Jornalista Andrade Junior

sábado, 28 de janeiro de 2023

'O capitalismo funciona a favor dos consumidores, e não de empresários e assalariados',

  por Anthony P. Geller  E isso é algo que poucos entendem


Se você entra em uma loja das Casas Bahia para comprar uma geladeira ou um fogão, você não tem de pagar o preço exato que está sendo ofertado.

O mesmo é válido quando você adentra uma concessionária da Volkswagen. Ou quando você entra em uma loja de roupas. Você não tem de pagar o preço listado pelo carro ou pela roupa que você deseja.

Aparentemente poucos sabem disso, mas o vendedor está sempre disposto a negociar. E o motivo pelo qual ele está disposto a negociar é este: você tem o dinheiro. E ele tem o produto (geladeira, fogão, carro, roupa etc.) do qual ele está disposto a se desfazer em troca do seu dinheiro.

É muito mais fácil para você comprar qualquer coisa que você queira com o seu dinheiro do que é para o vendedor convencer você a dar para ele o seu dinheiro em troca de um produto específico que ele está vendendo.

Você tem opções. Já ele precisa do seu dinheiro.

O consumidor está no comando de qualquer transação comercial. Se ele souber barganhar, ele possui uma grande vantagem em relação ao vendedor.

A esmagadora maioria dos vendedores, porém, contrabalança essa desvantagem. E por um simples motivo: eles sabem como lidar com compradores que não entendem o poder do dinheiro. E são poucos os consumidores que entendem o poder que possuem.

Vendedores experientes aprendem cedo a como negociar. E eles passam toda a sua vida negociando. Eles ganham a vida assim. Já compradores de carros, geladeiras e fogões, por exemplo, só aparecem a cada cinco anos ou dez anos (dependendo do produto). Eles não são barganhadores habilidosos. A maioria, aliás, se sente envergonhada pela simples ideia de ter de negociar e pechinchar. 

O crediário sempre revela o desconhecimento

Um bom exemplo de desconhecimento das técnicas básicas da barganha são as pessoas que compram no crediário. 

Grandes lojas de eletrodomésticos, grandes lojas de moda e fabricantes de automóveis lucram mais vendendo crédito do que vendendo produtos. É por isso que a maioria possui o cartão próprio da loja, a maioria estimula que você compre parcelado ou financiado no lugar de comprar à vista. Os empresários sabem que podem ganhar duas vezes. Eles podem ganhar vendendo o produto e emprestando o dinheiro para que você compre.

Quando você compra qualquer coisa através do crediário de uma loja ou de financiamentos, você está pagando duas vezes. 

As pessoas ficam empolgadas quando vem um "12x sem juros no cartão". Ora, não existe isso. Nenhum vendedor parcela um produto em 12 vezes, ainda mais em um país de inflação historicamente alta como o Brasil. Neste valor anunciado — que é o mesmo à vista — já estão embutidos os juros. 

O que o comerciante está fazendo é justamente vendendo uma dívida para você. Há uma financeira por trás de tudo: você paga no crédito, o comerciante vende o seu crédito para a financeira, e a financeira cobra de você. O comerciante recebe todo o dinheiro até o fim do mês, e a financeira coleta os juros de você.

Por isso, em situações assim, sempre é possível barganhar e pedir pelo menos 10% de desconto à vista (vai depender dos juros vigentes no país). De início, haverá resistência do vendedor (justamente por causa da financeira). Mas, se você ameaçar ir para a loja concorrente, imediatamente você consegue.

Lembre-se: o vendedor precisa do seu dinheiro. Você tem o que ele quer.

Mas são poucos os consumidores que sabem disso.

Em suma: o vendedor ganha dinheiro se especializando em técnicas de venda. O comprador abre mão de sua vantagem porque ele não conhece as regras do processo de negociação.

A internet está começando a equilibrar o jogo entre compradores e vendedores. Sites e aplicativos já fazem o trabalho de mostrar todos os preços vigentes de todos os produtos em todas as lojas. Isso significa que o jogo agora está a favor dos consumidores, pois são eles que estão em posse do dinheiro. Mas, ainda assim, vários seguem não sabendo negociar com vendedores.

Todos nós compramos e vendemos dinheiro

Por mera tradição, sempre falamos sobre "compradores" e "vendedores". Mas ambos são a mesma coisa: ambos são compradores e vendedores ao mesmo tempo

Quando dizemos "compradores" estamos simplesmente dizendo "vendedores de dinheiro". Quando dizemos "vendedores" estamos simplesmente dizendo "compradores de dinheiro".

Ludwig von Mises definiu o dinheiro como sendo "a mais comercializável das mercadorias". O dinheiro é aquela mercadoria que absolutamente todas as pessoas querem, pois sabem que podem utilizá-la para adquirir qualquer outra mercado que desejarem.

Por isso, o vendedor de dinheiro (consumidor) é o comprador universal, pois aquilo que ele está oferecendo (dinheiro) é a mercadoria que todas as outras pessoas utilizam para fazer propostas de compra. 

O indivíduo que tem dinheiro para gastar possui a vantagem de uma transação. Há bilhões de pessoas que querem o dinheiro dele. E há muito menos pessoas que querem o produto que o vendedor está oferecendo. 

O comprador de bens e serviços, que é um vendedor de dinheiro, é um especialista em fazer a alocação da mercadoria mais valiosa do mercado. Ele fica de frente para uma multidão, mostra o dinheiro e diz: "Eu tenho aquilo que vocês querem. Façam-me uma oferta". Ele é um especialista em fazer com que produtores de todos os tipos de bens e serviços façam oferta denominadas naquela unidade de conta que ele está mostrando.

Já os vendedores de bens e serviços são especialistas em fazer ofertas em troca do dinheiro do consumidor. Eles se concentram em como obter aquela que é a mais comercializável das mercadorias. Eles precisam se especializar  em produzir para atender a um segmento específico da comunidade. Nem todos querem o que eles têm para oferecer.

Por tradição, designamos como "comprador" o indivíduo que detém um bem universalmente demandado. E designamos como "vendedor" o indivíduo que possui o bem que é menos universalmente demandado.

E é isso que ainda não entenderam sobre o capitalismo

É por tudo isso que o capitalismo, ao contrário do que muitos acreditam, é o arranjo que opera em benefício do consumidor, e não do produtorCom efeito, é o único arranjo que opera em benefício do consumidor. 

Os consumidores possuem aquilo que os produtores querem: dinheiro. O dinheiro é a mercadoria de mais fácil comercialização em uma economia. Todos estão atrás do dinheiro. Quem tem dinheiro consegue trocá-lo pelos bens e serviços que quer. Quem tem dinheiro sempre será servido. Quem tem dinheiro e sabe do poder que tem está no assento do motorista em uma economia capitalista. 

E quem tem o grosso do dinheiro em uma economia de mercado? A massa dos consumidores.

Produtores e empreendedores estão no mercado para ganhar acesso ao dinheiro dos consumidores. Os bens e serviços que eles produzem não podem ser utilizados como dinheiro. Não importa quão popular seja um produto específico, ele nunca será tão popular quanto dinheiro. 

Consequentemente, produtores e empreendedores têm de vender esses bens e serviços aos consumidores para conseguir dinheiro; eles não podem ir ao mercado e simplesmente tentar trocar, como num escambo, seus bens e serviços por outros bens e serviços. Para conseguir o que querem, eles têm de ter dinheiro. Para conseguir dinheiro, eles têm de vender para muitos consumidores. Eles ganharão dinheiro no volume, e não nos preços altos.

Ao contrário dos produtores e empreendedores, consumidores não têm de negociar descontos com fabricantes ou implorar por preços menores com fornecedores; eles deixam esse serviço por conta das empresas. Na prática, eles terceirizam essa atividade, deixando que as empresas em concorrência façam essa negociação por eles. 

Não interessa se é a Amazon, a Walmart, as Casas Bahia, a Uber, a Netflix, a AirBnB ou a padaria da esquina: todos têm de agir em prol dos consumidores. E é assim porque eles estão visando ao dinheiro das massas. Eles querem vender para as massas. Sua estratégia é fazer com que mais pessoas comprem seus bens e serviços.

Um capitalista bem-sucedido é aquele que não apenas sabe como atender aos desejos da massa, como também está sempre tentando aumentar a satisfação dela. A maneira como esse capitalista aumenta sua presença no mercado — sua fatia de consumidores — é por meio da concorrência de preços (e da qualidade do produto). 

Dado que seu objetivo é sempre aumentar seu público consumidor, o que ele realmente tem de fazer é ir atrás de pessoas que até então não estavam dispostas a — ou não tinham condições de — gastar dinheiro naquilo que ele está tentando vender. Ao utilizar a concorrência de preços, ele adquire acesso a esse grupo.

Os críticos do capitalismo, que são muitos, simplesmente não entendem que capitalismo significa concorrência de preços, e que o mercado de consumo em massa criado pela concorrência de preços representou o maior benefício econômico para a humanidade nos últimos 200 anos.

Sim, os preços das coisas estão sempre aumentando, principalmente no Brasil. Mas isso se deve às distorções criadas pelo governo, como a inflação da oferta monetária. Ainda assim, o custo real das coisas — isto é, a quantidade de horas de trabalho necessária para se auferir uma renda capaz de conseguir comprar um bem básico — só faz cair.

Nem empresários e nem assalariados

Produtores, empreendedores e trabalhadores só irão se dar bem em uma economia de mercado se souberem satisfazer os consumidores. Eles só terão lucros se souberam agradar aos consumidores.

E é só quando finalmente se entende isso, que se torna possível sanar um debate que é constantemente feito acerca do capitalismo e da economia de mercado em geral.

De um lado, há aqueles que dizem que o capitalismo — embora seja eficiente em criar bens, serviços e riqueza — é injusto e imoral, pois explora os trabalhadores e concentra a enorme riqueza criada nas mãos de alguns poucos empresários e especuladores.

De outro, há os que rebatem essas afirmações recorrendo a estatísticas que confirmam que os trabalhadores têm o melhor padrão de vida exatamente nos países mais capitalistas.

Ambos os lados ignoram o essencial.

O capitalismo não é um sistema voltado para "garantir direitos" aos trabalhadores. E nem para beneficiar empresários. É um sistema voltado exclusivamente para beneficiar os consumidores.

Só irá prosperar quem consegue fornecer bens e serviços que os consumidores voluntariamente querem adquirir.

Dado que empresários e empregados são também consumidores, então é óbvio que eles também acabam se beneficiando do capitalismo. No entanto, o capitalismo não é um sistema feito para "garantir direitos e privilégios" aos trabalhadores e nem para "privilegiar empresários". Esta não é sua função.

Se há trabalhadores mal pagos é porque os consumidores de seus produtos assim determinaram. Se há trabalhadores que trabalham muito e ganham pouco é porque não são produtivos e, consequentemente, não conseguem ofertar a um grande número de consumidores algo que eles considerem valioso e pelo qual estejam dispostos a pagar muito.

Se há assalariados mal pagos e com baixo padrão de vida é simplesmente porque eles não conseguem criar valor para seu público consumidor. Ou então porque há outros milhões que sabem fazer o que ele faz.

Ignorar isso e querer tentar contornar essa realidade implantando políticas de "bem-estar social" ou de "criação de empregos artificiais" irá apenas atravancar ainda mais o processo de criação genuína de riqueza.

Para concluir

O capitalismo beneficia a todos que estão na condição de consumidor

Enquanto o indivíduo está puramente na condição de trabalhador e empreendedor, o capitalismo é exigente e nem sempre recompensador. Se o empreendedor e o trabalhador estão no ramo errado, então o capitalismo será inclemente.

Um empreendedor pode, por exemplo, fazer um cálculo empreendedorial errado, se aventurar em uma área na qual não há demanda, empreender mal, se afogar em dívidas, ter seus ativos penhorados e perder tudo. Tentando servir o consumidor, ele se estrepou. Já o consumidor nada perdeu. De que lado você gostaria de estar?

O empreendedor se endivida para abrir um restaurante, serve a vários consumidores, mas acaba indo à falência e tendo seus bens penhorados perante seus credores. Quem se deu melhor: os consumidores que se aproveitaram deste restaurante ou o empresário falido?

É o cidadão comum consumidor que se dá bem no capitalismo, e não necessariamente o empresário. Este pode se estrepar completamente.

Por fim, mesmo o mais exitoso dos empreendedores e o mais bem-sucedido dos assalariados só é realmente beneficiado pelo capitalismo porque podem utilizar os frutos do seu trabalho para consumir; para adquirir bens e serviços que irão melhorar seu padrão de vida. Só que, ao fazerem isso, eles estão no mesmo nível dos demais consumidores normais.

No capitalismo, portanto, é o cidadão comum consumidor que se dá bem, principalmente quando ele sabe do poder que tem. E não necessariamente o empresário. Este pode se estrepar completamente.


Anthony P. Geller
é formado em economia pela Universidade de Illinois, possui mestrado pela Columbia University em Nova York e é Chartered Financial Analyst credenciado pelo CFA Institute.

Mises Brasil













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