Jornalista Andrade Junior

sábado, 1 de abril de 2023

‘Ligações cabulosas’,

 por Edilson Salgueiro e Sílvio Navarro

Plano do PCC para matar Sergio Moro, destempero de Lula e defesa do desencarceramento reabrem questionamentos sobre proximidade do PT com a facção criminosa


Na semana passada, o senador Sergio Moro voltou às manchetes que misturam o noticiário político com o policial no Brasil. Desta vez, contudo, o nome do ex-juiz da Operação Lava Jato não estava relacionado a um esquema de corrupção patrocinado pelos governos do PT. Moro era o principal alvo de uma lista de assassinatos encomendados pela principal facção criminosa do continente, o Primeiro Comando da Capital (PCC). O plano de execução de algumas autoridades foi abortado a tempo pela Polícia Federal e pelo Ministério Público de São Paulo. Mas, no meio do caminho, os investigadores esbarraram novamente num tema espinhoso: por que as duas siglas — PT e PCC — andam juntas nos mesmos problemas?

No caso do esquema de sequestro e mortes frustrado pela polícia, um ponto inequívoco trouxe à tona a tese de que o PT mantém laços com o PCC: um dos investigados da facção usava o endereço de e-mail “lulalivre1063”. É possível que se trate apenas de um admirador do atual presidente, indignado com sua prisão em 2018. Mas, outra vez, surge uma peça nesse mosaico em que nem o Partido dos Trabalhadores nem seu líder máximo conseguem colocar um ponto final.  

Foto: Reprodução

Não há uma única fala contundente de Lula contra a bandidagem — seja ela nas ruas, seja na máquina pública. Pelo contrário, o petista tem intensificado o discurso de que há mais inocentes do que criminosos atrás das grades, o que respaldaria a defesa da esquerda pelo desencarceramento em massa no país. “Não queremos a cadeia cheia de gente inocente, como temos hoje no país”, disse Lula, no mês passado.  

A fala segue a linha histórica de que é preciso tolerância com assaltantes mirins nas ruas — em São Paulo, por exemplo, um celular é roubado a cada três minutos; na Avenida Paulista, foram 5 mil aparelhos no ano passado, conforme os boletins de ocorrência. Ou ainda remete ao fato de se vangloriar de ter pedido ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que libertasse os sequestradores do empresário Abílio Diniz na década de 1990 — na época, eles fizeram greve de fome. Depois de soltos, um deles, chileno, assassinou o vigia de um supermercado a sangue frio. 

“Quando você pensa num jovem de 18 ou 19 anos, e tranca ele numa cela com mais dez, 12, 15, 20 presidiários, qual é a chance que você está dando para esse jovem? Porque ele entrou um inocente, ou seja, uma vítima de um delito que muitas vezes não tinha clareza de o porquê estava cometendo aquilo e vai sair, quem sabe, um ser humano violento.” (Lançamento do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, no dia 15 de março) 

Há uma série de exemplos práticos que podem ser adicionados ao discurso conivente com a bandidagem. Por que o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, fez questão de se deixar filmar sem escolta policial numa das favelas tomadas pelo crime organizado do Rio de Janeiro? Por que o governo federal não agiu rápido para intervir no caos do Rio Grande do Norte, onde o crime vai vencendo o Estado e a governadora, filiada ao PT, permanece inerte? Segundo a Justiça Eleitoral, Lula teve a maioria esmagadora de votos nos presídios no ano passado. Ou ainda: por que o PT foi contra as restrições a visitas íntimas e regalias de presos em regime de segurança máxima, sustentadas justamente por Moro, agora alvo do PCC? 

O plano para matar o ex-juiz da Lava Jato 

A investigação do delegado da Polícia Federal Martin Bottaro Purper mostrou que os arquitetos do atentado montaram uma estrutura sofisticada, com investimento em aluguel de imóveis, carros e armamentos. Esses gastos foram registrados especificamente no Estado do Paraná — onde vive o ex-juiz da Lava Jato. Os criminosos alugaram chácaras, casas e apartamentos próximos à residência e ao escritório de advocacia de Moro. O plano era assassiná-lo em setembro do ano passado, durante o período eleitoral. Até agora, a PF não descobriu por que os criminosos adiaram o atentado. 

A operação policial teve início depois que um ex-integrante do PCC revelou o plano da facção ao Ministério Público de São Paulo. O delator trouxe à superfície os nomes e os números de telefones dos idealizadores. Trocas de e-mails, mensagens de WhatsApp e telefonemas confirmaram a intenção dos criminosos de assassinar políticos, promotores e juízes.  


A juíza Gabriela Hardt, da 9ª Vara Federal de Curitiba, relatou que integrantes da facção criminosa receberam informações de terceiros para a abertura de contas, cadastro de linhas telefônicas e registro de veículos.  

A troca de número telefônico é comum entre os criminosos. Quando essa prática ocorre em períodos inferiores aos 15 dias previstos pelas leis brasileiras, passa a ser chamada de “circuito fechado”. O objetivo da alteração do número telefônico é despistar investigações policiais. Janeferson Aparecido Mariano Gomes (Nefo), o principal organizador do atentado, trocou de número pelo menos nove vezes durante o período da investigação. 

Os policiais conseguiram acessar as mensagens e as agendas telefônicas das quatro primeiras linhas indicadas pelo ex-integrante da facção. A partir disso, a PF descobriu os códigos utilizados pelos criminosos no plano contra autoridades brasileiras. Uma das imagens divulgadas pela Polícia Federal mostra Nefo pedindo que Aline de Lima Paixão, uma das comparsas, salve alguns códigos no celular dela. “Para não esquecer”, justificou o criminoso. Flamengo é o código para “sequestro”, Fluminense é o código para “ação”, Tokyo é o código para “Moro” e México é o código para “Mato Grosso do Sul”. 

Foto: Reprodução

Ódio, rancor, irresponsabilidade 

No dia das prisões, imediatamente o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, apressou-se em dizer que a Polícia Federal, chefiada por Lula, havia salvado Moro, algoz do petista. A narrativa virtuosa ganhou a adesão de todos os auxiliares do petista no plenário e nas redes sociais, do tímido Jaques Wagner (PT-BA) ao estridente Randolfe Rodrigues (Rede-AP). A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, falou em aula de civilidade. 

O que nenhum deles esperava era que Lula desmoronaria todo o discurso horas depois, numa fala irresponsável, que deixou até seus apoiadores na velha mídia tradicional em parafuso. “Não vou falar, porque acho que é mais uma armação do Moro”, disse o chefe do Executivo, referindo-se à operação da PF. “Acho que é mais uma armação, e, se for mais uma armação, ele vai ficar mais desmascarado ainda. Não sei o que vai fazer da vida, se continuar mentindo do jeito que está mentindo.” 

É importante frisar que a declaração foi feita poucos dias depois de Lula ter dito, em entrevista ao blog de esquerda Brasil 247, financiado pelo Palácio do Planalto nos governos anteriores do PT, que não descansará antes de “f…” com o Moro. 

“O presidente está agindo de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo, o que configura crime de responsabilidade”, disse o deputado Deltan Dallagnol (Pode-PR), ex-chefe da força-tarefa da Lava Jato. “Lula ataca a credibilidade de seu ministro da Justiça, dos presidentes da Câmara e do Senado, da Polícia Federal, do Ministério Público Federal, do Gaeco e da Justiça.” Reforçaram a lista de indignados o senador Hamilton Mourão (PL-RS) e os deputados federais Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Filipe Barros (PL-PR), Ubiratan Sanderson (PL-RS) e Marcel van Hattem (Novo-RS). 

Mas não parou aí. Nesta semana, a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara aprovou uma nota de repúdio a Lula. Os parlamentares alegam que o chefe do Executivo “desrespeitou a Polícia Federal e todas as autoridades públicas ameaçadas de ter suas vidas ceifadas pela criminalidade”. É o primeiro presidente a receber esse tipo de advertência. 

A temperatura subiu ainda mais, e um grupo de 30 deputados apresentou um pedido de impeachment de Lula. No documento, os parlamentares alegam que o presidente coagiu um representante do Poder Legislativo (Moro), atacou agentes do Estado (Roberto Campos Neto) e manteve no governo federal pelo menos 67 investigados. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ainda não se manifestou sobre o assunto — foi o sexto pedido de impeachment em menos de cem dias de governo. 

Histórico comprometedor 

Medidas práticas do governo reforçam os laços invisíveis entre o PT e o PCC. Uma delas é o desencarceramento de criminosos. No mês passado, o secretário Nacional de Políticas Penais, Rafael Velasco, defendeu a ideia durante sua cerimônia de posse. “Devemos colocar as alternativas penais no mesmo patamar da prisão e manter o diálogo permanente com outros órgãos de execução penal”, defendeu o subordinado do ministro da Justiça. “Precisamos dar apoio às alternativas de desencarceramento consciente.” O secretário enfatizou também a necessidade da criação de programas de ressocialização dos bandidos. “Que as pessoas presas sejam mantidas em instalações seguras e adequadas, com acesso a programas que as ajudem a ressocializarem-se.” 

Chama a atenção o termo utilizado por Velasco. Em abril de 2019, a PF interceptou conversas telefônicas entre integrantes do PCC e descobriu indícios do vínculo da facção criminosa com o PT. Na ocasião, dois presos conversaram pelo celular sobre a transferência de 22 membros da cúpula da facção para o sistema penitenciário federal. Dentro da cadeia, Alexsandro Pereira (Elias) reclamou do papel do então ministro da Justiça, Sergio Moro, na remoção dos líderes do PCC. Anteriormente, os chefes estavam presos em Presidente Venceslau II, no interior paulista. 

“Os caras tão no começo do mandato”, disse Elias. “Você acha que os cara [sic] já começou [sic] o mandato mexendo com nois [sic], irmão. Já mexendo diretamente com a cúpula. Então, se os cara [sic] começou [sic] mexendo com quem estava na linha de frente, os caras já entrou [sic] falando o quê? ‘Com nois [sic] já não tem diálogo, não, mano. Se vocês estava [sic] tendo diálogo com os outros, que tava [sic] na frente, com nois [sic] já não vai ter diálogo, não’. Esse Moro, aí. Esse cara é um filho da put*, mano. Ele veio para atrasar. Ele começou a atrasar quando foi para cima do PT. Para você ver, o PT, com nois [sic], tinha um diálogo. O PT tinha um diálogo com nois [sic] cabuloso, mano, porque… Situação que nem dá para nois [sic] ficar conversando pelo telefone, mano.”

Na época, o PT afirmou que os áudios eram mais uma armação “forjada” contra o partido. “Isso surgiu no momento em que a Polícia Federal está subordinada a um ministro acuado pela revelação de suas condutas criminosas”, disseram os petistas, referindo-se a Moro. “Ele quis montar uma farsa judicial contra o ex-presidente Lula.” Quatro anos depois, o argumento de Lula é o mesmo: foi uma “armação de Moro”. Um detalhe, contudo, não pode ser desprezado: o juiz não tem nenhuma interferência na Polícia Federal — pelo contrário, quem comanda é Flávio Dino. Mas é só um detalhe para quem nunca conseguiu explicar esse mosaico de ligações cabulosas.


Revista Oeste












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