Jornalista Andrade Junior

segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Gilmar Mendes está com medo. E isso é bom

Paulo Polzonoff Jr. -


Para quem não havia entendido o que Gilmar Mendes disse na quinta-feira (23), ao reclamar da aprovação da PEC que limita os poderes dos ministros do STF, ele foi ainda mais explícito numa entrevista que circulou durante o fim de semana. Com a maior cara de pau do mundo, se vangloriando até, Gilmar Mendes disse que Lula e “muitos outros personagens” só estão soltos (e no poder) porque o Supremo Tribunal Federal trocou (vendeu?) a justiça em nome da conveniência política – e enfrentou, esmagou, destruiu a Operação Lava Jato.

Mas antes de entrar nesse assunto quero contar que no sábado (25), por razões que a própria razão desconhece, fiz uma péssima viagem ao esgoto das redes sociais e encontrei todo um universo onde Gilmar Mendes é um herói. Sim, você leu certo: herói. Não só Gilmar. Alexandre de Moraes é herói. Barroso é herói. Toffoli é uma espécie de Robin – mas ainda assim herói. Deprê, sem dúvida. Mas e se eu lhe dissesse que é possível afundar ainda mais nessa depressão ao sondar os motivos que levam uns e tantos a considerarem os ministros do STF heróis - apesar de tudo?

Pois foi o que fiz, aproveitando o sábado úmido, gelado e solitário. Como num filme noir, entrei em becos e vielas escuras para ouvir marginais e tentar entender esse fenômeno. E, se não desvendei o mistério, encontrei uma boa pista. E não, não é o dinheiro ou a possibilidade do dinheiro o que faz as pessoas defenderem, neste momento, Gilmar Mendes et caterva. Tampouco é a lealdade ideológica. As pessoas insistem em defender Gilmar Mendes para evitar a dor de terem de encarar a realidade de que acreditaram numa mentira.

Em situações assim, era de se esperar que, uma vez exposta a farsa, houvesse algum tipo de revolta. Externa e interna, mas sobretudo interna. Mas não. Porque muita gente construiu um castelinho, tanto pessoal quanto político, sobre a areia movediça da “defesa dos valores democráticos” e vê-lo ruir é sofrido demais. Mais fácil, portanto, é insistir no erro e na mentira, sobretudo na mentira que se conta para si mesmo, usando das mais tresloucadas justificativas na esperança de conter essa revolta que seria uma revolta diante do espelho.


Cenas dos próximos capítulos

Assim começamos a semana. A confissão de Gilmar Mendes se junta à de Luís Roberto Barroso, que há não muito tempo estufou o peito para dizer que eles “derrotaram o bolsonarismo”. As palavras aveludadas do adolescente tardio foram recebidas com resignação ou, o máximo, indignação impotente. Mas agora o cenário é outro – porque há um cadáver no meio da história.

Pedindo desde já perdão pelo clichê, a morte de Cleriston Pereira Cunha parece ser o divisor de águas aí. Parece e tomara que seja – embora o diabinho aqui no meu ombro esquerdo esteja sussurrando que não vai dar em nada, que tudo vai se ajeitar, que a Legião que governa o país é sobretudo astuta e não está nem aí para a morte de um simplório qualquer. Cala-te e me deixa continuar! Pois parece que quando o Estado é o responsável pela morte de um cidadão inocente a situação muda de figura. A ponto de até Alexandre de Moraes demonstrar que ainda lhe resta um fiapinho-inho de consciência soltando uns poucos presos do 8 de Janeiro. Isso sem falar no medo.

Medo. Essa talvez seja a palavra-chave para entender a reação de Gilmar Mendes, que fala por um STF acuado, temeroso de ter de se confrontar, no futuro próximo, com seus muitos erros. A começar pelos erros cometidos por causa do... medo de que a Lava Jato chegasse até o Judiciário. Medo. Medo da traição. Medo de que Pacheco e os demais senadores tenham brio. Medo da própria soberba. Medo, inclusive, de que a ruína econômica faça com que os ventos mudem e o povo, nas ruas ou por meio de seus representantes, saia da letargia que o imobilizou ao longo de todo 2023.

Agora é aguardar as cenas dos próximos capítulos. Malandro véio, Lula já se reuniu com os ministros do STF. Jogou panos quentes. Prometeu lealdade em troca dos serviços prestados. Será que agora Arthur Lira vai perceber que está com o faca e o queijo na mão? Será que Pacheco vai continuar exibindo níveis altos de testosterona ou voltará a falar fino? Aconteça o que acontecer, só espero que Gilmar Mendes continue com medo. E, se não for pedir muito, espero também que o Autor seja generoso e que esse novelão não termine com o STF rindo e dando uma banana para o Brasil, como naquela famosa cena de Reginaldo Faria em “Vale Tudo”.



Paulo Polzonoff Jr.  - Gazeta do Povo

















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