escreve J.R. Guzzo
Talvez pela ruindade sem limites dos políticos brasileiros, talvez por causa da falência geral de órgãos que vai degenerando cada vez mais a vida pública nacional, talvez porque os poderes Legislativo e Executivo raramente foram habitados por gente tão frouxa quanto hoje, tanto nas ideias como na conduta, ou talvez por tudo isso ao mesmo tempo, o fato é o seguinte: os ministros do Supremo Tribunal Federal decidiram que não há mais ninguém no governo da República, e que cabe a eles mandar no Brasil.
Comparando uns com os outros, dá provavelmente na mesma.
Mas, com certeza, um país está com problemas sérios de funcionamento quando começa a ser governado “por default”, como se diz hoje.
Na falta de outra coisa, entra automaticamente em ação um mecanismo que passa a operar o aparelho por sua própria conta, e sem nenhuma consulta ao usuário.
A dificuldade, no caso, é que o STF está operando mal. Como poderia ser diferente?
Os onze ministros não apenas governam o Brasil sem serem eleitos, mas sem terem nenhuma das responsabilidades que vêm junto com a tarefa de governar – e, obviamente, com risco zero de responder pelas consequências das decisões que tomam.
Não pode dar certo.
Na prática, isso significa que eles mandam em tudo mas não se obrigam a pagar por nada – a começar pelo pagamento propriamente dito das despesas que criam ou ajudam a criar.
O STF dá ordens, apenas isso, e só dá ordens sobre o que lhe interessa – o Brasil que se vire para cumprir. É onde estamos.
Não há nenhuma lei que esse novo governo se sinta obrigado a obedecer; quem obedece, em sua visão das coisas, são sempre os outros.
Como durante o AI-5, quando o regime deu a si próprio o direito de não submeter à Justiça nenhuma das suas decisões, o STF de hoje não responde a ninguém.
Ainda outro dia, e mais uma vez, o ministro Alexandre Moraes prendeu um jornalista no inquérito abertamente ilegal que conduz sem nenhum controle há mais de um ano, como se o STF fosse uma delegacia de polícia da ditadura.
O ministro Lewandovski decide o que você tem de fazer, e o que não pode fazer, em todas e quaisquer questões relativas à vacina; deu à sua palavra o status de verdade científica.
O ministro Fachin proibiu a polícia de sobrevoar com helicópteros as favelas do Rio de Janeiro, e decidiu que a revista íntima às visitas feitas a presidiários é “inconstitucional” – os visitantes estão liberados para levar drogas aos presos, por exemplo, e não podem ser condenados por isso.
O ministro Marco Aurélio solta criminosos condenados a 25 anos.
O Supremo decide sobre a nomeação do diretor da Polícia Federal, a eleição das mesas do Congresso e as fases da Lua.
O público é obrigado, além disso tudo, a ouvir lições de filosofia, de moral e de ciência política dos onze ministros – e ouvir o tempo todo.
Todos eles estão convencidos de que têm o direito de pensar por você, e escolher o que é melhor para cada cidadão brasileiro – independente da opinião pessoal que o próprio cidadão possa ter.
O último palpite sobre o bem comum foi dado pelo ministro Barroso, um dos que mais se encanta com a própria voz.
Segundo ele, “o País” precisa do voto obrigatório; não se deve deixar as pessoas livres para exercerem o direito de votar, pois a seu ver isso leva ao “radicalismo”.
E por aí vamos.
Juízes, em qualquer país decente, têm a obrigação de ser imparciais, sobretudo se estão no topo do Poder Judiciário.
No Brasil é exatamente o oposto: O STF se transformou num partido político, com militantes, facções internas e todo o resto – um partido que não recebe um único voto.
Dá nisso que se vê.
O Estado de São Paulo
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