Jornalista Andrade Junior

sábado, 1 de abril de 2023

'O insustentável custo de nossa indiferença',

  por Roberto Motta


A maioria dos integrantes de facções criminosas no Brasil já foi presa várias vezes, e depois foi solta, porque assim determina a lei


Muita gente boa ainda acha que “essa história de esquerda e direita” é uma bobagem. “Basta os dois lados sentarem e conversarem”, dizem alguns, como se fosse um desentendimento de vizinhos ou um debate acadêmico. Também já pensei assim. Sabe o que mudou minha cabeça? A realidade da segurança pública brasileira.

Descobri que há muito tempo nosso sistema de Justiça Criminal vem sendo destruído. O cidadão está cada vez mais indefeso, a polícia mais acuada, as leis penais cada vez mais fracas, a aplicação da justiça cada vez mais seletiva e os criminosos cada vez mais protegidos, organizados e ousados.

Tudo isso é resultado de um processo de décadas, que precede em muito a chegada da esquerda ao governo federal, em 2003 (embora, a partir daí, tudo tenha se acelerado). Um dos marcos desse processo de decadência foi a reforma do Código Penal e da Lei de Execução Penal, em 1984. Foi essa reforma que deu aos criminosos brasileiros seus inúmeros “direitos”, alguns inéditos no Ocidente civilizado, como a “progressão de regime”. A reforma criou também uma inovação absoluta em Direito penal em todo o mundo: o regime aberto de prisão, em que o criminoso está livre nas ruas, mas continua constando como “preso” nas estatísticas criminais.

Essa reforma da legislação foi feita no governo do presidente João Baptista Figueiredo, ainda durante o chamado “regime militar”. A explicação para esse fato é assustadoramente simples: o pensamento de esquerda alcançou a hegemonia no ambiente acadêmico e cultural, ainda nas décadas de 1970 e 1980, apesar de o governo federal ser comandado, naquela época, pelos militares do movimento de 1964.

Na sua magnífica série de livros sobre o movimento de 1964 — que começa com o volume A Ditadura Envergonhada —, o jornalista Elio Gaspari parece atribuir esse fenômeno à teoria da “panela de pressão, que teria sido concebida pelo general Golbery do Couto e Silva. Segundo essa teoria, como o poder militar ocupava e regia todos os espaços políticos, era preciso criar uma válvula de escape para as pressões sociais de oposição — exatamente como a válvula de uma panela de pressão impede que a panela exploda.

A “válvula de escape” foi formada pela licença que a esquerda recebeu para atuar livremente — e sem qualquer oposição — na cultura, no entretenimento, na grande mídia e no sistema de ensino — o que incluía, naturalmente, as escolas de Direito. O incansável trabalho de ativistas, intelectuais e políticos de esquerda criou um ecossistema hegemônico que atua das escolas infantis às faculdades de Direito, das ONGs de “Direitos Humanos” aos “coletivos” em universidades, favelas e até instituições do próprio Estado. Essa constelação de indivíduos e entidades cria narrativas ideológicas, ataca a polícia, constrói “memoriais” para bandidos mortos, produz novelas que glorificam traficantes e um noticiário que ataca a polícia diariamente.

O termo politicamente correto agora é ressocialização. Vocês sabem o que é isso? É um processo mágico, pelo qual entra um criminoso violento de um lado, e sai um cidadão exemplar do outro

Nada explica melhor o que está acontecendo no Brasil do que as declarações recentes de autoridades do novo velho governo, e os eventos que o país, estarrecido, tem testemunhado nos últimos dias.

Como a inusitada visita de um ministro de Estado, sem qualquer escolta ou segurança, a uma das regiões mais perigosas do mundo, o complexo de favelas da Maré, no Rio de Janeiro, onde famílias de trabalhadores são reféns do narcotráfico e onde ocorrem combates diários entre duas facções pelo controle do território.

Ou a declaração de outro ministro em defesa da descriminalização das drogas — e todo mundo que defende a descriminalização, defende o uso, mesmo que se socorra de artifícios retóricos para negar isso.

A gota d’água poderia ter sido a declaração da autoridade máxima do Poder Executivo de que a insegurança das regiões pobres é causada pela polícia. É uma gota d’água com potencial de tsunami.

A maioria dos integrantes de facções criminosas no Brasil já foi presa várias vezes, e depois foi solta, porque assim determina a lei. A maioria dos criminosos no Brasil já foi presa várias vezes; alguns foram presos em mais de cem ocasiões. O sistema de Justiça Criminal no Brasil sempre dá mais uma chance ao criminoso. Quem sabe agora, depois da centésima prisão, ele não se regenera?

Me desculpem, usei o termo errado. Não se fala mais em regeneração. O termo politicamente correto agora é ressocialização. Vocês sabem o que é isso? É um processo mágico, pelo qual entra um criminoso violento de um lado, e sai um cidadão exemplar do outro.

É isso que a legislação penal brasileira imagina que acontece.

Isso não acontece em lugar nenhum do mundo.


Revista Oeste














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