Percival Puggina
O alerta à margem da ferrovia é, também, recomendação para a vida numa sociedade política. Vivemos bombardeados pela informação, pela desinformação e pela contrainformação. A vida nos ensinou quanto é enganoso o território da política, onde há pouca vida ativa além das aparências, encenações, narrativas e mentiras mais deslavadas com vistas ao poder. O que muitos políticos fazem por conta própria em desfavor da sociedade supera de longe o que sobre eles é dito em fake news.
Anteontem, 28 de maio, o Congresso Nacional manteve o veto do ex-presidente Bolsonaro à tipificação de crimes contra o Estado Democrático de Direito, entre eles a criminalização das fake news nas eleições.
Reflita sobre os seguintes problemas reais da política e da democracia à brasileira:
- instituições onerosas e não funcionais;
- presidencialismo, em que o governo se vende aos partidos e, mesmo assim, precisa comprar votos pessoais dos parlamentares a cada deliberação no parlamento, desonrando os dois poderes;
- eleições de parlamentares pelo sistema proporcional, distanciando representantes de representados;
- fabuloso financiamento de partidos e campanhas eleitorais;
- sistema de apuração confidencial;
- intenso protagonismo político de um poder sem voto (STF/TSE);
- ameaças e ações contra a liberdade de expressão nas redes sociais, restringindo a propagação das opiniões e o acesso a elas.
Pare, olhe, escute. E pense! Nosso país tem, sim, gravíssimos problemas que afetam a democracia e provocam consequências políticas, sociais e econômicas. Dentre esses, dos quais não se fala para que não se deem mal os que com isso se dão bem, as notícias falsas são um problema menor! Por que geram tanta celeuma? Fica evidente que o empenho em as combater é engano ou ilusão. O que sai ferido é a liberdade de expressão! Basta observar quem mais se empenha contra elas aqui, no mundo livre e onde a liberdade já foi perdida.
Não faz sentido caçar borboletas e poupar os gafanhotos. Como explicar que, de repente, as tais fake news sejam o assunto de que mais se fala e as redes sociais tratadas como vilãs da política nacional, a atrapalhar os democráticos ditames emanados do Olimpo brasiliense? Será por acaso que essa obsessão iniciou com a propagação das ideias conservadoras e liberais através das redes sociais? “A liberdade de expressão não é um direito absoluto”, repetem à exaustão, até que não seja direito algum.
As “narrativas correm soltas! Sobre essas mentiras estruturadas, de amplo espectro, quanto papel já gastei escrevendo! De seu uso e abuso, montadas em laboratório, o atual presidente é protagonista, propagandista e mestre internacional!
Reproduzidas com o vigor dos meios culturais, as narrativas são, hoje, parte do repertório e gênero literário com que formadores de opinião do jornalismo militante na velha imprensa se dedicam a pentear as bobagens descabeladas emitidas pelo governo da União. Delas quase não se fala! Dos sigilos de que o poder se reveste, também não. Dos fatos silenciados, tampouco. Sobre fake analysis exibidas nos grandes veículos, nem um pio. Perigosas, as narrativas são, também, o invólucro ideológico com que o ambiente educacional brasileiro abastece o mercado de cabeças feitas e cérebros encolhidos. Por si sós, elas são muito mais nocivas do que as notícias falsas. E ninguém pensa em fechar os estabelecimentos de ensino devido à militante pedagogia freiriana.
A liberdade de expressão, paradigma de todo bom constitucionalismo democrático, nunca foi tão bem servida quanto após o surgimento das redes sociais. Ela envolve a liberdade de opinar e a de receber opiniões em profusão. Apesar do entulho autoritário, das ameaças e dos idiotas que propagam fake news, elas ainda são o que de melhor dispõe a sociedade para promover seu próprio debate político, com autonomia. Silenciar alguém agride, simetricamente, um direito de todos os que têm cortada essa conexão. Dispersa e compartilhada na sociedade, a liberdade de expressão rompeu a hegemonia da Rede Globo. Agora, temos censura e, em nome da democracia, há quem lute pelo direito de ampliá-la a gosto.
Quem assim tem procedido nos poderes de Estado, repito, tem usado com largueza a prerrogativa de impor sigilo sobre tudo que não quer ver exposto ao conhecimento público. Pare, olhe, escute. Pense! Não se deixe distrair por manobras diversionistas.
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