Leonardo Correa
A decisão de Gilmar Mendes concede uma extensão dos efeitos da suspeição do juiz Sérgio Moro, inicialmente reconhecida no habeas corpus de Luiz Inácio Lula da Silva, ao ex-ministro José Dirceu. Contudo, Scalia e Garner argumentam que o papel do juiz é aplicar a letra da lei conforme seu significado ordinário e não reinterpretá-la com base em contextos que transcendem o seu escopo literal. No caso, o artigo 580 do Código de Processo Penal (CPP) permite a extensão de decisão apenas “no caso de concurso de agentes”, mas não estabelece critérios extensivos subjetivos ou políticos para cada acusado, focando no compartilhamento de crimes, não em uma estratégia alegada de “consórcio político-partidário”.
Mendes fundamenta sua decisão em uma suposta intenção dos membros da Operação Lava Jato de fragilizar um grupo político específico, apontando conluios entre o ex-juiz Moro e os procuradores. No entanto, sob uma análise textualista, tais motivações externas à lei não deveriam influenciar uma decisão judicial, pois o textualismo rejeita qualquer adição extratextual que atribua novos significados ou propósitos ao texto. Como Scalia aponta, um juiz fiel ao texto se absteria de expandir os significados em áreas não explicitamente cobertas pelo texto.
O artigo 580 estabelece que a extensão de uma decisão é cabível quando se trata de “motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal”. Mendes, entretanto, amplia o conceito de “não exclusivamente pessoal” ao considerar uma suposta “aliança política” como suficiente para justificar a extensão de suspeição a outro réu. De acordo com Scalia e Garner, esse tipo de abordagem incorre em uma falácia intencionalista, isto é, o juiz interpreta o que ele acredita que deveria ser a intenção legislativa, não respeitando a limitação do texto legal que requer um “concurso de agentes” em sentido direto e não inferências amplas de conluio.
No pensamento textualista, a interpretação de uma lei deve se manter previsível e objetiva para assegurar segurança jurídica. Mendes desconsidera isso ao estender, com base em “intenção política”, uma decisão de suspeição de parcialidade de Moro em relação a um caso específico (Lula) para outros acusados (José Dirceu) sem base no texto literal do CPP. Scalia e Garner seriam críticos de uma decisão que, para alcançar um objetivo supostamente mais “justo”, compromete a previsibilidade do direito.
Mendes cita diálogos da Vaza Jato e outras evidências para argumentar que a Lava Jato agia com motivações políticas. Contudo, Scalia e Garner argumentam que o papel do juiz não é reinterpretar o texto legal para ajustar seus resultados às intenções percebidas dos envolvidos no caso. Para o textualismo, o que importa é o que o texto legal prevê, não a possibilidade de intenções ou interesses políticos. A decisão deveria se concentrar no que a lei estipula sobre os requisitos para extensão, sem expandir suas aplicações para ajustar a interpretação a considerações subjetivas ou políticas.
Sob uma análise textualista, a decisão de Gilmar Mendes falha em limitar-se ao escopo exato do texto do artigo 580 do CPP. O texto legal prevê uma extensão somente quando há concurso de agentes, em sentido objetivo e processual. A decisão, ao fazer inferências e introduzir fatores externos como motivações políticas, desconsidera o significado literal e o contexto original da lei, ultrapassando os limites que o textualismo prescreve para assegurar interpretações consistentes, previsíveis e objetivamente vinculadas ao texto.
Tal como a carta de um velho amigo, guardada com zelo no fundo da gaveta, as palavras da lei mantêm um propósito sereno e claro, esperando que os olhos as leiam sem preconceitos ou excessos. Mas, nesta decisão, o juiz, ao abrir a gaveta, não pôde resistir à tentação de escrever nas margens, acrescentando aos parágrafos de outrora as cores das inquietações do presente. Como um poeta que, ao tentar adornar um clássico com notas pessoais, acaba por sufocar-lhe a essência, o texto legal, simples e direto, foi sobrecarregado de novas intenções. Assim, como diria o Bruxo do Cosme Velho, quem conhece o caminho das palavras e as trilhas sutis da interpretação saberá que, às vezes, o mais puro respeito reside no silêncio das mãos que se abstenham de escrever.
publicadaemhttps://www.institutoliberal.org.br/blog/justica/critica-sob-a-otica-textualista-da-decisao-do-ministro-gilmar-mendes/
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