por Vilma Gryzinski
O pior que pode acontecer no caso atual é a divisão da sandice em dois campos, o dos que bradam “Bolsonaro está incinerando a floresta e vai se ferrar” e os que respondem “a floresta é nossa e vamos tocar fogo”.
Apelos à lógica tendem a ser ofuscados pelas paixões políticas, sentimentos patrióticos inflamados e a certeza de que existem respostas simples para fatos complexos.
Consideremos, de qualquer maneira, as seguintes questões:
1. Lembram-se de quando o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia era cheio de “enormes desvantagens”? “Prejudicial” à indústria brasileira? Até a “produção de genéricos pode ser afetada”?
Especialistas especializadíssimos em relações internacionais e diplomatas enciumados, quase uma redundância, cravaram de críticas o acordo quando foi anunciado.
Criticar é um dos maiores requisitos dos participantes do debate, mas as motivações dos envolvidos precisam ficar claras.
Quem criticou só porque o acordo saiu no governo atual é a mesma turma que agora o considera um patrimônio a ser preservado das ameaças representadas pela política ecológica, ou anti, de Jair Bolsonaro.
Todo acordo comercial negociado entre partes soberanas, obviamente, é feito de concessões mútuas em matéria de tarifas, cotas e outras barreiras de acesso aos mercados mútuos.
Eu abro um pouco do meu, você abre um pouco do seu. As vantagens têm que equilibrar as desvantagens para compensar e o objetivo costuma ser este.
Os críticos ideológicos se desqualificam quando não praticam a honestidade intelectual mínima. Ficam no mesmo nível que o kirchnerista Carlos Bianco. Com uma cara de pau típica de raposa frustrada pelas uvas “verdes”, o argentino qualificou o acordo de “tragédia histórica”.
No governo de sua líder, é claro que o acordo foi buscado.
2. Representantes de entidades e países europeus estão fazendo teatro quando dizem que vão se opor ao acordo comercial por causa dos incêndios e queimadas na Amazônia (nem adianta explicar os diferentes biomas e países envolvidos).
“Luxemburgo ameaça Brasil” é de um ridículo sem tamanho.
É claro que todos os países da União Europeia precisam ratificar o acordo, mas a decisão mesmo é da Alemanha.
E a Alemanha quer o acordo.
Aliás, a França também.
Quando Angela Merkel comenta que vai ligar a “Bolsonarro” para desfazer a impressão de que “estamos contra ele”, Boris Johnson concorda e Emmanuel Macron diz “yeah, yeah, yeah”. Isso depois de acusar publicamente o brasileiro de mentir.
Macron está fazendo uma jogada política, voltada principalmente para sua própria imagem.
Fez parte desse jogo chamar o ministro do Exterior do Irã para desembarcar dramaticamente em Biarritz, para conversações paralelas. Flouf, flouf, flouf.
Sobre Donald Tusk (atenção, pronunciado como se escreve, não “Tâsk”, o cara é pomerano polonês, não presa de elefante), ele não tem autoridade nem poder para dizer o que disse.
Lembrando: seria “difícil imaginar” a ratificação do acordo por todos os países da União Europeia “enquanto o governo brasileiro permitir a destruição dos pulmões verdes do planeta Terra”.
Tusk deixa a presidência do Conselho Europeu em primeiro de dezembro próximo, substituído por Christine Lagarde.
Está com a vida garantida, depois de ocupar um cargo tão importante. Virou um player mundial.
Mas leva uma mágoa: a direita polonesa continua no poder que ele ocupou como primeiro-ministro, de 2007 a 2014.
A alta burocracia da União Europeia tentou torpedear o governo polonês de várias maneiras. Uma delas: condená-lo por permitir o aumento do corte de árvores na Floresta de Bialowieza.
A floresta é o último remanescente da cobertura original que se estendia por toda a Europa. Todos os seus 1 418 quilômetros quadrados. A Amazônia tem 5,5 milhões.
Os madeireiros que vivem dela querem uma cota maior de derrubada, o governo e biólogos respeitados dizem que precisam combater um tipo de besouro que ameaça o conjunto florestal e ambientalistas (amparados pela oposição interna e externa) se revoltam.
Em escala micro, é uma reprodução do eterno debate entre desenvolvimento e preservação.
Adivinhem de que lado Donald Tusk está.
Talvez ele até se candidate a presidente da Polônia no ano que vem.
3. Odiar Emmanuel Macron é um exercício de inutilidade para quem tem o dever de tomar decisões políticas e os que as analisam com, pelo menos, a intenção de manter a maior clareza possível (é tão tolo quanto exaltá-lo por ter “enfrentado” Bolsonaro)
Aliás, ninguém odeia mais Macron do que muitos franceses, de direita e de esquerda.
O presidente francês tem um índice de aprovação de 28%, segundo uma pesquisa feita no fim de julho pelo instituto ELABE.
Deve ter ficado com inveja de Donald Trump (acima de 40%) durante a reunião do G7 em Biarritz, mas já esteve pior no auge da crise dos coletes amarelos.
Uma das palavras mais cultivadas por Macron e sua turma é “relançamento”. A capacidade dele de se relançar não deve ser subestimada – aliás, nada deve.
O debate nacional que promoveu quando reagiu à crise quase matou o país inteiro de exaustão – e estamos falando de franceses, com sua enorme disposição à discussão de tudo e de todas as coisas.
Macron é mais do que suficientemente esperto para saber que qualquer popularidade adicional por seu teatro no dossiê Amazônia é passageira.
Choveu depois da estação de queimadas, acabou a crise ambiental.
Os coletes amarelos, em compensação, já começaram a “rentrée”, a volta à ativa depois das férias de verão.
4. A França tem capacidade, bélica e política, de fazer uma intervenção militar no Mali. Não na Amazônia.
Isso para não mencionar a vontade.
5. Assessores de Instagram e Twitter de celebridades não são exatamente especialistas em questões políticas e ambientais. Nem seus representados que se arvoram em defensores da ecologia.
Usar fotos antigas e até de outras regiões ou outros países é a menor das besteiras que cometem.
Geralmente estão ocupados com casos mais complicados, como acusações de traição conjugal, vazamento de vídeos íntimos e até estupro.
Mas a influência dos “influencers” não deve ser menosprezada. As irmãs Kardashian/Jenner são faróis, se não da humanidade, do mundo digital.
Em outubro do ano passado, Cristiano Ronaldo se tornou a pessoa com o maior número de seguidores no Instagram de todo o mundo, com quase 144,5 milhões (Selena Gomez passou para o segundo lugar, mas isso vive mudando).
Alguma mudança na “política de comunicações” do governo – a desculpa eterna – vai mudar a imagem queimada do Brasil?
A resposta simples é: não.
Ser um pouco cínico e dizer que os militares vão ajudar no combate às queimadas muda alguma coisa?
A resposta, igualmente cínica, é: pode ser.
Como os assessores de redes sociais não fazem a menor ideia do que estão falando, muito menos das complexidades logísticas e extensões envolvidas, provavelmente vão dar o assunto por resolvido. Próximo.
Que tal Rezem Pelo Oriente Médio? Sempre dá audiência, embora seja um pouco mais complicado do que defender a floresta.
Detalhe: Ivan Duque, que era considerado a direita de Gêngis Khan por ter sido o candidato de Álvaro Uribe na Colômbia, vai propor um pacto de preservação entre os países amazônicos.
Pronto, virou exemplo. A propaganda é a alma do negócio.
5. Qual é a agenda? Esta pergunta deve ser feita por qualquer analista minimamente interessado na versão mais parecida possível com a verdade quando lê qualquer coisa.
A do New York Times, por exemplo, é detonar Jair Bolsonaro (se o presidente colabora, azar dele) e provar aos já convertidos que Donald Trump é um desastre total e absoluto.
Como isso se relaciona com “A Amazônia em chamas”, o truque jornalístico não exatamente honesto que usa para o assunto em questão?
Oras, Trump abdicou da liderança mundial em assuntos ambientais e a Europa ocupou o lugar. É sério, está escrito lá.
Outros jornalistas entram no campo do delírio, nem vale a pena entender os raciocínios. Franklin Foer escreve na The Atlantic que Bolsonaro “estrila sobre soberania” quando “críticos globais imploram para que acabe com a destruição da Amazônia”.
“Para a reclamação ter efeito, ele deveria ter legitimidade democrática e este revanchista não tem nenhuma.”
Hello, de que planeta este cara está falando?
De um planeta em que qualquer besteira sobre o Brasil passa, até em publicações de alta qualidade, já que ninguém sabe nada do assunto mesmo.
E olhem que Foer escreveu um livro intitulado O Mundo que Não Pensa.
No Telegraph, outro iluminado chamado Harry Hodges escreveu que “precisamos cortar a ajuda externa até que o Brasil encare seu dever de proteger a Amazônia”.
Isso “atingiria Bolsonaro no bolso” – o trocadilho não existe em inglês.
E qual o fabuloso montante da ajuda britânica? Hodges, que estudou em Oxford e tudo, responde: “O governo britânico está em processo de financiar um projeto de 30 milhões de libras para restaurar floresta e promover agricultura biosustentável” no Cerrado.
Hello, 30 milhões de libras. Isso depois de gastar a fabulosa quantia de 24,9 milhões em “projetos focados” na Amazônia e na Mata Atlântica.
Sem querer menosprezar os projetos, mas Hodges precisaria nos ensinar como um governo de Sua Majestade conseguiu proteger ou regenerar quase os 8 milhões de quilômetros quadrados do Brasil gastando menos de 70 milhões de libras.
Esses ingleses são mesmo incríveis, diria Obelix.
7. Não existem conspiradores mundiais que se sentam ao redor de uma mesa e tramam sabotar o governo atual.
Mas ignorar os elementos envolvidos é ingenuidade.
Adicionalmente, quando assuntos ecológicos estão em jogo, não apenas “os de sempre”, esquerdas, ambientalistas, ONGs, igrejas e suas turmas, ficam atiçados, mas também muitos setores à direita.
Distorções, manobras políticas, má fé, mentiras, mistificações e ignorância pura e simples ganham uma credibilidade que não merecem quando existem também negligência e irresponsabilidade sobre o meio ambiente.
Marcar bobeira nessa área é abrir o flanco.
Sem esquecer que estamos num mundo em que é considerado aceitável ou até engraçadinho fazer um cartaz com a imagem de Bolsonaro e a frase: “Queimem os fascistas e não as florestas”.
Veja
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