Jornalista Andrade Junior

sábado, 15 de julho de 2023

'A irresponsabilidade do sr. Barroso',

 editorial do Estadão

Coerente com a cultura que transforma os juízes do STF em celebridades, o ministro fala demais em evento da UNE e põe em dúvida sua imparcialidade, o que só interessa aos liberticidas


O sr. Luís Roberto Barroso, na condição de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), deveria ter declinado do convite para comparecer a um congresso da União Nacional dos  Estudantes  (UNE), realizado  no dia 12 passado, e por razões óbvias: tratava-se de evento eminentemente político, do tipo que deve ser evitado a todo custo por juízes – aqueles que têm de ser vistos pela sociedade como imparciais. Já que cometeu a imprudência de aceitar, o sr. Barroso deveria ter ficado calado, pois qualquer manifestação sua ali poderia ser tomada como simpatia ou antipatia por este ou aquele político – e, recorde-se, políticos são julgados por ministros do Supremo. 

Como foi ainda mais imprudente e resolveu discursar, o sr. Barroso deveria medir cautelosamente as palavras – mas, como o País soube, estupefacto, o sr. Barroso cometeu a irresponsabilidade de jactar-se de ter “derrotado o bolsonarismo”.

Ante o choque que seu comportamento causou, o sr. Barroso, em lugar de reconhecer o erro, de resto evidente para todos, tentou dizer que foi mal compreendido – ou seja, além de ignorar as interdições éticas impostas a quem exerce a magistratura, o sr. Barroso tentou responsabilizar a audiência pela confusão.

Ainda há tempo para que o sr. Barroso se retrate para valer, considerando-se, em primeiro lugar, que será sob sua presidência que o Supremo julgará alguns dos processos que pesam contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, líder do tal  “bolsonarismo” que o ministro diz ter ajudado a derrotar. Nesse sentido, foi exemplar a cobrança do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco:

“Se não houver um esclarecimento em relação a isso, mesmo uma retratação quanto a isso, até para se explicar a natureza do que foi dito, evidentemente que isso pode ser interpretado  como uma causa de impedimento ou suspeição”.

O mais lamentável dessa história toda é que o mau comportamento do sr. Barroso não foi um fato isolado. Ao contrário: há muito parece ter se instaurado no STF uma cultura na qual se considera aceitável que ministros do Supremo atuem como celebridades nacionais, aptas e disponíveis para comentar as mais diversas facetas da vida do País.

Ignora-se uma das regras mais básicas da magistratura: o juiz fala apenas nos autos. Tão frequente é a violação desse dever, que o silêncio, que deveria ser o comportamento habitual de todos os ministros, se tornou algo extraordinário. A atitude discreta da presidente do STF, ministra Rosa Weber, tem sido uma absoluta exceção hoje em dia.

Conforme a Lei Orgânica da Magistratura, juízes só podem se manifestar fora dos autos se a manifestação se der no exercício do magistério. Ou seja, mesmo que o sr. Barroso não tivesse dito o que disse sobre o bolsonarismo, já seria escandalosa sua simples participação num congresso da UNE, que não tinha rigorosamente nenhum caráter acadêmico. 

Infelizmente, vige no STF outra compreensão sobre o comportamento público que um integrante da Corte deve ter. Parece que alguns ministros pensam que tudo o que falam seja verdadeira “aula” à sociedade: todas as suas manifestações seriam “exercício do magistério”.

Ao não reconhecer claramente seu erro, o sr. Barroso reiterou o modus operandi vigente no STF: o de que um ministro da Corte pode se manifestar sobre assuntos políticos, devendo apenas ter cuidado com as palavras.Todo esse deplorável episódio, cujos efeitos ainda serão sentidos por muito tempo, explicita o acerto da proibição da Lei Orgânica da Magistratura. 

Sejam quais forem a intenção e o contexto, toda vez que o juiz fala fora dos autos causa danos ao Judiciário e, em última instância, ao Estado Democrático de Direito. Não surpreende, portanto, que os liberticidas de sempre, interessados em desestabilizar o País, logo tenham aproveitado a chance para exigir o impeachment do ministro.

O caso do sr. Barroso tem de ser ocasião de uma profunda mudança de cultura no STF. É preciso respeitar as limitações próprias da magistratura. Juiz não é celebridade. Caso contrário, entre outros danos, a autoridade do Supremo estará comprometida para julgar aqueles que tanto mal causaram ao País.


Estadão





















publicadaemhttp://rota2014.blogspot.com/2023/07/a-irresponsabilidade-do-sr-barroso.html

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