por Ruy Fabiano
O governo Bolsonaro instalou-se em meio a algumas singularidades. A primeira foi a própria saúde do presidente, que o manteve afastado do cargo por quase um mês. O governo fez dois meses, mas o presidente apenas um no exercício efetivo do cargo.
Essa ausência propiciou ao vice, general Hamilton Mourão, um protagonismo inusitado (e inevitável), que o levou a ser acusado de conspirador, como se apostasse na invalidez do titular.
Crise artificial, mas mesmo assim crise, estampada com alarde nos veículos de comunicação e nas redes sociais.
Outra singularidade é o massacre midiático ao qual nenhum presidente, desde ao menos a redemocratização, foi submetido – nem mesmo Collor, que, um dia após a posse, confiscou a poupança e os depósitos bancários de toda a população.
A tal trégua dos cem dias, tradição habitualmente respeitada, beneficiou a todos, inclusive a Collor, mas tem sido ignorada em relação a Bolsonaro. A cobrança implacável precedeu a posse.
Parte expressiva da mídia, que não queria a eleição de Bolsonaro (e não aceita sua vitória), não desceu ainda do palanque e dá maior relevo a questiúnculas de bastidores que a iniciativas efetivas do presidente. Houve, por exemplo, mais destaque a declarações polêmicas (algumas impróprias mesmo) dos filhos do presidente que ao pacote de segurança ou mesmo ao projeto de reforma da Previdência, questões fundamentais ao país.
Não que aquelas declarações não tivessem eventualmente relevância, mas o senso das proporções, dever elementar do jornalismo, perdeu-se. Até a tragédia da barragem de Brumadinho, ocorrida quando o governo contabilizava duas semanas, tentou-se colocar na sua conta. Restrições que o presidente fez, na campanha, à militância ambiental teriam (vejam só) influído no desastre…
Qualquer governo tem sua montagem e decolagem marcadas por ruídos e embates internos. A do governo Bolsonaro não foi exceção, a não ser pelo fato de que foi tratada como se o fosse.
O ex-presidente Fernando Henrique disse que jamais viu um início de governo tão confuso. Basta, porém, reler as suas memórias para ver que não é bem assim. A diferença está em que contou com o beneplácito dos cem dias (que existe para isso, para permitir a decolagem do governo) e não havia ainda a babel das redes sociais.
O governo Bolsonaro pretende – e por isso se elegeu – quebrar paradigmas. Não se sabe se conseguirá. Eles se relacionam não apenas às práticas políticas que desembocaram na Lava Jato, mas a ações no campo dos valores e da cultura.
Foi também com base nesse compromisso, de cunho conservador, que se elegeu. É natural que haja reações – e é saudável que haja, pois o país há muito tem sido submetido a pautas ideológicas não postas ao debate público. Agora estão sendo.
Por fim, outra singularidade: lidar com o risco de uma guerra na fronteira (Venezuela) em início de mandato, que, longe de um conflito pontual, envolve o interesse de potências antagônicas.
É um momento tenso e delicado, que deveria colocar em segundo plano o varejo dos conflitos partidários. Mas, ao contrário, os acirra e faz com que as forças internas derrotadas ameacem ir à Justiça em protesto contra a decisão de que o Hino Nacional seja cantado nas escolas. Decisão, aliás, tornada lei no governo Lula, em que o ministro da Educação se chamava Fernando Haddad.
A decolagem está se dando em pista esburacada.
Ruy Fabiano é jornalista
Com Blog do Noblat, Veja
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