Jornalista Andrade Junior

sexta-feira, 21 de abril de 2023

'O espetáculo sinistro das ditaduras',

 por Theodore Dalrymple


Em sua visita à China, Lula participou do ritual de "subjugação ferrenha" de todos os tiranos


Quando vi uma foto do líder chinês, Xi Jinping, oferecendo um aperto de mãos em sinal de boas-vindas ao presidente Lula durante sua visita oficial à China e abrindo um sorriso largo, confesso que pensei no poema de Lewis Carroll sobre o crocodilo:  

Como ele parece sorrir alegremente, 
Como abre as garras perfeitamente,
E recebe os peixinhos, 
Com mandíbulas que sorriem gentis! 
 

Mas o que mais chamou minha atenção na imagem foram as crianças ao fundo, empunhando bandeiras e sorrindo também, como se fosse a realização de um sonho receber o presidente do Brasil na China.  

O uso de crianças para fins políticos me revolta, seja em manifestações em países democráticos, seja em recepções oficiais em ditaduras. Todos sabemos que Hitler adorava receber buquês de flores de crianças arianas, e Stalin também amava ganhar esses buquês de crianças cujos pais ele não hesitaria em enviar aos campos de concentração no dia seguinte. Ele às vezes agia com sentimentalismo, mas não era um sentimental.  

Recepções oficiais em ditaduras têm, pelo menos para mim, um quê assustador. Certa vez senti que eu estava prestes a ser surrado até a morte com flores de plásticos de uma recepção oficial na Coreia do Norte. Centenas de mulheres da Guarda se enfileiraram segurando cravos vermelhos de plástico com que açoitaram o ar em perfeito uníssono na minha direção, para me dar as boas-vindas em uma visita “amigável”, supostamente informal, mas, como tudo na Coreia do Norte, cuidadosamente orquestrada.     

Claro, as coisas não são tão drásticas na China contemporânea como eram nos tempos de Kim Il-sung (pouquíssimas coisas o são), mas ainda assim não gosto muito de recepções oficiais em ditaduras com a participação de crianças.  

Refletindo um pouco sobre isso, acho que, se pelo menos as crianças chinesas soubessem onde fica o Brasil, ao passo que se fossem norte-americanas ou britânicas, elas não teriam conseguido localizar o país no mapa e talvez não soubessem nem encontrar seu próprio país. (Por outro lado, todas saberiam tudo sobre transexualidade.)    

Mesmo absurdas e obviamente falsas, essas recepções oficiais têm um efeito profundo em pessoas já insufladas com sua própria importância e, portanto, que já acreditam ser merecedoras de tanta atenção e tanto enaltecimento. Dois exemplos me vêm à mente.  

Não foi a primeira vez na história que essa coletivização teve efeitos econômicos desastrosos, mas é preciso lembrar que a escassez é uma ferramenta poderosa nas mãos da elite desses governos de partido único 

O primeiro caso foi Nicolae Ceausescu, da Romênia. Um vídeo de sua visita oficial à Coreia do Norte está disponível no YouTube e é ao mesmo tempo hilário e aterrorizante. O homem que mais tarde seria chamado de “Danúbio do Pensamento” e cujo governo ficou conhecido oficialmente como “Era de Ouro” (enquanto a população fazia fila por horas para conseguir algumas batatas) é visto recebendo alegremente, sem hesitar, as boas-vindas grandiosas e orquestradas que foram preparadas para ele pelo homem que se tornaria presidente, não para o resto da vida — uma designação comum —, mas presidente para a eternidade. (Até onde sei, Kim Il-sung é o único cadáver que também é chefe de Estado.)  

ferrenha. O que não quer dizer que o esforço de imitar a Coreia do Norte, de tratar gatos como se fossem ovelhas, não tenha sido prejudicial nem desagradável, mas a ditadura de Ceausescu também foi ridícula. Imagine chamar Bolsonaro ou Lula de “Amazonas do Pensamento”.  

Apenas figuras totalitárias conseguem inventar algo tão ridículo. Imagine chamar Trump ou Biden de “Mississippi do Pensamento”, Boris Johnson de “Tâmisa do Pensamento”, Macron de “Ródano do Pensamento”, Modi de “Ganges do Pensamento” ou Scholz de “Reno do Pensamento”. Existe um fundo quase inextinguível de absurdos na metáfora fluvial. Aliás, não há por que restringir as metáforas geográficas aos rios. Que tal Pinochet como o “Atacama do Pensamento”, Gaddafi como o “Saara do Pensamento”, Mao como o “Gobi do Pensamento”?  

A segunda ocasião de que tenho conhecimento de uma recepção oficial ter tido um efeito desastroso foi a de Julius Nyerere, da Tanzânia, à China quando Mao ainda estava vivo e no poder. De acordo com Oscar Kambona, o ministro de Relações Exteriores que rompeu com ele por causa da imposição de um governo de partido único na Tanzânia, Nyerere era bastante sensato até ir para a China, onde foi recebido por enormes multidões de adoradores forçados. Diferente de Kambona, que o acompanhou, ele viu a adoração, mas não a parte forçosa. No fim, descobrimos que ele mesmo era adepto dessa prática.  

Em nome da autenticidade camponesa-transformada-em-proletariado, ele usava um traje em estilo Mao e acreditava que a coletivização era ideal para a agricultura tanzaniana. Não foi a primeira vez na história que essa coletivização teve efeitos econômicos desastrosos, mas é preciso lembrar que a escassez é uma ferramenta poderosa nas mãos da elite desses governos de partido único. Eles conseguem manter a lealdade de milhões de pessoas oferecendo como privilégio praticamente qualquer commodity que esteja escassa, o que sob esses governos significa todas as commodities.  

É curiosa a frequência com que líderes desses Estados totalitários são elogiados (isto é, na verdade, como eles elogiam a si mesmos) por seu comportamento modesto e estilo de vida. Mesmo vivendo em escala faraônica, eles são elogiados (e elogiam a si mesmos) como verdadeiros filhos do povo, como se uma origem modesta fosse uma prova contra qualquer ambição dominadora e gosto pelo luxo.  

Uma das cenas de que vou me lembrar para sempre é de um cantor sentado no chão interpretando um refrão em homenagem a Nyerere. Como estava programado, Nyerere passou — isto é, foi conduzido — em sua Mercedes amarela. A estrada não era pavimentada, e as rodas do carro espirraram uma nuvem de poeira vermelha que cobriu o cantor com uma camada fina de terra. Na verdade, não foi engraçado, mas não consegui não rir. 

Revista Oeste
















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