Jornalista Andrade Junior

sábado, 12 de outubro de 2024

'O inimigo é o eleitor'

 J.R. Guzzo: 


A direita é hoje a força política e popular que mais cresce no Brasil e, enquanto o consórcio Moraes-Lula-STF não conseguir acabar com ela, jamais estará seguro numa eleição


S e o filósofo Lucius Seneca fosse vivo hoje, e se fosse conselheiro do ministro Alexandre de Moraes e da sua junta de governo, é possível que desse a eles o célebre conselho que deu ao imperador Nero — que vivia com a ideia fixa de eliminar todos os que desconfiava de quererem sentar um dia no trono de Roma. “Você pode matar quantas pessoas quiser, menos uma: a que vai ficar com o seu lugar.” Não deu certo para ele, Seneca, que teve de se suicidar para cumprir as ordens judiciais que recebeu do chefe, nem para Nero, que foi assassinado pouco depois pela sua própria guarda. Mas o fato é que não adiantou nada, para o imperador, sua neurose permanente em dar sumiço nos rivais. Não conseguiu, justamente, sumir com o mais perigoso de todos — o que acabou sendo o seu sucessor. 


O Brasil de Moraes, que hoje reúne o governo Lula inteiro, as classes que não trabalham e a maior parte da mídia, se esforça há seis anos para exterminar Jair Bolsonaro. Nestas últimas eleições, apostou tudo o que tinha e o que não tinha para cortar a cabeça de um Pablo Marçal que ninguém sabia quem era até seis meses atrás — e que foi visto por eles todos como a maior ameaça que o Brasil enfrentou desde a invasão holandesa. Mas, como no caso do imperador, destruir um a um os rivais não está resolvendo o problema. Bolsonaro foi proibDaí que não adianta suprimir, ou tentar suprimir, Bolsonaro, Marçal e quem mais aparecer, porque o inimigo real do Brasil alexandro-lulista não foi e não vai ser eliminado — é a direita brasileira. Ela apareceu como força de verdade em 2018, em resposta à lógica, à emergência de uma nova classe trabalhadora e às demandas reais da sociedade. Nada pode deixar esse fato mais claro do que a eleição municipal do início de outubro. Contados os votos do primeiro turno, tudo o que é contra a junta de governo, ou quase, cresceu. Tudo o que é a favor dela, ou quase, perdeu — e pode perder ainda mais no segundo turno, no que seria a pior derrota jamais sofrida por Lula, o PT e o STF. (Leia a reportagem de capa desta edição, de Silvio Navarro.) 


No começo da campanha eleitoral, o presidente da República, em mais um dos seus programas de auditório onde só se permite a entrada de militantes do PT, proclamou num discurso irado: “Essa eleição é entre eu e o Bolsonaro”. Se foi, ele levou uma surra. Das 5,5 mil cidades do Brasil, só foi a 22 — e os seus candidatos perderam em 16. Seu partido corre o risco de ficar sem nenhuma das 27 capitais brasileiras. O PT não teve nem sequer um candidato próprio nas duas maiores cidades do país, São Paulo e Rio de Janeiro. 


Na linguagem da mídia, “preferiu não disputar” — como se o Corinthians “preferisse não disputar” o próximo jogo com o Palmeiras, por exemplo, e esperasse se dar bemido de disputar eleições. Marçal, que só não foi para o segundo turno em São Paulo por um punhado de votos, terá de ser declarado inelegível para não ameaçar a democracia, como dizem, ganhando alguma próxima eleição. E daí?


Em São Paulo, particularmente, foi um desastre. Na capital brasileira do trabalho e dos trabalhadores, a junta foi submetida à humilhação inédita de festejar, como uma vitória de copa do mundo, a conquista do segundo lugar — e só raspando. Mas acertar o placê, em eleição, não paga a aposta de ninguém. Ou é a ponta, ou não é nada. Pior: a festa no Palácio do Planalto, no TSE de Alexandre de Moraes (ele não está mais lá, mas dá ordens como se estivesse) e nas redações não foi pela conquista do vice-campeonato, mas pela derrota de Marçal. Se essa é a grande ambição da esquerda nacional hoje em dia — salvar-se, por um triz, de um estreante em eleições —, é óbvio que estão navegando em nevoeiro fechado, e com a proa na direção errada. 


É uma realidade que está escondida pelos comunicadores, grandes cérebros da pesquisa eleitoral e cientistas da política — e continuará sendo negada. Querem que você acredite, por exemplo, que Bolsonaro fracassou porque ficou com dois dos três candidatos mais votados em São Paulo, em vez de um só — ou seja, “a direita ficou dividida”. O “grande vitorioso” é o candidato da esquerda unida, que caminha para  ser demolido no segundo turno. 


O PL do ex-presidente ganhou até agora três vezes mais prefeituras que o PT, mas não passou disso — o que quer dizer, segundo a mídia, que Bolsonaro não tem maior influência como gerador de votos. Lula é o pior derrotado da eleição, mas as eleições mostram, segundo a sabedoria dos analistas, que ele “se preservou” por ter fugido da raia. Ganhou o quê, então? Isso é segredo de Estado.


Todos podem continuar falando o que quiserem, é claro, mas o fato é que o problema da sucessão não está resolvido. Na verdade, está cada vez menos resolvido. Tiraram Bolsonaro? Talvez nem tenham realmente tirado, mas já apareceu um Marçal, que logo de cara teve os mesmos 1,7 milhão de votos que a Grande Esperança Branca da esquerda nacional. Vão tirar Marçal, mas vai aparecer um outro, depois outro, e assim por diante — e terão de ir matando todos, um por um, menos aquele que um dia vai de fato ganhar. O consórcio MoraesLula-STF vê um inimigo atrás de cada poste de luz, mas não vê o que deveria estar vendo: a direita é hoje a força política e popular que mais cresce no Brasil, e enquanto não conseguirem acabar com ela jamais estarão seguros numa eleição.


Em São Paulo, entre o candidato apoiado por Bolsonaro e Marçal, a direita teve praticamente dois terços dos votos — a menos que se considere que um deles é de esquerda. No resto do Brasil é mais ou menos a mesma coisa. Mesmo no curral eleitoral mais garantido para Lula, o Nordeste, a direita teve um avanço inédito. Também não adiantaram grande coisa, por todo o país, o habitual tesouro do “horário eleitoral”, os bilhões do fundo partidário, a polícia do TSE e a torcida desesperada da mídia contra a direita. Se tivessem adiantado, por que o resultado da eleição foi esse? Marçal, o Grande Satã,  provocou um terremoto sem um minuto de televisão, sem um centavo de dinheiro público e sem uma palavra de apoio na imprensa. 


A jornalista Cristina Graeml, odiada por seus colegas como extremista da “direita digital”, passou a campanha sem ser citada nas pesquisas, não foi admitida em nenhum debate e sofreu a repressão plena da Justiça Eleitoral. Vai disputar a prefeitura de Curitiba no segundo turno. No antigo “Cinturão Vermelho” de São Paulo, o presépio em que Lula nasceu para a política, o PT luta para manter, no segundo turno, as duas únicas prefeituras que ainda conserva. O partido da junta STFLula corre o risco de ficar com menos de 10% das prefeituras das cem maiores cidades do Brasil. A expulsão do X do Brasil até a data da eleição, apesar do cumprimento de todas as exigências de Moraes, era considerada uma obra-prima da genialidade estratégica do ministro — neutralizou, segundo os analistas, o terreno “tóxico” sem o qual a direita não sobreviveria. Foi apenas mais uma bobagem, de Moraes e dos analistas. 


As eleições municipais foram uma foto em flagrante do contrassenso sem limites que envenena a política de hoje no Brasil. O presidente Lula não ocupa o cargo máximo da República porque ganhou as últimas eleições, e sim porque foi colocado lá pelo STF, com a “descondenação” por seus crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Se tivesse voto, por que não consegue botar o pé nas ruas do seu próprio país — e leva uma sova eleitoral logo na primeira oportunidade que o povo tem para se manifestar pelo voto? Já a direita, que Moraes, o STF e Lula acusam de querer “o golpe”, vai para as urnas e ganha. Não faz nexo. Ou melhor, faz todo o nexo do mundo. Prova, por A + B, que o Brasil está sendo governado por uma mentira. 


“Nós derrotamos o bolsonarismo”, proclamou o ministro Luís Roberto Barroso em seu pior momento como presidente do Supremo. É mesmo? Então por que continuam, todos eles e mais a maioria da mídia, tão obcecados com Bolsonaro, Marçal e a direita — analógica ou “digital”, como a de Cristina? Por que, acima de tudo, as eleições tiveram esses resultados no primeiro turno, se o “bolsonarismo” foi derrotado? O Brasil tem um sistema eleitoral em que a decisão não é de quem vota, mas de um sistema eletrônico que o povo não entende, não controla e não pode fiscalizar. Mesmo assim, nesse sistema em que aquilo que realmente vale é quem conta os votos, eles não conseguem ganhar — deu para se safar com Lula na última eleição, mas só com ele e só naquela ocasião. 


O consórcio, agora, terá de decidir o que faz da vida. Como a maioria do eleitorado é de direita, e como não é materialmente possível eliminar todo o eleitorado, a única saída é eliminar as eleições. O mapa da mina está na Venezuela, na gaveta do grande parceiro de Lula na comunidade internacional: no dia da eleição todo mundo tem de votar, mas o STF de Nicolás Maduro é o único que tem o direito de dizer quem ganhou. Decisão judicial não se discute, se cumpre — certo?


Se vão ou não vão conseguir o que querem são outros 500, mas fora disso aí não parece haver muita saída para eles. O consórcio da esquerda tenta fazer uma lavagem cerebral ameaçando o eleitor com os horrores do “fascismo”, do “bolsonarismo” e do “golpismo”. Mas o seu problema real é o eleitor brasileiro. Ele está, cada vez mais, na direita que apareceu neste país na eleição presidencial de 2018, não parou mais de crescer e, sobretudo, deixou de se incomodar com a acusação principal que lhe fazem — a de ser de direita, justamente. Lula e o STF-TSE, mais os seus sistemas de propaganda, dizem que o “inimigo” é o “extremismo”. O que não enxergam é que a massa deixou de se interessar por eles. Está começando a olhar para outras lideranças — e elas estão do lado oposto da rua.  




J.R. Guzzo, Revista Oeste









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