Jornalista Andrade Junior

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

Judiciário escancara necessidade de uma profunda reforma administrativa e moral

 Gabriel Wilhelms 


Nesta semana, o presidente do STF Luís Roberto Barroso arguiu que o Judiciário estaria em uma “linha de tiro das críticas de maneira geral”, complementando que algumas dessas críticas seriam justas, mas “frequentemente injustas”. Também neste mês, Barroso teve uma declaração sua a respeito do custo do Judiciário brasileiro corrigida por meio das notas da comunidade do X, vendo-se compelido a retificar a informação: em uma tentativa de apequenar o peso orçamentário do poder por ele presidido, ele havia declarado na cerimônia de abertura do ano Judiciário que a cifra de 1,2% do PIB (referente a um gasto de R$132,8 bilhões do Judiciário em 2023, segundo dados do CNJ) englobaria também o Ministério Público e a Defensoria Pública; a informação foi desmentida por usuários do X, de modo que o Judiciário sozinho foi responsável pelo montante. Nessa mesma ocasião, ele também havia defendido que as críticas ao custo do Judiciário eram injustas e “supervalorizadas”. Respondamos ao ilustre ministro com os dados.


Nessa mesma semana, na qual o presidente do STF voltou a choramingar o quão injustos os críticos são com os pobres togados descamisados, O Globo publicou um levantamento atestando que o Judiciário pagou próximo de R$7 bilhões “acima do teto” em 2024. Essa ainda é uma cifra modesta, já que ela desconsidera benefícios mais comuns como auxílio-moradia, auxílio-alimentação, auxílio-saúde e gratificação natalina. Quando consideramos também esses benefícios, chegamos a R$12 bilhões pagos acima do teto no ano passado. Já um levantamento do mesmo teor feito pela UOL também chegou a um valor semelhante: R$13 bilhões. Segundo a UOL, 9 em cada 10 juízes ou promotores ganharam acima do teto em 2024.


Apenas para ilustrar um dos penduricalhos que compõem a obscenidade: em 2023, tanto o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) quando o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) permitiram que a chamada licença compensatória (benefício concedido a integrantes do Judiciário e do Ministério Público pelo acúmulo de funções, criado em 2015, mas até então limitado ao teto) fosse paga fora do teto. A licença concede um dia de folga a cada três trabalhados, podendo a folga ser convertida em dinheiro.


Com base em dados do Tesouro Nacional, para 2021, divulgados em janeiro do ano passado, o Brasil tem o Judiciário mais caro do mundo, com um gasto com tribunais que corresponde a 1,61% do PIB contra uma média global de 0,37%. Nem preciso dizer que, malgrado o vultoso gasto, estamos muito longe de ter a justiça mais eficiente.


Mesmo se considerássemos apenas os valores permitidos pela letra expressa da lei, já estaríamos lidando com juízes, promotores e servidores de um país pobre, ganhando muito mais do que seus análogos em países ricos. Porém, além disso, há uma farra generalizada com pagamentos fora do teto. Nossa Constituição estabelece de forma clara que nenhum servidor pode receber remuneração superior ao teto que, a nível federal, corresponde ao salário de ministros do STF (atualmente R$ 46.366,19). Essa prescrição constitucional não existe por acaso, servindo tanto a um propósito de controle fiscal quanto de moralidade (se com teto fazem o que fazem, imaginem o que fariam sem ele). A redação constitucional é muito clara, mas há muito que nossos patrimonialistas profissionais deram um “jeitinho” e passaram a se autoconceder toda sorte de penduricalhos que, segundo eles, não seriam remuneração e não estariam sujeitos ao teto.


Não obstante esse estado de coisas, os privilégios absurdos, tocados aqui apenas na superfície, o presidente do STF se acha em posição de reclamar dos críticos. Ao menos não podemos acusar Barroso, ou a maior parte de seus pares da suprema corte, de incoerência. Ora, de que vale o texto constitucional quando se normalizou que a Constituição seja solenemente ignorada? Não é o próprio Barroso quem já atacou a obediência à vontade do legislador, defendendo uma interpretação casuística das leis? Já não virou rotina a abertura de inquéritos de ofício, eternos, com diligências sigilosas, para investigar coisas que não são tipificadas como crime? Com tal exemplo dado pela própria suprema corte, quem pode esperar que tribunais país afora, ou o Ministério Público, deixem eles mesmos de fazer interpretações casuísticas e em benefício próprio? Em tese, nos resta o direito da crítica, mas até quando? Quanto tempo para inventarem que reclamar do obsceno, imoral, indecente, promíscuo, vil, ignóbil, ilegal, leviano, indecoroso, infame desrespeito ao teto constitucional por parte dos nossos muito respeitáveis magistrados é ataque às instituições?


Só diz que uma reforma administrativa não é necessária quem a) é beneficiário direto ou indireto dos ditos privilégios (eufemismo para assalto aos nossos já minguados bolsos) ou b) tem a pretensão, realista ou não, de se tornar beneficiário de tais privilégios. Precisamos não só tolher os penduricalhos, mas de uma profunda reforma administrativa para combater o cancro patrimonialista no âmbito institucional. Na mesma toada, também necessitamos de uma reforma moral na máquina pública. Como querem que o cidadão confie nas instituições e na justiça quando, sendo até humilde, mas não um néscio, ele vê seu suado dinheiro sendo subtraído, revertido em grande para o pagamento de subsídios impensáveis para a arraia-miúda, remunerações estas tratadas como “insuficientes”, engordadas com penduricalhos, flagrantemente inconstitucionais, e tudo isso operado por muitos dos que são responsáveis por nada mais nada menos do que a correta e proba aplicação da lei?


Fontes:


https://www.poder360.com.br/poder-justica/judiciario-entrou-na-linha-de-tiro-das-criticas-diz-barroso/


https://www.poder360.com.br/poder-justica/comunidades-do-x-corrigem-barroso-sobre-custo-do-judiciario/


https://www1.folha.uol.com.br/poder/2025/02/barroso-diz-que-criticas-a-gastos-do-judiciario-sao-injustas-e-supervalorizadas.shtml


https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2025/02/17/judiciario-paga-quase-r-7-bi-de-remuneracoes-acima-do-teto-salarial-em-2024.ghtml


https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2025/02/17/9-em-cada-10-juizes-no-brasil-ganharam-mais-que-os-ministros-do-stf-em-2024.htm


https://www.poder360.com.br/economia/brasil-lidera-ranking-mundial-de-gastos-com-tribunais-de-justica/

















SPUBLICADAEMhttps://www.institutoliberal.org.br/blog/justica/judiciario-escancara-necessidade-de-uma-profunda-reforma-administrativa-e-moral/

0 comments:

Postar um comentário

Twitter Delicious Facebook Digg Stumbleupon Favorites More