Jornalista Andrade Junior

segunda-feira, 30 de setembro de 2024

O voto dos pobres

  Ubiratan Jorge Iorio


“Porque, pobres, sempre os tereis convosco e, quando quiserdes, podeis fazer-lhes bem; a mim, porém, não Me tereis sempre.” (Mc 14,7)


Com a proximidade das eleições, está aberta a temporada bienal de caça aos votos dos pobres. São incontáveis os exemplos de políticos populistas, no passado e no presente, no Brasil e no mundo inteiro, que, sabendo que a pobreza sempre existiu e vai existir, colocam-se como protetores dos necessitados, mas cujo verdadeiro objetivo, longe de defendê-los, é garantir sua permanência na pobreza para assim amealharem eleitores cativos. É a indústria da pobreza, cuja taxa de retorno costuma variar em proporção direta com a ignorância e a desinformação do eleitorado. Se pensarmos um pouco, não será difícil concluirmos que o socialismo e as ditaduras em geral, no final das contas, nada mais são do que a institucionalização dessa exploração do povo pela classe política. Muitos políticos, assim como artistas e “intelectuais” que nunca viveram a pobreza na carne, agem como sanguessugas que se alimentam das dificuldades alheias. A pobreza para eles é apenas uma fonte generosa de votos, prestígio, riqueza e poder, e os pobres são a água necessária para alimentar essa fonte.


Populistas não passam cinco minutos sem apelar para o discurso da igualdade, mas a verdade — inalterável como toda verdade — é que os indivíduos nunca foram padronizados, e, portanto, sempre existiram e continuarão a existir “desigualdades”. Por isso, buscar a igualdade absoluta de resultados é um propósito que apenas pode ser alcançado pela força e que fatalmente torna todas as pessoas pobres de marré deci, como aconteceu em todos os experimentos socialistas realizados até hoje. Nos dias atuais, qualquer pessoa minimamente informada, por mais que a velha imprensa tente esconder, sabe disso, graças ao extraordinário avanço tecnológico nas telecomunicações que proporcionou uma revolução sem precedentes nos fluxos de informações e é por isso que os políticos populistas detestam a internet e sempre inventam pretextos para limitá-la e regulá-la.


A pobreza sempre esteve e estará presente no mundo. Nos países desenvolvidos ela também existe, só que em graus inferiores aos existentes nos atrasados. Muitos pobres norte-americanos, por exemplo, seriam facilmente incluídos na classe média brasileira, assim como um brasileiro de classe média hoje seria considerado um ricaço, caso vivesse — com os mesmos padrões de consumo que desfruta no Brasil — na Venezuela arrasada pelo socialismo tão amado pelo governo brasileiro atual. Isso significa que a abordagem correta para atacar esse mal deve ser a de procurar diminuir a pobreza relativa, o que equivale, em termos internacionais, a fazer a queda em nossa pobreza absoluta ser maior do que a das sociedades desenvolvidas e, em termos internos, a aumentar o porcentual de não pobres em relação à população total, mas sem empobrecer quem é rico.


Há dois modos de escapar ao dever de solidariedade humana que se impõe às boas consciências. O primeiro é por omissão e revelador de más intenções, egoísmo, preguiça, ódio e outras deformações do espírito, e o segundo, embora muitas vezes vestido com a capa das “boas intenções”, consiste no erro de julgar que se pode combater a pobreza e erradicar a miséria sem que se tenha o conhecimento adequado dos processos geradores de riqueza, prosperidade e progresso, o que leva ao maior distanciamento da solução e, portanto, ao agravamento do problema. O primeiro modo denota egoísmo ou falta de caridade, e o segundo, falta de conhecimento ou, em alguns casos, ausência de ética ou tendência para o totalitarismo, uma vez que caridade, solidariedade, amor e outras virtudes morais, para que sejam virtudes, devem ser voluntárias, e não impostas, porque nesse caso são apenas extorsões do Estado contra os cidadãos. Em outras palavras, não se pode buscar implantar a virtude do altruísmo mediante o pecado da coerção.


As causas da pobreza e da riqueza são recíprocas; isso significa que, quando se rejeita o que gera progresso, se aceita inevitavelmente o que produz atraso. Para combater de verdade a pobreza, é preciso antes saber de cor e salteado quais são as causas da formação da riqueza, tanto a individual como a das nações. Certa vez, em uma universidade em que lecionava, convidaram-me para assistir a uma palestra de um economista tido por muitos como um grande “especialista em pobreza”. Não o conhecia, “mas tudo bem” — pensei com meus dois botões da camisa polo —, “deve ser um perito em combater a pobreza, e o que vai dizer pode ser interessante”. Mas logo em seguida, à medida que o sujeito falava, comecei a detectar traços claros de marxismo, suspeita confirmada quando propôs a criação de um novo imposto, o que me levou a concluir que se tratava, sim, de um especialista em pobreza, mas em perpetuá-la. Cá entre nós, economistas que se especializam em “pobreza” não são como médicos mestres em assassinatos, advogados experientes em burlar leis ou, para usar uma linguagem mais branda, esquimós entendidos em calor? O apego agourento à pobreza, de fundo ideológico ou populista, ou ambos, é uma doença abominanda que precisa ser erradicada.


O processo gerador de riqueza é como um espetáculo teatral: se os atores, o roteiro, a direção e o cenário são bons, é preciso apenas uma boa história, um bom script, para que a peça seja boa. A diferença entre os liberais e os ditos progressistas é que os últimos, embriagados pelo construtivismo racionalista e pelo populismo, desejam que o Estado, direta ou indiretamente, se aposse da apresentação, impondo a todos o cenário, o roteiro, o script, a rigorosa distribuição dos papéis e os preços dos ingressos, para uma peça cujo teor e resultados são preconcebidos e determinados. Já os liberais não creem em histórias completamente planejadas e, logo, seu script não é totalmente previsível, pois é baseado em performances individuais autônomas, sujeitas a mudanças subjetivas.


Para os economistas liberais, a criação de riqueza é um conjunto de ações em que os atores econômicos atuam livremente, acatando as molduras legais e institucionais e dando vazão à sua criatividade, tal como um concerto de jazz, em que os músicos improvisam sobre um tema, porém sempre “empreendendo”, ou seja, criando figuras que respeitam a harmonia e o ritmo. Nessa parábola simples, os atores correspondem aos cidadãos ricos em capital humano e criativos, o roteiro é flexível, o cenário equivale a boas leis, segurança jurídica, instituições sólidas e que garantam os direitos individuais básicos, e o script é livre.


O assistencialismo dos pretensos progressistas nos remete a algo terrível — a uma triste farsa representada no palco —, que é o fomento, nas comunidades de baixa renda, da pobreza comportamental, constituída pela relativização moral, a ruptura de valores sólidos e a degradação da conduta. Isso gera obstáculos à constituição de famílias sadias, cria dependência em relação à ajuda oficial, destrói a ética do trabalho, bloqueia as aspirações educacionais e a busca do sucesso pessoal, além de prejudicar a criação dos filhos, aumentar o número de mães solteiras e incentivar o crime, o abuso do álcool e o uso de drogas.


O Estado assistencialista vê-se, então, às voltas com um dilema: os programas de combate à pobreza, além de materialmente infrutíferos, agravam a pobreza comportamental, o que significa que, além de lesivos e desagregadores, aumentam a pobreza como um todo, o que, aliás, já fora temido pelo próprio Roosevelt, o presidente do New Deal, que se referia aos “efeitos narcóticos” do Estado de bem-estar.


Combater a pobreza para valer requer a criação de um ambiente institucional e legal que proporcione trabalho. A solução não está no determinismo econômico que sugere que Fulano é pobre simplesmente porque é pobre e que, portanto, sempre vai ser pobre e precisar das esmolas do Estado; e nem que ele é pobre porque Beltrano é rico e que, por conseguinte, é preciso tirar de Beltrano para entregar a Fulano; e nem tampouco nos determinismos de origem genética, racial, de gênero ou de “opção sexual”. Se essas teorias determinísticas fossem válidas, os homens, respectivamente, ainda estariam vivendo em grutas ou cavernas, todos seriam iguais na pobreza por decreto, as abomináveis teorias nazistas estariam corretas e não poderia haver nenhum negro, índio, mulher e homossexual conseguindo subir na vida graças aos próprios esforços.


Você já se perguntou se, caso o programa Bolsa Família fosse extinto abruptamente, seus beneficiários voltariam a ser pobres como antes? A resposta foi afirmativa, não é isso? Eis a prova incontestável de que não funcionou


São erradas e lesivas as políticas que estimulam os pobres a esse comportamento autodestrutivo, a viverem como animais em cercados esperando que seu dono (o Estado) lhes provenha alimento, casa, emprego e roupa gratuitamente. Por isso, no que tange à eliminação das causas da pobreza, os programas que dão aos pobres “bolsas” disso ou daquilo são inúteis. Estimulam o ócio e a preguiça e desestimulam os verdadeiros elementos que geram riqueza. Quando muito, podem ajudar somente em situações emergenciais, mas infelizmente, na prática, parece que nesses casos as emergências costumam ser eternas, como observou Hayek quando criticava as “políticas de desespero permanente”.


Você já se perguntou se, caso o programa Bolsa Família fosse extinto abruptamente, seus beneficiários voltariam a ser pobres como antes? A resposta foi afirmativa, não é isso? Eis a prova incontestável de que não funcionou. Iniciativas desse tipo não podem ser transformadas em bolsas-votos, como os governos de esquerda fizeram no Brasil. Têm que ter, antes de tudo, prazo predeterminado de entrada e saída e estar associadas à educação, ao ensino de profissões e a avaliações individuais de desempenho.


Para erradicar a miséria e combater a pobreza, a primeira coisa a ser feita é tratar os pobres como seres humanos, e não como bois, dotá-los de senso de responsabilidade individual e social e mostrar a eles a importância dos valores morais tradicionais — como honestidade, trabalho, frugalidade e respeito ao próximo — que, infelizmente, vêm sendo progressivamente torpedeados pelos que fazem da fome e precariedade alheias o próprio e generoso ganha-pão. O populismo é um mal desnecessário, não só porque ilude os pobres, mas porque os mantém na pobreza e implica mais Estado na vida das pessoas.


Vale registrar, por fim, que voto de pobreza é muito diferente de voto da pobreza. O primeiro, característico de certas ordens religiosas, é um propósito, um compromisso de baixo para o alto que o indivíduo assume com Deus, uma promessa de desapego de riquezas materiais, feita voluntariamente, por livre opção; o segundo é uma imposição do alto para baixo, sobreposta pelo Estado aos indivíduos, uma trapaça, uma vigarice para iludir os eleitores pobres e impedi-los de realizar o que para muitos é a sua única aspiração — reta, por sinal —, que é a de sair da pobreza e progredir na vida.


*Artigo publicado originalmente na Revista Oeste.










PUBLICADAEMhttps://www.institutoliberal.org.br/blog/politica/o-voto-dos-pobres/

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