Jornalista Andrade Junior

sexta-feira, 22 de julho de 2022

'O discurso do ódio',

 por Branca Nunes


Em julho de 2020, por exemplo, um jornalista explicou no título de sua coluna "Por que torço para que Bolsonaro morra"


“Énum ambiente assim que um bolsonarista pega uma arma, vai à festa de aniversário de um petista e mata o petista”, afirmou uma jornalista, na manhã desta quinta-feira, 21, durante um programa de rádio. O “ambiente” ao qual ela se refere é o estupro de uma mulher grávida pelo anestesista na sala de parto, o cirurgião plástico que deformava as pacientes e as mantinha em cárcere privado e o espancamento de uma procuradora-geral por um colega de trabalho durante o expediente, entre outras atrocidades. Segundo a analista, “tem uma onda de loucura do mal neste país”. O culpado, claro, é o presidente Jair Bolsonaro.

Uma semana antes, na sexta-feira 15, Alexandre de Moraes havia concedido 48 horas para Bolsonaro manifestar-se sobre uma ação impetrada por partidos de oposição contra “discursos de ódio”. Rede, PCdoB, PSB, PV, Psol e Solidariedade acham que “as falas do presidente se configuram em estímulos psicológicos que vão construindo no imaginário de seus apoiadores e seguidores a desumanização do opositor”.

Mesmo depois de a Polícia Civil concluir que não houve motivação política no assassinato de Marcelo Arruda, tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu, os partidos — assim como a jornalista — exigem que Bolsonaro condene o crime publicamente. “Não há provas de que foi um crime de ódio pelo fato de a vítima ser petista”, afirmou Camila Cecconello, delegada responsável pelo caso.

No dia seguinte ao ultimato, começaram a circular pelas redes sociais imagens de um filme em que um boneco idêntico a Bolsonaro, vestindo um terno e usando a faixa presidencial, morre durante uma motociata. O cineasta Ruy Guerra, responsável pela gravação, afirmou que “as cenas foram retiradas de contexto”. Elas farão parte de A Fúria, filme da trilogia completada por Os Fuzis (1964) e A Queda (1977).


Não foi a primeira vez em que ecoou a lira do delírio. Faz parte da rotina nacional desejar, sugerir ou estimular a morte do presidente. Em julho de 2020, por exemplo, o jornalista Hélio Schwartsman escreveu um artigo na Folha de S.Paulo com o título “Por que torço para que Bolsonaro morra”. Na época, o presidente havia sido diagnosticado com covid-19.

Dois anos antes, durante a campanha presidencial, Bolsonaro sofrera um atentado à faca que quase realizou o desejo do jornalista. Alega-se que Adélio Bispo sofre de problemas mentais. Mas ele sabe explicar com muita clareza por que já foi militante do Psol. Adélio pode ganhar a liberdade a qualquer momento. Basta o juiz responsável entender que ele não sofre mais “dos transtornos que o levaram à internação”.

Em setembro de 2020, o autodenominado coletivo de arte In Decline gravou um vídeo em que uma reprodução ultrarrealista da cabeça de Jair Bolsonaro é usada como bola de futebol. No filme, uma jovem retira de um túmulo o que seria o crânio do presidente. Na sequência, o objeto vira bola e, por fim, é mordido por um cachorro. Entre incontáveis chutes, aparecem menções à vereadora Marielle Franco, morta em 2018, e ao movimento LGBT+. 

Seis meses depois, o procurador Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, da Procuradoria da República no Distrito Federal, arquivou o inquérito policial aberto contra a produtora Gorila Company, responsável pela produção do vídeo. Pedro Millas Souza e Marcello Tamaro Yamaguchi, donos da Gorila, haviam sido indiciados pela Polícia Federal por incitação aos crimes de lesão corporal, homicídio, violação de sepultura e destruição, subtração ou ocultação de cadáver. O Ministério Público Federal, entretanto, argumentou que era um exagero classificar de ato ilícito o que seria “uma piada, uma crítica social ou uma peça publicitária”. 

“No Brasil, os petistas cansaram de dar provas dessa ética peculiar inerente à imaginação revolucionária”, afirma o antropólogo Flávio Gordon, em seu artigo publicado nesta edição. “É por isso que, com a cumplicidade do partido que outrora lhe fazia oposição, bem como da grande maioria da imprensa e dos bem-pensantes, essa esquerda raskolnikoviana protagonizada pelo lulopetismo finge se escandalizar com o ódio e a violência supostamente inaugurados no país por Bolsonaro e seus apoiadores, chegando ao ponto de desacreditar investigações policiais para concluir que a causa de todo e qualquer crime ocorrido no Brasil é uma só: o ‘bolsonarismo’”. 

Gordon sustenta que o ódio e a violência são intrínsecos ao pensamento da esquerda desde os tempos de Friedrich Engels e Karl Marx. “O Partido dos Trabalhadores e seus partidos e movimentos satélites encarnaram perfeitamente essa tradição”, ressalta Gordon. “Sob uma aparência de normalidade democrática e organização regular, o partido jamais cessou de promover a violência política contra adversários e pregar a sua extinção social ou física.” 

Há poucos dias, Lula agradeceu ao ex-vereador Manoel Eduardo Marinho, o Maninho do PT, por ter provocado a colisão da cabeça do empresário Carlos Alberto Bettoni com o para-choque de um caminhão. “Esse companheiro Maninho, por me defender, ele ficou preso sete meses, porque resolveu não permitir que um cara ficasse me xingando na porta do Instituto Lula”, fantasiou o ex-presidente. “Então, Maninho, eu quero em teu nome agradecer à toda solidariedade do povo de Diadema. Porque foi o Maninho e o filho dele que tiveram (sic) nessa batalha.”

Em 2018, Bettoni foi empurrado por Maninho, ao criticar o então senador petista Lindbergh Farias, em frente ao Instituto Lula. Ele sofreu traumatismo craniano e ficou 20 dias internado na UTI.

Em 2017, ao lado do ex-senador paranaense Roberto Requião, a deputada federal petista Benedita da Silva afirmou que “sem derramamento de sangue não haverá redenção”.

Em maio de 2000, 12 anos antes de ser capturado no pântano do Mensalão, José Dirceu conclamou os militantes do partido a castigarem fisicamente os adversários. “Mais e mais mobilização, mais e mais greve, mais e mais movimento de rua”, gritou o presidente nacional do PT em cima do palco. “Porque eles têm de apanhar nas urnas e nas ruas.”

Horas depois do discurso, Mário Covas foi agredido e apedrejado por professores em greve. O crime aconteceu quando o  governador de São Paulo tentava atravessar a Praça da República, tomada pelos grevistas, depois de sair da Secretaria de Educação.

O ódio contra Bolsonaro não se restringe ao presidente, atinge também seus eleitores. As deformações da democracia brasileira hoje não admitem que se vote em outro candidato — ou mesmo que se vote em branco. O Cuia Café, por exemplo, localizado no térreo do Edifício Copan, um dos cartões-postais de São Paulo, ostenta no balcão uma placa com as palavras “Fora Genocida”. Obviamente, os “genocidas” incluem também aqueles que votam no presidente.

Durante a gravação de um podcast, a chef de cozinha Paola Carosella disse que os eleitores de Bolsonaro são “escrotos” e “burros”. Para a argentina Paola, “é muito difícil se relacionar com quem apoia Bolsonaro. Ou porque é um escroto ou porque é burro”.

Num podcast, o humorista Fábio Porchat também destilou ódio contra quem defende a reeleição do presidente. “Imagina: você cria um filho e ele vota no Bolsonaro”, disse o comediante. “Deus me livre! Ele virou um débil mental. Eu morro de medo de ter filho idiota, filho burro. Imagina ter um filho babaca?”. Porchat fica igualmente indignado quando alguém estranha a sua preferência por um candidato comprovadamente corrupto.

Nesta quarta-feira, 20, o juiz Antonio Carlos Santoro Filho, da 45ª Vara do Foro Central Cível de São Paulo, decidiu que acusar de nazista um simpatizante de Bolsonaro não tem nada de mais. Santoro Filho negou um pedido de indenização feito por 11 pessoas contra o historiador Marco Antônio Villa, candidato a deputado federal pelo Patriotas. O juiz concluiu que Villa, ao afirmar que bolsonaristas são “nazistas”, em vídeos publicados no YouTube, criticou, “a partir de fatos históricos, de maneira absolutamente genérica, sem qualquer individualização, o modo de atuação dos apoiadores do presidente”.

Eleito presidente da República, com 58 milhões de votos, Jair Bolsonaro é insistentemente rotulado de homofóbio, misógino, genocida, racista, fascista, ladrão e ditador, fora o resto. Já foi igualado a Hitler na capa de uma revista semanal, em faixas e camisetas. Também é responsabilizado pelas mortes de Marielle Franco, no Rio de Janeiro, Bruno Pereira e Dom Phillips, na Amazônia, e, agora, pela de Marcelo Arruda, em Foz de Iguaçu. Ainda não foi acusado de provocar o terremoto no Acre.

Diante desse quadro, é muito pertinente a pergunta feita por J.R. Guzzo na Gazeta do Povo: “Quem está agindo com ódio na política e na campanha eleitoral?” Até agora, nenhuma violência contra o chefe do Poder Executivo foi enquadrada na categoria “discursos de ódio”. Pelo jeito, só existe ato antidemocrático quando o alvo da ofensa é dirigente do PT. Ou ministro do STF.


Revista Oeste















publicadaemhttp://rota2014.blogspot.com/2022/07/o-discurso-do-odio-por-branca-nunes.html

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