Por Daniel Ascen
O estudo da economia atual e da aplicabilidade de políticas públicas está muito fundamentado em uma premissa quase axiomática: intervir para melhorar. No entanto, há nisso uma arrogância que é imperceptível para muitos. O conhecimento humano, embora vasto, é fragmentado e disperso entre os indivíduos, como foi bem analisado por Hayek. E isso, aliado à concepção de complexidade da sociedade, nos impede de prever todas as consequências das intervenções econômicas.
A ideia de que podemos controlar ou manipular a economia para atingir resultados desejados muitas vezes ignora uma verdade fundamental: nós não sabemos de tudo.
Frédéric Bastiat (1801-1850), economista e filósofo francês, discute esse tema em seu ensaio O que se vê e o que não se vê. Ele usa a metáfora de um comerciante que teve a vidraça de sua loja quebrada por um garoto. Diante do ocorrido, algumas pessoas alegam que o incidente seria bom para a economia, pois estimularia a produção de vidraças e faria o dinheiro circular.
O que se vê, de imediato, é a movimentação do mercado de vidraçarias. No entanto, o que não se vê, o lado invisível da economia, é que o comerciante perdeu o dinheiro que poderia ter sido utilizado para adquirir outros bens, como sapatos, livros ou capital para expandir seu negócio.
No caso da vidraça quebrada, existe apenas a reposição do bem material vidro. No caso em que não há vidro quebrado, haveria o bem vidro mais algum outro bem produzido para atender à demanda do comerciante. O ganho do vidraceiro é o que outros teriam ganhado, e o comerciante saiu no prejuízo, já que agora possui apenas uma vidraça nova, em vez de uma vidraça e algo mais.
Essa metáfora de Bastiat revela um princípio mais profundo sobre as intervenções na economia: ao focar apenas no que é visível, corremos o risco de negligenciar as consequências invisíveis ou indiretas. Este conceito, que pode ser aplicado tanto a pequenos incidentes quanto a políticas públicas de grande escala, ilustra os perigos de uma visão econômica restrita.
Quando o governo decide, por exemplo, construir uma ponte, o que se vê é a geração de empregos, a compra de materiais e o aparente aquecimento da economia local. Mas o que não se vê são os recursos desviados de outras áreas da economia devido aos impostos, à emissão de dívida ou até mesmo à inflação provocada pela impressão de moeda.
Como enfatiza o economista Ludwig von Mises (1881-1973), o intervencionismo leva a distorções no mercado. Na obra Ação Humana (1949), Mises argumenta que os preços desempenham um papel crucial na coordenação das atividades econômicas, guiando os recursos para onde são mais valorizados, i. e. mais demandados.
Quando o governo intervém, alocando recursos por meio de políticas públicas, altera a estrutura necessária de preços para o entendimento do processo alocativo econômico e, assim, desvia o capital de usos mais eficientes. Isso resulta em um desperdício de recursos e, na maioria dos casos, em uma redução do bem-estar geral (excedente econômico no termo usado pelos economistas) da sociedade. É por isso que um governo comunista não funciona, pois não há alocação eficiente dos recursos, dado a intervenção nos preços.
Henry Hazlitt (1894-1993), em seu livro Economia numa única lição (1946), destaca a diferença entre o bom e o mau economista:
O mau economista vê somente o que está diante de seus olhos; o bom economista olha também ao seu redor. O mau percebe somente as consequências diretas do programa proposto; o bom olha, também, as consequências indiretas e mais distantes. O mau economista vê somente quais foram ou quais serão os efeitos de determinada política sobre determinado grupo; o bom investiga, além disso, quais os efeitos dessa política sobre todos os grupos.
Esta lição é central para entender os perigos das políticas públicas que não consideram as repercussões de longo prazo. Muitas dessas políticas, mesmo que tenham a melhor das intenções, geram desequilíbrios que podem culminar em crises econômicas mais profundas.
Friedrich Hayek (1899-1992), em O Caminho da Servidão (1944), também aborda a questão da arrogância intelectual presente nas políticas intervencionistas. Para Hayek, a ideia de que um planejador central pode direcionar a economia é uma ilusão perigosa.
O conhecimento está disperso entre milhões de indivíduos e é impossível para qualquer entidade centralizada possuir toda a informação necessária para fazer decisões econômicas corretas. A tentativa de controlar a economia por meio de políticas públicas resulta não só em alocações ineficientes, mas também em restrições à liberdade individual. Em última instância, a intervenção excessiva leva a um declínio da prosperidade e ao crescimento do autoritarismo (veja o caso do Supremo Tribunal Federal no Brasil).
Além das questões econômicas diretas, devemos considerar as motivações políticas por trás das intervenções públicas. Muitas vezes, os políticos utilizam obras públicas e outros tipos de intervenções para fins eleitorais, direcionando recursos para seus eleitores ou grupos de interesse específicos. Isso contribui para uma alocação ainda mais ineficiente de recursos, onde o objetivo passa a ser a manutenção do poder político.
A intervenção governamental na economia, mesmo bem-intencionada, carrega consigo a arrogância de presumir que podemos compreender e controlar todas as complexas interações do mercado, ignorando o vasto conhecimento disperso entre os indivíduos, como bem apontado por Hayek e Mises. O "invisível" que Bastiat argumenta, aquilo que não se vê nas consequências indiretas das ações econômicas, muitas vezes resulta em distorções, desperdícios e restrições à liberdade. Dito isso, devemos adotar uma postura de humildade diante da impossibilidade de prever todas as ramificações das intervenções governamentais, reconhecendo que o mercado, com seu conhecimento descentralizado, tende a alocar recursos de forma mais eficiente do que qualquer planejador central poderia.
PUBLICADAEMhttps://mises.org.br/artigos/3470/o-lado-invisivel-da-intervencao-governamental
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