Todo criminoso deve ser punido. Cabe ao Poder Judiciário condená-lo,
após o devido processo legal e respeitada a ampla defesa. É o que
determina a Lei Suprema (artigo 5º, incisos LIV e LV). Nas democracias, o
processo penal objetiva defender o acusado e não a sociedade, que, do
contrário, faria a justiça com as próprias mãos. ...
O condenado deve cumprir sua pena nos estabelecimentos penais instituídos pelo Estado, em que o respeito à dignidade humana necessita ser assegurado. Quando isso não ocorre, o Estado nivela-se ao criminoso. Age como tal, equiparando-se ao delinquente, da mesma forma que este agiu contra sua vítima.
A função dos estabelecimentos penais é a reeducação do condenado para
que, tendo pago sua pena perante a comunidade, retorne à sociedade
preparado para ser-lhe útil.
Os cárceres privados constituem crime. Quem encarcera pessoas,
tirando-lhes a liberdade, deve ser punido e sofrer pena que o levará a
sofrer o mesmo mal que impôs a outrem. E o cárcere público? Quando um
criminoso já cumpriu o prazo de sua pena e tem direito à liberdade, mas o
Estado o mantém encarcerado, torna-se o ente estatal um delinquente
como qualquer facínora.
Todo condenado deve cumprir sua pena, mas nunca além daquela para a
qual foi condenado. Se o Estado o mantém no cárcere além do prazo,
torna-se responsável e deve ser punido por seu ato. Como não se pode
encarcerar o Estado, deve, pelo menos, pagar indenizações à vítima pelos
danos morais causados.
A tese vale também para aqueles que forem condenados a regimes abertos
ou semiabertos e acabarem por cumprir a pena em regimes fechados, por
falta de estrutura estatal, pois estarão pagando à sociedade algo que
lhes não foi exigido, com violência a seu direito de não permanecerem
atrás das grades. Nestes casos, devem também receber indenização por
danos morais.
A tese de que todos são iguais e não deve haver privilégio seria
correta se o Estado mantivesse estabelecimentos que permitissem um
tratamento pelo menos com um mínimo de respeito à dignidade humana. Como
isso não ocorre, a tese de que todos devem ser iguais e, portanto,
devem “gozar” das péssimas condições que o Estado oferece, é
simplesmente aética, para não dizer algo pior.
Em vez de o Estado dar exemplo de reeducação dos detentos, a tese da
igualdade passa a ser garantir a todos tratamento com “igual
indignidade”.
Enquanto a Anistia Internacional esteve no Brasil, pertenci à entidade.
Lutávamos, então, não só contra tortura mas contra todo o tratamento
indigno aos encarcerados, pois não cabe à sociedade nivelar-se a eles,
mas dar-lhes o exemplo e tentar recuperá-los.
Por isto, ocorreu-me uma ideia que sugiro aos advogados penalistas e
civilistas – não atuo em nenhuma das duas áreas – qual seja, a criação
de uma associação, semelhante àquela que Marilena Lazarini criou em
defesa dos consumidores, para apresentar ações de indenização por danos
morais em nome das pessoas que: a) cumpram penas superiores àquelas para
as quais foram condenadas; b) cumpram penas em regimes fechados, quando
deveriam cumpri-las em regime aberto ou semi-aberto; c) cumpram penas
em condições inadequadas.
Talvez assim o Estado aprendesse a não nivelar-se aos delinquentes.
Sofrendo o impacto de tais ações, quem sabe poderia esforçar-se por
melhorar as condições dos estabelecimentos penais, respeitar prazos e
ofertar dignidade no cumprimento das penas.
Todo criminoso deve cumprir sua pena, mas nos estritos limites da
condenação e em condições que não se assemelhem àquelas dos campos de
concentração do nacional-socialismo.
* Ives Gandra Martins é jurista.
Fonte: Jornal do Brasil
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