Jornalista Andrade Junior

segunda-feira, 25 de abril de 2022

'O "inquérito do fim do mundo" e a performance de André Mendonça',

 por Renato Sant'Ana


Estão chamando-o de Judas (não requer explicação) e de Calabar, alusão a Domingos Fernandes Calabar, que, no século XVII, traiu os seus patrícios e se bandeou para o lado dos holandeses que invadiram o nordeste do Brasil. Resultado, passou à história como referência de traidor.

Lembrando. Gozando de imunidade parlamentar, o deputado Daniel Silveira disse uma porção de tolices sobre o STF e seus membros. Bastou para o arrastarem na cambulhada das persecuções penais do Inquérito das Fake News, que Marco Aurélio Melo, ministro do STF (hoje aposentado), chamou de "inquérito do fim do mundo, que nasce natimorto", o qual seria extinto em um exame de constitucionalidade analisado a sério.

Pois André Mendonça que, no julgamento, votou pela cassação do mandato e prisão do deputado Daniel Silveira, ao rebater as críticas, não disse "oh, a lei me obriga a decidir assim!". Nem tinha como dizer, porque, como esclareceu Marco Aurélio, essa pantomima é de todo ilegal.

Em texto precário, Mendonça diz: 

"Como cristão, não creio tenha sido chamado para endossar comportamentos que incitam atos de violência contra pessoas determinadas; e, como jurista, a avalizar graves ameaças físicas contra quem quer que seja."

Ele parece ignorar. Mas um "cristão" não julga seu próximo em nenhuma hipótese. E ao jurista, se investido na magistratura, cabe examinar o caso em concreto e aplicar a lei, somente a lei, nada além da lei, que não é inventada pelo Judiciário, mas estatuída pelo Legislativo.

Simples. Nem toda conduta moralmente reprovável é crime. E sem crime não pode haver condenação penal. Quem afirma o contrário não tem juízo.

E podem folhear o Código Penal, que não vão encontrar a descrição do que fez Daniel Silveira, por moralmente reprovável que seja. Não há crime!

Sim, Marco Aurélio Mello já o disse: "Inquérito das Fake News fere a Constituição. O Supremo não é absoluto." E criticou Dias Toffoli, então presidente do STF, por instaurá-lo em sigilo, sem conhecimento do colegiado, "em afronta à constituição e ao sistema acusatório".

Marco Aurélio também refutou a designação de Alexandre de Moraes para conduzir o inquérito, para ele "escolhido a dedo e desrespeitando o sistema de distribuição automático, regra do Supremo."

Todo cidadão deveria saber (mas até gente formada em Direito ignora-o): "sistema acusatório" é o Direito praticado na democracia. E o "direito inquisitório" é o da "Inquisição" na idade média. Captaram a gravidade?

Entendendo. Num processo criminal conduzido nas regras do "sistema acusatório", os papéis de "investigar e produzir provas", "acusar", "defender" e "julgar" são exercidos por órgãos diferentes.

Sem essa separação de papéis, vira letra morta o que diz a Constituição (art. 5º, LV), em que se prevê, para todo e qualquer acusado, direito ao "contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".

Pois a ex-procuradora-geral da República, Raquel Dodge, opôs-se à conduta de Alexandre de Moraes, que, rasgando a Constituição, conduz o famigerado inquérito agindo, a um só tempo, como delegado de polícia, Ministério Público e juiz; e comparou o STF a um tribunal de exceção, próprio de regimes totalitários. Se isso não é "inquisitório" é o quê?

Aliás, em 27/05/2020, André Mendonça, então ministro da Justiça, emitiu nota para criticar uma operação (desse inquérito!) que invadiu domicílios, apreendeu objetos e deteve pessoas com o pretexto de combater fake news: chamou-a de "atentado contra a democracia."

E agora, fulminando a "imunidade parlamentar" (regra basilar de regimes democráticos), ele condena um deputado e declara: "Mesmo podendo não ser compreendido, tenho convicção de que fiz o correto." Então tá.

Erradamente, ele achou que votar pela absolvição seria endossar as opiniões do réu. Preferiu, por isso, endossar as aberrações do STF.











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