Jornalista Andrade Junior

domingo, 22 de outubro de 2023

A falácia da apropriação cultural

 O “roubo” de algo que ninguém possui Por Joakim Book


Quando eu estava na universidade, certa vez me opus ao uso preguiçoso de “bens públicos” por um colega de classe. Ele usou o termo para favorecer a sua posição política, como um sinônimo do que é bom para a sociedade – apenas um eufemismo velado para o que eu quero que aconteça.

“Bens públicos são coisas que não são rivais nem excludentes”, eu disse, quase cuspindo um livro de economia que estava ali perto. “Os bens sobre os quais você está falando não são nem uma coisa nem outra”.

Ele revirou os olhos de tédio. “Sim, sim, mas isso não é o que as pessoas querem dizer quando falam ‘bens públicos’”.

Estranhamente, acho que ele está certo. Hoje em dia, os critérios claros e exigentes dos economistas com relação aos chamados bens públicos são colocados de lado em favor de algo como “o que penso que seria bom para o público”. E esse pequeno deslize linguístico abre um mundo de políticas econômicas do qual ainda não nos recuperamos.

Tudo hoje em dia são bens públicos. Em um artigo da New York Review of Books de Helen Epstein, aprendemos que a impressão de dinheiro não é importante apenas para os gastos do governo, mas “para melhorias na saúde, na educação, nos transportes, na rede elétrica e nos outros bens públicos que possam promover o desenvolvimento”.

Para os proponentes dos serviços governamentais, tudo o que traz consigo um mínimo de benefícios externos para alguém, em algum lugar, é, portanto, transformado em um “bem público” – que deve ser fornecido pelo governo. Poderíamos desculpar tais convicções, atribuindo-as à ignorância, se não fosse pelos economistas no auge da profissão que abraçam essas opiniões. O vencedor do Prêmio Nobel William Nordhaus é um exemplo disso.

Temos de escavar cerca de trezentas páginas no livro de NordhausThe Spirit of Green, antes do economista admitir que os fracassos governamentais podem ser piores do que os fracassos que ostensivamente enlouquecem os mercados privados. Caso contrário, serão apenas soluções tecnocráticas: arco-íris e unicórnios, bens públicos isto, bens públicos aquilo. Tudo é uma externalidade não corrigida – desde os teclados em que escrevemos até postos de gasolina, hospitais e a linguagem.

Se tudo o que se quer são soluções governamentais, tudo parece um prego do setor privado que precisa desesperadamente ser martelado. No seu livro, Nordhaus argumenta sobre os méritos de internalizar os efeitos externos da poluição e depois estende a lógica aos impostos pecaminosos sobre jogos de azar, fumo, bebidas e armas de fogo. Tal como a poluição, também afetam outras pessoas e, por isso, um planejador social do bem deve intervir. Uma vez que tenha convencido seu público da necessidade de correção governamental para um gás invisível com danos futuros invisíveis, o resto se segue naturalmente.

O que está claro é que, apesar de possuir o prêmio de maior prestígio na profissão de economista e de ser autor de um livro de economia de longa data, o professor Nordhaus não compreende sequer a economia básica da propriedade e da rivalidade. Para os dois critérios do bem público, é o uso concorrente da rivalidade que tem implicações sociais (e, portanto, econômicas).

A propriedade e a posse, não nos seus conceitos jurídicos, mas nas suas funções econômicas, só surgem em condições de escassez. Escassez significa que bens e serviços têm utilização secundária – custos de oportunidade. Com abundância ilimitada, a propriedade e a posse (talvez além de você mesmo) não desempenham nenhum papel: há o suficiente para satisfazer os desejos de todos a qualquer momento. Na vida cotidiana, não atribuímos um preço ao oxigênio no ar porque há sempre o suficiente para todos e os processos naturais da Terra produzem mais dele. É um recurso não escasso; portanto, seu preço é zero e não faz sentido tentar estabelecer propriedade sobre esta ou aquela molécula de ar. (Embora o uso de uma determinada quantidade de ar seja rival, pois ninguém mais pode usar aquele mesmo ar que acabei de inalar, a quantidade sempre presente ao redor é suficiente para que o “ar” bom se torne não rival).

Outro mal-entendido sobre a não-rivalidade é a acusação anti-intelectual de apropriação cultural. Traços culturais, que vão da moda à música, arte, linguagem, inovações ou tradições, são coisas sem dono e intangíveis. No entanto, os progressistas woke não esclarecidos do mundo decidiram que todas as características pertencem (para sempre?) a qualquer grupo que as tenha exercido historicamente.

O que eles ignoram é o conceito econômico básico de rivalidade. Meu uso do inglês – uma língua que não é minha língua materna e da qual me “apropriei” completamente – não impede de forma alguma que outra pessoa use o inglês ou mude o inglês da maneira que preferir (pense em neologismos de adolescentes). O fato de eu aplicar uma receita de décadas atrás no jantar desta noite não tira de forma alguma o prazer de usar a mesma receita. Meu uso da dança, da música ou do sistema de crenças de alguma tribo distante não os impede de forma alguma de dançar, cantar ou acreditar na mesma coisa.

As expressões culturais não têm dono, não têm um proprietário e, mais importante, são ilimitadas. Elas não são rivais no sentido de bens públicos, pois qualquer um pode usar um chapéu mexicano, cultivar dreads, orar a um Deus estrangeiro, tocar os instrumentos tradicionais de alguma tribo distante ou praticar ioga.

Acontece repetidamente que – de forma totalmente hipotética, é claro – uma jovem mulher anticapitalista e woke reclama de alguma característica do ioga moderno, tal como é praticado no Ocidente. Todos nós conhecemos a personagem (se não, o recente acesso de Anita Chaudhuri no jornal britânico The Guardian pode servir como uma boa aproximação).

Suada por causa de uma aula com dezenas de outros estudantes com ideias semelhantes e culturalmente sensíveis, o compromisso dessa hipotética mulher de não se apropriar culturalmente de algo que outros humanos já fizeram é minado pelo menos três vezes pelas suas próprias ações. Primeiro, ela fala inglês, uma língua que se apropriou culturalmente de palavras de todos os lugares, desde o nórdico antigo até as línguas frísia, normanda e germânica (sem mencionar sua exportação para todo o mundo no século passado).

Em segundo lugar, ela acabou de sair de uma sequência física, semelhante à aeróbica, de fluxos acelerados que muitas pessoas no Ocidente tratam como um treino físico; isso é precisamente o que o ioga não foi durante a maior parte de seus cinco mil anos de história. Terceiro, ela é uma mulher (as mulheres aparecem apenas escassamente nos registros históricos da ioga), e sua prática dessa arte antiga teria sido desprezada pela maioria das culturas que ela procura defender.

As contradições performáticas são poderosas, mas a lição é mais ampla: uma prática – como ioga, receitas de comida, moda ou músicas –, feita em qualquer época, lugar ou povo, não pertence a ninguém. São bens não rivais. Eles podem mudar e incorporar coisas diferentes de qualquer outra coisa na vasta gama de tradições emergentes, culturais e artísticas da humanidade. As sinfonias de Mozart não precisam ser executadas apenas por europeus brancos nos esplêndidos salões de Viena; os carros e a cultura automobilística não são controlados apenas pela demografia que contribuiu para a sua invenção. Ninguém é dono de culturas; ninguém governa as culturas; e ninguém pode impedi-lo de usá-las. Portanto, você pode misturá-las e alterá-las da maneira que desejar.

Alguém poderia pensar que o tipo de pessoa em sintonia com a celebração da diversidade, elogiando a tolerância pelas diferenças uns dos outros e abraçando os caldeirões deveria entender isso. Infelizmente, não.

 

Esse artigo foi originalmente publicado em https://mises.org/wire/cultural-appropriation-nontheft-something-no-one-owns











PUBLICADAEMhttps://mises.org.br/artigos/3209/a-falacia-da-apropriacao-cultural


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