Jornalista Andrade Junior

sexta-feira, 21 de abril de 2023

Síndrome de A. de M.

 Percival Puggina


    Nunca tive qualquer simpatia pela Constituição de 1988. Sempre a considerei uma parolagem esquerdista, redigida com os olhos no passado e os dois pés no futuro. E o futuro, sabe-se, é inédito e incógnito por natureza. Como consequência, viver o presente e responder às demandas da realidade não acontece sem as tais emendas que entulham o texto original da Constituição e em propostas que se acumulam na forma de PECs.

No entanto, se a Constituição me desagrada de modo contínuo e crescente ao longo dos anos, o mau uso que dela vêm fazendo os atuais ministros do Supremo Tribunal Federal me leva a chamá-la, carinhosamente, “queridinha do vovô”. Se a cumprissem, se a respeitassem, se a seus limites se submetessem todos que a usam como instrumento de trabalho, nos vários níveis e compartimentos do Poder Judiciário, eu já me dava por satisfeito. Pedia um cafezinho e perderia menos tempo diante do teclado do computador.

Na esteira dessa permissividade interpretativa, gasta-se um tempo que permitiria dar duas voltas ao mundo. O Supremo perdeu credibilidade, a censura retornou agravada ao cotidiano nacional, as opiniões se percebem ameaçadas e sitiadas, e os cidadãos à direita do arco ideológico que querem exercer sua liberdade têm no horizonte interdições de direitos, tornozeleiras e grades.

Partidos e parlamentares de esquerda recorrem com assiduidade ao STF para pedir que sancione seus adversários com penas de inelegibilidade e prisão; no parlamento, requerem cassações de mandatos. Aqueles silenciosos e sigilosos inquéritos do fim do mundo passaram a integrar o arsenal retórico com que alguns pretendem conter a oposição: “Olha que o bicho-papão te põe no saco do inquérito!”.

É nesse cenário que a PGR considerou viável pedir a prisão do senador Sérgio Moro em virtude de uma brincadeira, feita tempos atrás durante uma quermesse. Em Estado de Direito, algo assim não ocorre. É como se ensaiássemos, aqui, um faroeste onde a lei é feita por quem se vê como xerife. Não faz grande diferença, em parâmetros civilizados, se é a tinta na caneta e não a bala no cartucho o instrumento do abuso que vai substituir a lei em nome de intenções que, muito comumente, dão sinais de envolver mais uma satisfação própria do que a da sociedade.

Depois de tudo que vi nos últimos quatro anos, identifico com clareza a propagação de uma síndrome no Estado brasileiro – a Síndrome A. de M.. Ela pode ser identificada em muitos titulares de poder que agem como o ministro Alexandre de Moraes em suas afoitas e pesadas intenções punitivas.












publicadaemhttps://www.puggina.org/artigo/sindrome-de-a-de-m__17780

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