Jornalista Andrade Junior

domingo, 1 de setembro de 2024

O devido processo legal morreu?

 Por Equipe INSTITUTO MISES BRASIL 


A recente decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de bloquear as contas da Starlink no Brasil para garantir o pagamento de multas aplicadas à rede social X, de propriedade de Elon Musk, levanta sérias preocupações quanto à observância dos princípios fundamentais do devido processo legal, consagrados na Constituição Federal.

O devido processo legal, previsto no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, assegura que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal". Esse princípio garante que todas as partes em um processo judicial tenham seus direitos plenamente respeitados, incluindo o direito ao contraditório e à ampla defesa. No contexto de responsabilização patrimonial de sócios ou administradores por dívidas da pessoa jurídica, o artigo 50 do Código Civil, combinado com os artigos 133 a 137 do Código de Processo Civil (CPC), estabelece a obrigatoriedade da instauração do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica.

O Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica é uma ferramenta processual essencial que visa evitar a aplicação arbitrária da desconsideração, garantindo que haja uma análise criteriosa sobre a existência de abuso da personalidade jurídica, seja por desvio de finalidade ou por confusão patrimonial. Esse incidente proporciona um espaço para o contraditório, onde os sócios ou administradores podem se defender e apresentar provas antes de serem responsabilizados com seu patrimônio pessoal.

Entretanto, ao determinar o bloqueio das contas da Starlink sem a prévia instauração do incidente previsto nos artigos 133 a 137 do CPC, o ministro Moraes violou claramente esses dispositivos legais. Essa decisão representa um atropelo ao devido processo legal, ignorando as etapas necessárias que asseguram que a desconsideração da personalidade jurídica ocorra de forma justa e dentro dos parâmetros legais.

E como se não bastasse a violação ao devido processo, essa decisão ainda é marcada por um verdadeiro "duplo mortal carpado" jurídico. A Starlink não é sócia do X, nem o X é sócio da Starlink. Portanto, não basta desconsiderar a personalidade jurídica do X para atingir diretamente a Starlink; isso exigiria que a desconsideração alcançasse a controladora do X, que, ao que parece, não é a Starlink. Ou seja, há um salto enorme sendo dado para atingir o patrimônio da Starlink sem qualquer base sólida para tal.

Além disso, para que a Starlink fosse responsabilizada, seria necessário demonstrar que ela está sujeita às regras de confusão patrimonial ou desvio de finalidade, o que deveria ser alegado antes de ser provado, em um procedimento adequado. Sem essa demonstração, a decisão de atingir os bens da Starlink se torna ainda mais arbitrária e desconectada dos parâmetros legais estabelecidos.

Por fim, é crucial notar que a superação da personalidade jurídica requer um pedido formal por parte interessada, neste caso, o credor. Entretanto, parece evidente que o credor das multas aplicadas ao X não é Alexandre de Moraes. O interesse tutelado, que nesta situação se mostra confuso, deveria estar sob a responsabilidade do Ministério Público ou da Advocacia-Geral da União (AGU), que teriam a obrigação de requerer e fundamentar as razões pelas quais a superação da personalidade jurídica se impõe. A ausência de tal pedido formaliza ainda mais a arbitrariedade da decisão.

Ludwig von Mises, em sua obra "Ação Humana", enfatiza a importância da segurança jurídica e da previsibilidade das ações estatais como bases indispensáveis para a liberdade individual e o desenvolvimento econômico. Para Mises, a intervenção estatal que ignora as regras claras do devido processo legal, como neste caso, onde o poder judicial ultrapassa os limites estabelecidos e age de forma arbitrária, representa uma ameaça direta à liberdade econômica e à estabilidade social.

Friedrich Hayek, em "O Caminho da Servidão", alerta para os perigos do controle centralizado e da expansão do poder estatal sem as devidas restrições legais. Ele argumenta que quando o Estado, ou o Judiciário, se torna o árbitro absoluto, sem respeitar o devido processo, a liberdade individual é inexoravelmente comprometida, levando a uma sociedade menos livre e mais controlada.

Além das questões jurídicas e institucionais, é fundamental considerar as externalidades negativas dessa decisão. A Starlink, por meio de sua tecnologia de satélites, proporciona acesso à internet em áreas remotas da Amazônia, onde dezenas de milhares de pessoas dependem dessa conexão para ter acesso à informação e comunicação básica. Adicionalmente, o agronegócio brasileiro, especialmente em sua forma mais sofisticada e de ponta, depende diretamente da tecnologia da Starlink. Máquinas agrícolas autônomas, que operam com precisão milimétrica via GPS, são essenciais para manter a competitividade do setor no cenário global.

Se a Starlink for impedida de operar no Brasil por conta dessa decisão, as consequências podem ser devastadoras. A agricultura de precisão, que é vital para o aumento da produtividade e a sustentabilidade do agro, sofrerá um grande impacto. As áreas remotas, muitas vezes desassistidas pelo poder público, ficarão ainda mais isoladas, perdendo a única fonte de conexão com o mundo.

Portanto, além de violar o artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, e os artigos 133 a 137 do Código de Processo Civil, essa situação evidencia uma perigosa realidade: o país está sob uma plena ditadura do Judiciário. As decisões unilaterais, sem respaldo nos procedimentos legais e sem observância das garantias constitucionais, estão substituindo o devido processo legal. O poder judiciário, que deveria ser o guardião das liberdades e direitos fundamentais, tem se transformado em um instrumento de imposição de vontades pessoais, colocando em xeque a própria democracia e o Estado de Direito no Brasil. Como Hayek advertiu, este é o caminho que leva à servidão, onde o controle centralizado sobre a vida dos indivíduos se torna a norma, e não a exceção, comprometendo não apenas a liberdade, mas também o desenvolvimento econômico e social do país.

 

Autores

Leonardo Corrêa

Helio Beltrão

Sidney Stahl

Pedro Lunardelli

Walter Wigderowitz Neto

Victor Chang

Mario Conforti

Rodrigo Marinho

Ronald Hillbrecht

Felipe Pestana

Cristiano Carvalho

























PUBLICADAEMhttps://mises.org.br/artigos/3437/o-devido-processo-legal-morreu

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