por Sílvio Navarro
Disposto a viabilizar sua candidatura à Presidência, João Doria tenta emparedar até a polícia contra as manifestações do dia 7
A exatas duas semanas daquela que se anuncia como a maior manifestação popular desde que a pandemia trancou os brasileiros em casa — o “7 de Setembro em defesa da liberdade” —, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), decidiu atear mais fogo no já inflamado cenário político do país. Numa canetada, afastou o coronel da Polícia Militar Aleksander Lacerda do Comando de Policiamento do Interior (CPI-7), em Sorocaba, que engloba cerca de 78 municípios da região. E conclamou outros governadores a defenderem o Supremo Tribunal Federal (STF) contra “bolsonaristas” de farda e “psicopatas” que participarem dos protestos.
Na cabeça de Doria, que parece mais obcecado que nunca em seu devaneio de que chegará à Presidência no ano que vem, “estamos diante de um momento gravíssimo da vida nacional”. Segundo ele, temos um golpe militar em curso para restaurar a ditadura e fechar o Supremo e o Congresso Nacional. E o gatilho será justamente a aglomeração dos brasileiros sem máscaras na Avenida Paulista no feriado cívico. “Há sinais de que, pela proximidade do 7 de Setembro, movimentos sejam promovidos por bolsonaristas, “bolsominions” e psicopatas que seguem o presidente Bolsonaro, para defender a ditadura e um regime autoritário no Brasil. Nós resistiremos”, disse, de acordo com o jornal O Estado de S.Paulo.
A ofensiva contra a Polícia Militar foi um passo desnecessário e arriscado
É legítimo o fato de Doria se opor politicamente a uma manifestação no coração do seu Estado. Manifestação que tem potencial para fortalecer seu principal rival no tabuleiro eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro. O tucano já deixou claro que tentará até o limite se viabilizar como uma via alternativa ao choque entre o atual presidente e Lula. Mesmo porque, como bom enxadrista, Doria sabe que as chances de se reeleger ao governo paulista seriam remotas, e a corrida ao Palácio do Planalto é o que lhe deve restar — será menos vergonhoso para o político ser derrotado numa disputa federal do que perder a reeleição. A ofensiva contra a Polícia Militar, contudo, foi um passo desnecessário e arriscado, segundo analistas ouvidos pela reportagem de Oeste durante a semana.
Doria irritou a PM ao declarar que está usando a Inteligência da Polícia Civil para rastrear a atuação dos militares — inclusive perfis particulares em redes sociais. Ao afirmar abertamente que monitora cada passo dos oficiais, a temperatura esquentou. “O policial, antes de ser militar, é brasileiro e tem direito de se manifestar em suas redes privadas”, diz o coronel e piloto de helicóptero da PM Marcio Tadeu Anhaia de Lemos, eleito deputado federal pelo PSL.
“O afastamento do coronel Aleksander Lacerda foi uma situação chata, embora lícita”, afirmou o deputado Coronel Tadeu. “É importante lembrar que se trata de uma relação desgastada: em 2018, o governador prometeu em campanha a recomposição salarial dos policiais e não aconteceu; então ele quebrou o compromisso. Em junho de 2019, num ato grosseiro, deu um ‘pito’ num coronel antigo porque ele estava usando o celular para fazer a ata da reunião. E, em outubro de 2019, na cidade de Taubaté, chamou um grupo de veteranos de ‘vagabundos’”.
Em post no Twitter, o capitão da Rota (Rondas Ostensivas Tobias Aguiar) e deputado Guilherme Derrite (PP-SP) afirmou que a polícia é tratada como uma força “de governo e não de Estado”:
Afinal, o policial militar pode ou não se pronunciar como cidadão? O regulamento da PM diz: “Aos militares do Estado da ativa, são proibidas manifestações coletivas sobre atos de superiores, de caráter reivindicatório e de cunho político-partidário”. É aí que mora a confusão.
Para milhares de brasileiros que estarão nas ruas, os atos serão em defesa das liberdades individuais. Que foram tolhidas por arbitrariedades do monstrengo jurídico criado pelo Supremo, que enveredou em prisões, censura e quebras de sigilos. Ou até pela CPI da Pandemia — que a cada dia desperta metamorfoseada sabe-se lá em quê. Leia-se: essas manifestações dos policiais militares não são atos em defesa do governo Bolsonaro, o que justificaria postagens como a do coronel e de qualquer um em suas redes privadas. Por outro lado, é evidente que os militares apoiam o presidente e não se intimidam com a pressão de Doria. É o caso, por exemplo, do coronel Homero Cerqueira, da Polícia Militar, que fez nova convocação aos veteranos em vídeo:
Para o governador paulista, o 7 de Setembro está tomado pela agenda bolsonarista, o que justificaria sua decisão como chefe da tropa militar. Resolvido o impasse se foi ou não um ato administrativo legítimo — e está claro que foi legítimo —, fica a pergunta no ar: por que Doria tem pavor do povo nas ruas, chancelado pela PM, no momento em que seu gabinete da covid já não para mais em pé para as coletivas diárias?
Dois assessores do Palácio dos Bandeirantes ouvidos por Oeste afirmaram que Doria subiu um degrau na escala de tensão nas últimas semanas. Pediu para ser entrevistado amistosamente pela TV Cultura no programa Roda Viva, na última segunda-feira, 23. E reagiu com palavrões ao aperto de mão entre Lula e o senador Tasso Jereissati (CE), que desistiu do rótulo de “Joe Biden dos trópicos” conferido pelo Estadão para disputar a Presidência. Também xingou entre quatro paredes o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), pela declaração na reunião virtual desta semana: “Ficam mandando pedra e mais uma vez vamos cair na vala da polarização, de caminhos opostos”, disse o mineiro. “Se o presidente tem defeitos, deveríamos apontar também o Supremo, que libertou bandido de altíssima periculosidade. O fórum de governadores se manifestou a respeito?”
Em seguida, o tucano encomendou aos marqueteiros um vídeo para circular nas redes sociais em setembro. Nele, se apresentará como “o responsável por vacinar o Brasil na guerra contra a covid” — um compilado de postagens de anônimos emocionados diante da seringa, celebridades de quinta, youtubers agradecidos e famosos que morreram. Ficará o alerta de que o mal seguirá à espreita. Nessa “acelerada da vacina”, terá como principal cabo-eleitoral o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes.
Tudo isso vai durar até março, leitor. Depois, o governador deixará a cadeira, como fez no passado, para sair em busca de um projeto pessoal que nasceu errado e só tem um lado — o dele. Ou alguém duvida que o que João Doria queria mesmo era um 7 de Setembro para chamar de seu?
Revista Oeste
PUBLICADAEMhttp://rota2014.blogspot.com/2021/08/um-7-de-setembro-para-chamar-de-seu-por.html
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