Jornalista Andrade Junior

quinta-feira, 3 de abril de 2025

Fracassos pastorais

 Valdemar Munaro


    Subsidiadas por 'teologias' ascendentes, as Campanhas da Fraternidade promovidas pela CNBB desde 1962, mostram que o rosto pastoral e evangelizador da Igreja no Brasil tem escasso e superficial efeito. Não é preciso uma requintada observação para ver, nesses anos todos, que a fraternidade entre nós não aumentou e o egoísmo não diminuiu. Algum fracasso pastoral ronda os investimentos dessa 'evangelização' e merece honesto exame.

Costumeiramente, as Campanhas não tem energia própria e viajam nos ombros da liturgia quaresmal com objetivos paralelos ao da penitência, contrição e perdão dos pecados com vistas à celebração dos mistérios da paixão, morte e ressurreição de Cristo.

A teologia da libertação é a grande fornecedora dos subsídios teóricos das referidas Campanhas, mas, sendo um espinheiro, é incapaz de produzir uvas e figos (cfr. Mt 7, 16). Os textos que idealizam a árvore da fraternidade estão carunchados de kantismo e hegelianismo. O resultado: catequeses essencialmente moralistas, temperos sociológicos refinados, dicas sobre ecologia e meio ambiente, recomendações econômicas e políticas, juízos comportamentais acerca da convivência humana.

As fraternidades indicadas por Jesus, porém, pedem claramente um tipo de amor raro, impossível à moralidade: "Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, abençoai os que vos maldizem e orai pelos que vos injuriam... Se amais os que vos amam, que recompensa mereceis. também os pecadores amam aqueles que os amam" (Lc 6, 27s).

Nenhum ser humano pode viver esse amor se não estiver enxertado na Graça divina, pois Cristo mesmo disse: 'sem mim nada podeis fazer" (Jo 15, 5). A elevação da natureza é pressuposto imprescindível sem o qual, os homens permanecem aprisionados à miséria, à morte, ao egoísmo e à violência.

A catequese kantiana, por sua vez, põe seu bedelho para apertar ainda mais a corda moral que nos aprisiona e sufoca. Os conflitos, as mágoas e os ressentimentos estão nas raízes dos afetos e das relações humanas, coisa que os românticos, contaminados de hegelianismo, não querem ver. Em razão disso, propõe comportamentos que a soberba, a vaidade endêmica e o pecado, torna impraticáveis. Mesmo assim, os 'teólogos' elevam-se do seu lugar e, julgando-se capacitados para julgar vivos e mortos, avaliam os não praticantes da fraternidade. A teologia da libertação fomenta o surgimento de almas justiceiras e ansiosas por 'juízos finais', mas a fraternidade que propõe goela abaixo, vem inspirada pelo tirânico socialismo espiritual que não é de Cristo.

Revolucionários franceses de 1789, russos de 1917, maoistas de 1950, cubanos de 1959, etc... também ostentavam bandeiras de igualdade e fraternidade. Daqueles ideais nada sobrou, exceto amargura, dor, sangue, violência e morte.

Os 'carteiraços' morais astutos e 'mansos' endereçados aos fieis a fim de que pratiquem as ditas fraternidades, é uma canalhice pastoral semelhante àquela dos que enviam soldados desarmados e raquíticos às guerras.
O hegelianismo, pai do marxismo, também meteu-se nesse imbróglio teológico para condimentar fraternidades com ideais surrealistas. Demente, propõe soluções idealistas que a complexidade dramática da convivência humana não suporta.

Enquanto os existencialistas agudizam os dramas humanos históricos e temporais, os idealistas, perigosamente, descem a campo para implementar engenharias sociais. Assim, quando kantianos, idealistas hegelianos e existencialistas, na contramão do Evangelho, subsidiam teologias cristãs, o que ocorre é a metamorfose das exigências de Cristo em ações meramente éticas e cívicas.

Certamente, os ideais de fraternidade cristã, como os descritos nos Atos dos Apóstolos (4, 32-35), sempre foram imperfeitos, anônimos e escassos. Apenas a sabedoria divina os pode julgar e tornar possível. É preciso levar em conta seriamente, pois, que as relações e vivências humanas podem ser belas e verdadeiras, mas também fúteis e banais, hipócritas e farisaicas.
O fingimento e o desamor, a vaidade e a mentira são mais recorrentes e fáceis do que se imagina. "Tra il dire e il fare, c'é in mezzo il mare', diria um proverbio italiano. As aparências, quase sempre, enganam. O que se diz nem sempre é o que se faz e o que se faz nem sempre é o que se diz.

Por estas e outras tantas razões, deduz-se que as carências fraternas não serão jamais preenchidas por meio de catequeses morais, cantigas de roda e técnicas diplomáticas, espirituais e psicológicas como sugerem as Campanhas.

S. Agostinho (430 d. C), entre os grandes da Igreja, resume, magistralmente, o enigma da vida fraterna cristã: "Beatus qui amat te et amicum in te et inimicum proter te" (Feliz quem te ama, o amigo em ti, o inimigo por ti) (Conf. 4, 9). Quer dizer, só o amor capaz de dar a vida ao inimigo produz a autêntica fraternidade. Quem for capaz de amar nessa medida, será um santo ou um idiota: idiota se não souber o que faz e santo se souber que o amor com que ama vem de Deus, pois inimigos não são aqueles que odiamos, mas aqueles que nos odeiam e amá-los, incondicionalmente, é coisa impossível à nossa condição, mas possível a Deus.

O protestante Karl Barth (1886 - 1968), enfeitiçado pelo existencialista S. Kierkegaard (1813 - 1855), ponderou que o bom teólogo deve olhar duas fontes: a Bíblia e o jornal. Não disse, porém, qual deve ser a primeira leitura, já que é impossível ler duas coisas ao mesmo tempo. É a Escritura que ilumina o jornal ou é o jornal que ilumina a Escritura?

No século XIII, S. Tomás de Aquino sabia dessas questões, mas respondeu que o esforço filosófico começa pela admiração e contemplação das criaturas até chegar progressivamente ao conhecimento de Deus. O teólogo, ao invés, tem o privilégio de um caminho inverso, partindo de Deus para chegar às criaturas, pois conhece estas últimas numa luz mais perfeita que a racional. "A essência da criatura\", diz textualmente o doutor angélico, "está para a essência de Deus como o ato imperfeito está para o ato perfeito. Eis por que a essência da criatura não nos conduz de modo suficiente, ao conhecimento da essência divina; o mesmo, porém, não se dá com a investigação em sentido inverso" (S. Theol., I, q. 14, a. 6. ad 2).

Como se conclui, a autêntica teologia cristã sobrevive na e pela verdade revelada. A vantagem cristalina e gratuita do teólogo é maior se comparada à posição do filósofo, porque, antecipadamente, vê o mundo a partir da luz que vem das verdades reveladas. Nestas, compreende luminosa e profundamente o sentido da história, do mundo e do homem. A teologia cristã, enfim, encontra na Revelação seu sentido, sua origem, sua compreensão e sua sobrevivência.

Prescindir de Cristo, portanto, é uma corrupção teológica. Os problemas ecológicos, políticos e econômicos quando essencialmente priorizados sobre os revelados traduzem a pressa do teólogo pelo juízo final. Com efeito, boa parte da produção teológica contemporânea, transportada em carroças kantianas, embrulhos hegelianos e molduras existencialistas, transformaram os Evangelhos em catequeses morais que não suscitam conversão, nem mudança de vida. Não é tarefa do teólogo ser juiz do mundo, nem ser seu ceifador.

Por serem soberbas e ansiosas, essas teologias ascendentes, contaminadas de exigências históricas, apelos transversais e ressentimentos, jogam os fieis sempre mais profundamente no interior da arena política enlameada de conflito e malandragem. Como e quando, infelizes e pobres fieis católicos ou não, poderão vislumbrar alguma saída para o caldeirão infernal de ressentimentos e conflitos em que se encontram, se as tais 'fraternidades' tão esperadas e tão alardeadas, se baseiam essencialmente em apelos morais e mandamentos cívicos?

O imperador romano Constantino (272 - 337 d. C.), bom estrategista, mas teólogo ignorante, fez deslizar o poder político para dentro da ortodoxia cristã e da organização eclesiástica, dando-lhe pompa e visibilidade. Já o reino franco de Carlos Magno (742 - 814 d. C.), agudizou o problema ao permitir que prelados e teólogos interviessem nas reuniões políticas e administrativas e condes, duques e príncipes dessem palpites nos concílios, sínodos e assembleias episcopais. A saúde profética da Igreja se deteriorou com reis metendo-se em assuntos eclesiais, mas piorou com intromissão de bispos e teólogos em poderes políticos.

Constatar, portanto, a religião cristã buscando amparo teológico em filosofias ímpias e inimigas é desolador, mas também o é, ver teologias buscando amparo nos engodos e na podridão dos poderes políticos. O quadro, como se conclui, é triste: teologias mendigando sustento de poderes políticos apodrecidos e corruptos e poderes políticos corruptos e apodrecidos mendigando apoio de teologias.

Tal parece ser o retrato de uma Igreja que mandou às cucuias Jesus Cristo e seu Evangelho. Se racionalistas, aos moldes kantianos e idealistas (hegelianos e marxistas), absolutamente hostis ao Filho de Deus, galgaram um lugar para subsidiar as teologias, é porque estas últimas finalmente degringolaram.

Nas artérias da teologia da libertação, enfim, encontramos resíduos doutrinários já ensinados pelo líbio, Ario (256 - 336 d. C.) e pelo bretão, Pelágio (350 - 243 d. C.). Ambos inteligentes, lábios afiados e de boa retórica, foram teólogos que aceitaram e recolheram de Jesus unicamente seu exemplo moral. O arianismo e o pelagianismo jogaram fora a divindade de Cristo e retiveram apenas sua humanidade. Exatamente como faz o iluminista Immanuel Kant (1724 - 1804), o teólogo Rudolf Bultmann (1884 - 1976) e quase toda Teologia da Libertação.

Ignorar o poder do pecado e da morte, do ressentimento e da mágoa, da preguiça e da indolência, do tédio e do vazio, da incapacidade humana de amar e perdoar, é não saber da visceral necessidade que o pecador tem de Cristo e de sua Graça para ser cristão. Se Jesus não for levado a sério como Filho de Deus, vivo e ressuscitado, deixará de ser a causa e razão de nossos vínculos fraternos e de nossa fé.

Teólogos à espera de uma fraternidade que eles mesmos não conseguem viver, são apenas moralistas e juízes de plantão.
*            O autor, Valdemar Munaro, é professor de Filosofia.

















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