por Vilma Gryzinski
“Intervenção! Intervenção!”
Foi esse o grito da multidão na manifestação de sábado, quando Juan Guaidó mencionou o artigo 187 da constituição venezuelana, que abre uma porta de entrada à autorização para uma intervenção estrangeira em casos de grande emergência.
Há duas semanas, quando Guaidó, o presidente que na prática não tem autoridade nenhuma, mencionou uma intervenção americana como única saída para socorrer o povo massacrado pela falta de tudo, choveram críticas.
Num país em estado terminal como a Venezuela, duas semanas fazem uma grande diferença. O regime parece entrincheirado, com poucas rachaduras na blindagem militar e bem orientado – os cubanos, dizem todos – a reprimir cirurgicamente.
Quando precisa, põe os cachorros loucos, os “coletivos” de motoqueiros armados, na rua. Foi o que aconteceu na frustrada operação para colocar caminhões com ajuda humanitária americana em território venezuelano.
Mas Guaidó pode voltar sem incidentes ao país e as manifestações de protesto não estão degenerando em repressão descontrolada.
O artigo 187, parágrafo onze, mencionado por Guaidó, permite à Assembleia Nacional “autorizar o emprego de missões militares venezuelanas no exterior ou estrangeiras no país”.
Todo mundo já sabe que a Assembleia e seus dispositivos, em nome dos quais Guaidó se declarou presidente interino, têm zero de poder. A força moral da oposição vem do apoio das ruas e dos países que reconhecem Guaidó.
Invocar uma interferência estrangeira é uma medida extrema e ele sabe disso. “Eu não seria digno do cargo que me coube desempenhar se não dissesse claramente: esta opção implica, em todas as suas variantes, em sangue e aqui o único que se mantém na base do sangue é o usurpador de Miraflores”, alertou.
O recado também é para os líderes oposicionistas que já pediam abertamente a oposição, como a valente María Corina Machado, ou passaram a invocá-la diante do suplício cada vez maior dos venezuelanos.
“Inesquecível”
O desespero geral aumentou com os apagões que jogaram Caracas e outras regiões nas trevas durante três dias seguidos. Pararam comércio, metrô, escolas e tudo o que ainda mantém um remoto elo com a civilização.
As máquinas para os cartões de débito, obrigatórios num país onde a hiperinflação inviabiliza o dinheiro vivo, deixaram de funcionar. Celulares, mudos.
Quem ainda conseguia guardar alimentos na geladeira perdeu tudo. Só por falta de diálise, um tratamento já severamente racionado, morreram 17 pessoas.
Os apagões, a marca definitiva dos países de Terceiro Mundo que perdem a operacionalidade básica, são frequentes, mas o blecaute do fim de semana impressionou até pelos padrões venezuelanos de desastre.
Nicolás Maduro, claro, acusou os imperialistas americanos por ataques cibernéticos e magnéticos contra a usina de Guri, que abastece 70% do país (e Roraima também).
Como os relógios quebrados, em algum momento ele pode acertar. Mas não existe imperialista que conseguiria sabotar um sistema de abastecimento de energia elétrica com a maestria iniciada por Hugo Chávez e aperfeiçoada por Maduro.
Foi o comandante quem nacionalizou o sistema, eliminou a meritocracia, implantou a ineficiência, expeliu os excelentes técnicos no setor que a Venezuela tinha e colocou até uma “comissão técnica” cubana para assessorar o país.
Uma piada com gosto amargo para os venezuelanos, mas útil como símbolo da infiltração cubana em todos os setores chave do país, fruto da identidade ideológica e da paixão dos líderes bolivarianos por Fidel Castro.
E, indiscutivelmente, da habilidade do ditador cubano em manipular seus apadrinhados políticos de várias tendências da esquerda latino-americana.
Curiosamente, Nicolás Maduro conheceu Fidel Castro antes que Hugo Chávez. Como integrante da Liga Socialista, ele fez curso de formação de quadros em Havana em 1986. Viu Fidel ao vivo três anos depois, “uma experiência inesquecível”, na época da posse do presidente Carlos Andrés Pérez.
Major do Exército na época, Hugo Chávez viu a comitiva cubana chegar ao palácio de Miraflores pela janela de um edifício em frente ao palácio presidencial e anotou em suas memórias: “Ali vai o comandante Fidel Castro, esperança de nossos povos.”
Pessoalmente, conheceram-se em 1994. Só rolou amor, claro.
O efeito hipnótico de Fidel sobre corações e mentes esquerdistas redundou numa das mais bizarras alianças de todos os tempos: Cuba entrou com o know how para o controle político e ideológico da população, das Forças Armadas e dos serviços de inteligência; a Venezuela entrou com o petróleo e os petrodólares, e ambas as partes coadunaram esforços para produzir o pior dos mundos em matéria de intervencionismo econômico.
O uso planejado do narcotráfico como instrumento de cooptação, corrupção, produção de divisas e arma política apimentou este angu cheio de caroços.
Infiltração
O que era ruim em Cuba ficou pior ainda na Venezuela, um país grande, rico em recursos, com experiência de vida fora da camisa de força ideológica e sem uma muralha oceânica à sua volta.
A infiltração cubana foi profissional e sistemática, indo muito além dos médicos com formação em atos de resistência. Os cartórios de notas e registros, por exemplo, foram entregues ao controle cubano, segundo um estudo da jornalista venezuelana Cristina Marcano.
Através desses instrumentos, agentes cubanos emitem cédulas de identidade, passaportes, certidões de propriedade de imóveis e registros comerciais. Ou seja, sabem tudo sobre os venezuelanos.
O controle em aeroportos, portos e postos fronteiriços é feito por cubanos. Idem os principais sistemas de informatização de órgãos como ministérios e de programas sociais.
“Quando começaram em protestos, em 2014, eles passaram a assumir lugares importantes nos organismos de informações como o Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (Sebin), que é onde hoje operam abertamente”, disse ao jornal colombiano El Espectador um ex-diretor de Comunicação do Ministério da Justiça, Marco Hernández.
“A presença cubana agora é total. Eles estão dirigindo a contrainteligência, os interrogatórios, a parte operacional.”
Administrar uma transição política nessas circunstâncias parece quase impossível. O que faria um novo governo? Expulsaria os cubanos? A população permitiria que fossem embora pacificamente? Eles não deixariam aliados plantados em todas as instituições?
Se uma solução negociada já parece extremamente complicada, uma intervenção armada é quase inimaginável, por mais que o desespero leve muitos a pedi-la.
Infelizmente, os venezuelanos ainda vão sofrer mais ainda enquanto o regime boliviariano é sangrado através de sanções e outras medidas punitivas.
Veja
extraídaderota2014blogspot
http://rota2014.blogspot.com/2019/03/desespero-terminal-na-venezuela-das.html
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