei aquela citação de Mota de seu artigo publicado na Folha de São Paulo, em 28/10, sob o título “O julgamento que nunca termina”, uma apologia, quase uma ode à “coerência” da ministra Rosa Weber, por ela ter reiterado sua posição em favor da prisão só após o “trânsito em julgado”, isto é, só após percorrido, pelo réu, um labirinto de recursos especiais e extraordinários, apelações, embargos, agravos regimentais, agravos de instrumentos, nas quatro instâncias judiciais brasileiras. (Entre parêntesis: em nenhum país do mundo existem quatro instâncias judiciais; isto é mais uma jabuticaba brasileira) Enfim, chicanas mil configurando um quase ilimitado arsenal protelatório que a ridícula legislação brasileira oferece ao réu abastado – tem que ser abastado para cobrir tantos recursos judiciais, pagando advogados criminalistas a peso de ouro - para tornar praticamente inalcançável o cumprimento da sentença. Não raro, este sistema protelatório chega a garantir a prescrição do crime, objetivo último e principal do sistema em si.
Quando não prescreve, sentença condenatória leva, como a experiência pregressa mostra, não menos dez anos para ser cumprida. Este sistema configura o Estado de Impunidade. No caso de abastados ladrões do povo, como os atingidos pela operação Lava Jato, este sistema será mais adequadamente denominado Estado Cleptocrático de Direito, como já o denominei em artigo publicado no Jornal da Cidade Online /1/.
É de “Direito” este “Estado” porque trata-se de um arcabouço jurídico que está sendo criado pelo STF para tornar praticamente impunes os mais execráveis bandidos do país, aqueles que se locupletam com o dinheiro suado dos trabalhadores contribuintes.
O “Cleptocrático” do título, por óbvio, se refere a “cleptocracia”, palavra de origem grega que significa, literalmente, “governo de ladrões”. Governo de ladrões protegidos e garantidos por um Estado Cleptocrático, em criação por Toffoli e associados, aquele grupo que J. R. Guzzo chamou de “Facção-Pró-Crime” do STF /2/.
A coerência não é e nunca foi, necessariamente, sinônimo de qualidade intelectual, ou de qualidade moral. Pelo contrário, a flexibilidade para a mudança de opinião é característica dos grandes talentos e melhores caráteres.
Já empacar feito burro, e por tanto tempo, numa opinião reconhecida e comprovadamente nefasta para a distribuição da Justiça, como esta a que se fixa a ministra Rosa Weber merece, sim, a sentença de Oscar Wilde:
“A coerência é a virtude dos imbecis.”
Mas o brilhante irlandês Oscar Wilde não está sozinho nesta sentença. Outros ilustres já se manifestaram em igual teor:
Aldous Huxley (1894 -1963):
“O homem que pretende ser sempre coerente no seu pensamento e nas suas decisões morais ou é uma múmia ambulante ou, se não conseguiu sufocar toda a sua vitalidade, um mono maníaco fanático.”
Fernando Pessoa (1988 – 1935):
“A coerência, a convicção, a certeza são demonstrações evidentes - quantas vezes escusadas - de falta de educação. É uma falta de cortesia com os outros ser sempre o mesmo à vista deles; é maçá-los, apoquentá-los com a nossa falta de variedade.”
Vamos então a um exemplo magnífico de benfazeja incoerência.
Albert Einstein, o gênio da física que revolucionou o pensamento científico no século XX e nos possibilitou tantos desenvolvimentos tecnológicos notáveis para a vida moderna (Cosmologia, GPS, Agricultura de Precisão, Energia Nuclear, Medicina Nuclear, etc.), não aceitava um universo dinâmico em evolução expansiva, porque isto implicava em um início para o mesmo e, necessariamente, em um ato de criação. (Isto era o que Einstein pensava, hoje a Mecânica Quântica dispensa este ato de criação). Manteve-se pensando assim até que ... Até que, em 1929, o astrônomo (talvez o mais notável astrônomo de todos os tempos) Edwin Hubble demonstrou, por observação e cálculo, que - não importa de que ponto do universo você observe – as estrelas se afastam de você em alta velocidade. Mais ainda, quanto mais distante uma estrela esteja de você, mais rapidamente ela se afasta de você.
O que fez Einstein ante tal evidência empírica? Visitou Hubble e declarou para o mundo ouvir: “foi o maior erro que cometi na minha vida”. Vinícius Mota certamente não conhece esta história. Se conhecesse certamente desprezaria a “incoerência” de Einstein e o consideraria – talvez – um caráter fraco e intelectualmente inferior ao de Rosa Weber.
Na ciência não se espera esta coerência suprema de rosa Weber que Oscar Wilde considera, apropriadamente, a “virtude dos imbecis”.
Não vou cansar o leitor citando mais exemplos de magníficas “incoerências” de pessoas geniais e de elevada moral, que tanto bem fizeram à humanidade em todos os ramos da atividade. Os exemplos, nas ciências (todas as ciências) abundam.
Afirmo que a incoerência é essencial ao desenvolvimento da humanidade, em todos os setores, inclusive o do Direito. Sem incoerência, pode-se afirmar, não haverá evolução científica e cultural da sociedade e nem do Direito.
O contrário da incoerência – que induz a dinâmica científica, social e política - é a imobilidade, a paralisia, a estagnação.
Abram-se as janelas e vejam a evolução dos costumes da sociedade ocidental, nos últimos quinhentos anos, por exemplo. Agora observem o seu contra-exemplo, as sociedades dos países mulçumanos radicais que ainda adotam a Sharia, lei penal islâmica, como escrita por Maomé (571 d.C. – 632 d. C.) sem alteração, porque ditada por Deus (Alá) e, consequentemente, válida para toda a eternidade.
Mas o Islamismo não é apenas uma lei penal, nem um conjunto de preceitos religiosos; é um modelo rígido de vida, ditado por Alá a Maomé e válido para todo o sempre. É por isso que os países que adotam o islamismo em sua forma original são tão atrasados científica, social e politicamente. Por isso aquela doutrina é capaz de criar uma aberração religiosa, política e cultural como o ISIS (‘Islamic State of Iraq and Syria’), que tanto horror produziu nas pessoas civilizadas, até que foi, finalmente, destruído.
Naqueles países islâmicos radicais não há lugar para a incoerência, ou seja, para a evolução científica e cultural. A regra, naqueles países fundamentalistas, é estagnação dos costumes, inclusive do Direito. Por isso vivem aqueles povos numa espécie de Idade Média em pleno século XXI. Sem querer ser maldoso, sou obrigado a pensar que a ministra Rosa Weber se sentiria feliz em viver em tal sociedade marcada por uma radical coerência.
Para as pessoas “não supremas”, quer dizer, não pertencentes ao ‘Infernales Praetorum’ de Brasília, portanto capazes de entender o óbvio, cito o emblemático caso de Pimenta Neves, que ilustra bem o ponto e a analogia do Gato de Schröedinger, levantados em matéria previamente publicada /3/. Ilustra também o objetivo real que os nossos “supremos” perseguem, sem que tenham a coragem cívica de assim confessarem perante a Nação.
Marcos Pimenta Neves, ex-diretor de Redação do jornal o Estado de São Paulo, em 20 de agosto de 2000 mata Sandra Gomides, no haras do pai da jornalista.
Embora assassino CONFESSO (confessou o crime quatro dias após o assassinato) ficou solto por ONZE anos, tempo em fora considerado, tecnicamente INOCENTE (embora assassino confesso, repito!) pela nossa Justiça Tabajara, até o transito em julgado da sentença original que o considerava culpado.
Repito: embora se dizendo autor do assassinato desde o início (portanto declarando-se culpado), a Justiça Tabajara deste País psicodélico o julgara INOCENTE por 11 anos, quando finalmente foi declarado o trânsito em julgado.
Por onze longos anos Pimenta Neves permaneceu CULPADO (como se confessou) e INOCENTE ao mesmo tempo, como nossa Justiça Tabajara impunha.
A analogia com o Gato de Schröedinger, que permaneceu morto e vivo ao mesmo tempo, até que a caixa em que se encontrava fosse aberta, é patente.
A caixa que guardava o Gato de Schröedinger é o preciso análogo do processo crime de Pimenta Veiga. A abertura da caixa é o perfeito análogo ao “trânsito em julgado”, tão caro aos nossos coerentíssimos supremos-ínfimos, aqui incluída a ministra Rosa Weber.
Este é também o exemplo mais eloquente de escrachada desmoralização da “tese” da prisão só após o “trânsito em julgado”, dominante naquelas cabeças “supremas”.
REFERÊNCIAS:
extraídaderota2014blogspot
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