Jornalista Andrade Junior

segunda-feira, 29 de abril de 2024

A paranoia ambientalista

 Ubiratan Jorge Iorio


“Há algum limite de quantas pessoas podem viver no planeta? Provavelmente. Entretanto, para enxergar como essa pergunta é enganosa e sem sentido, considere o medo do jovem John Stuart Mill de que um número finito de notas musicais significava que havia algum tipo de limite absoluto para a quantidade de músicas possíveis.”

O filósofo e economista John Stuart Mill (1806-1873), inegavelmente, era um jovem brilhante — embora, segundo as línguas ferinas de alguns biógrafos, um tanto matusquela —, mas o seu maior engano ao expressar o estranho medo citado, além da desatenção com a velha análise combinatória e do desconhecimento da arte da composição musical, foi rigorosamente o mesmo de Thomas Malthus (1766-1834) e, 200 anos depois, dos profetas “progressistas” atuais: subestimar a capacidade criativa dos homens.

Os adivinhos de hoje, essa elite pseudointelectual e política — os ungidos, na nomenclatura de Sowell — têm se arrogado cada vez mais o direito de delimitar costumes, leis e códigos pretensamente morais e de impô-los aos habitantes da Terra. O método utilizado por essa gente consiste em manipular notícias, esconder o sol com a peneira e fazer de gato e sapato quem ousa discordar de suas supostas boas intenções e sapiência. Mas, a esta altura dos acontecimentos, a peneira esgarçou e revela o fracasso de suas narrativas, abrindo passagem para os raios fúlgidos da luz do bom senso, para desespero da festejada intelligentsia (ou “burritsia”, como dizia com humor o saudoso embaixador Meira Penna).

Não obstante o compromisso indisfarçável com a desinformação da velha imprensa, que a faz repercutir somente pautas convenientes à agenda “progressista”, quem busca fontes seguras sabe que em vários países da Europa está acontecendo um levante de agricultores, que vêm entupindo as cidades com seus tratores e caminhões em protesto contra o tratamento que têm recebido da burocracia da União Europeia e dos governos dos seus países, todos comprometidos com a chamada Agenda 2030 e, em particular, com uma de suas barrigas de aluguel favoritas, as “mudanças climáticas”.

Parece ser a deflagração de um motim continental, animado pelo barulho estrondoso das máquinas e municiado pela fuzilaria fétida do estrume que despejam, enquanto se exige uma revisão das políticas nacionais e da União Europeia que, por sua inadequação, inconsistência e arbitrariedade, vêm infernizando a vida dos manifestantes. Porém, se a imprensa tradicional tenta esconder, a internet não perdoa e vem mostrando imagens impressionantes em diversos países, revelando que os agricultores não estão para brincadeira e parecem dispostos a encarar uma guerra de sobrevivência contra os fanáticos do meio ambiente que infestam a União Europeia, vários governos nacionais e as redações, universidades, museus e palcos da Europa e de todo o Ocidente.

Na Alemanha, ainda em dezembro e janeiro, já se assistira a um caos nas ruas de Berlim. Na França, podemos ver enormes filas marchando em direção a Paris e bloqueando as entradas da cidade com tratores, caminhões e blocos de feno. Há vários registros de protestos também na Romênia, na Polônia, na Suécia, em Portugal, na Lituânia, na Grécia e na Itália. Na Bélgica, bloquearam as estradas de acesso ao Porto de Zeebrugge e, na capital Bruxelas, agricultores amotinados de diversos países jogaram ovos e pedras na sede do Parlamento Europeu e queimaram pneus, feno e atiraram esterco perto do imponente prédio, exigindo que os políticos fizessem mais para ajudá-los, com a redução dos impostos e dos custos crescentes provocados pelo fanatismo climático que tomou conta das cabeças obcecadas pelas loucuras da Agenda 2030 da ONU, do Fórum Econômico Mundial e de centenas de organizações não governamentais abarrotadas de recursos e caracterizadas pela certeza arrogante e autoritária dos ungidos.

José María Castilla Baró, representante da Asociación Agraria de Jóvenes Agricultores (Asaja), o sindicato espanhol da categoria, resumiu em poucas palavras o problema: “Queremos acabar com essas leis malucas que chegam todos os dias da Comissão Europeia”. Arnaud Rousseau, chefe do sindicato francês Federação Nacional dos Sindicatos dos Operadores Agrícolas (FNSEA), foi um pouco além: “O que está acontecendo neste momento é reflexo do acúmulo de regras que inicialmente você aceita até que se tornam demais”. O agricultor belga Adelin Desmecht, referindo-se aos custos de produção elevados, às taxações insuportáveis e à enorme burocracia, foi mais incisivo: “Se continuarmos como estamos, o fim da agricultura será o fim da civilização”.

Ao que parece, os agricultores finalmente decidiram colocar as cartas na mesa, depois de sucessões de medidas unilaterais das autoridades prejudiciais à sua atividade. E tudo indica que contam com o apoio das populações de seus países, que, enfim, perceberam o óbvio: sem agricultura não há comida suficiente, e sem comida não se sobrevive. A atestar isso, algumas cenas dos protestos mostravam motoristas de tratores e caminhões em suas boleias sendo saudados pela população, lembrando as entradas triunfais dos soldados aliados em cidades europeias no final da Segunda Guerra. Em Paris, os taxistas estão apoiando os protestos e paralisando o trânsito com a opération escargot (“operação caracol”). Não é difícil entender a adesão popular: quem, em são juízo, vai aceitar abrir mão de uma picanha para comer um gafanhoto? Será que os figurões da UE, dos governos de esquerda, da ONU, de Davos, da Open Society, dos partidos verdes e das ONGs ambientalistas vão mesmo comer “carnes” de laboratório no almoço e besouros no jantar?

A retratar a visão que os ungidos querem nos fazer engolir sem nos deixar mastigar, 11 das 12 matérias jornalísticas que consultei (92%) antes de começar a redigir este artigo atribuem a revolta dos agricultores à influência da “extrema direita”. A honrosa exceção na minha pequena amostra coube — sem espanto — ao artigo de Tom Slater (A revolta contra as elites verdes), publicado na edição de Oeste da semana anterior. Segundo o establishment, os protestos em toda a Europa ocorrem em um momento em que os “ultradireitistas”(ou “extremistas de direita”) veem nos agricultores um eleitorado crescente, tendo em vista as eleições de junho para o Parlamento Europeu.

Líderes políticos da casta dos ungidos, como o primeiro-ministro francês Gabriel Attal, estão preocupados e tentando acalmar o barraco: “Em toda a Europa, surgem as mesmas perguntas: como podemos continuar a produzir mais e melhor? Como podemos continuar a enfrentar as mudanças climáticas? Como podemos evitar a concorrência desleal de países estrangeiros?”. Sua resposta — a mesma de todos os políticos progressistas — é um conjunto de promessas que cheiram a naftalina, tais como aumentar o protecionismo em nível francês e da UE, impedir importações baratas de produtos que usam pesticidas vetados na Europa e obrigar que os rótulos dos alimentos indiquem se os produtos são importados. Mas os equívocos não ficam apenas aí, porque a Comissão Executiva da UE já tem propostas para limitar as importações de produtos agrícolas da Ucrânia. Já o primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar, fez eco ao presidente francês, Emmanuel Macron, em oposição à assinatura de um acordo comercial com o Mercosul na sua forma atual. Ora, de que isso vai adiantar, se esse acordo já nasceu morto?

Só que os agricultores já descobriram “onde está Wally” e insistem por menos impostos e pela supressão das regras ambientais. Registre-se que os subsídios agrícolas continuam elevados na Europa, e a única diferença é que ultimamente passaram a apoiar a “agenda verde”, com bilhões de euros destinados às agriculturas ecológica e orgânica, à preservação de paisagens rurais, à produção local e ao uso menos intenso de insumos. Ora, qualquer economista sabe (ou deveria saber) que, além de custar mais, isso reduz a produtividade e, portanto, a competitividade.

Afinal, o que está por trás das cenas cinematográficas dos protestos? O estopim foi o aumento do imposto sobre o diesel, estabelecido pela UE com vistas a reduzir o uso dos combustíveis fósseis, o que elevou os custos de produção e prejudicou os produtores, com o agravante de que não há um substituto para o diesel nas propriedades rurais. Mas essa é apenas a ponta do iceberg. A coisa vai muito além, e não é exagero dizer que do seu desfecho depende a própria sobrevivência da civilização ocidental.

O fetiche das “mudanças climáticas” é apenas um dos muitos perigos inseridos em um plano maior urdido por um grupo de ungidos cuja obsessão é a de concentrar o seu poder e tomar conta das nossas vidas, na suposição de que somos um bando de egoístas ignorantes e que eles, sim, é que são os portadores das boas intenções.

As principais queixas dos produtores rurais são contra os aumentos sucessivos na tributação, a queda progressiva dos subsídios que sempre caracterizaram o setor primário europeu e a competição “desleal” (segundo eles) dos agricultores de outros continentes, especialmente os brasileiros. Até aí, morreu Neves: quem quer que seja beneficiado por leis protecionistas costuma pôr a boca no trombone quando a proteção diminui. Mas essa revolta pode ter resultados positivos, pois ao pleitear erradamente a volta do protecionismo os agricultores indiretamente estão — mesmo que não tenham consciência disso — exigindo uma reviravolta nas cada vez mais absurdas exigências ambientais estipuladas pela União Europeia, com suas metas despropositadas para a redução de emissões de gases de efeito estufa, que prejudicam enormemente a sua competitividade, assim como pressionando por limites à enorme burocracia.

A verdade é que o grande vilão em toda essa história atende pelos nomes de paranoia ambientalista ou fanatismo climático lunático. Com efeito, os governos nacionais e a União Europeia vêm se esmerando, sob o aplauso de praticamente toda a imprensa, em criar dificuldades para os produtores rurais sobreviverem. Na Alemanha cortaram o subsídio para o diesel, e na Holanda o uso de defensivos agrícolas, fertilizantes nitrogenados e até mesmo, em alguns casos, a utilização de água foram simplesmente proibidos, o que, segundo os agricultores daquele país, poderá eliminar 30% deles do processo produtivo.

O fetiche das “mudanças climáticas” é apenas um dos muitos perigos inseridos em um plano maior urdido por um grupo de ungidos cuja obsessão é concentrar o seu poder e tomar conta da nossa vida, na suposição de que somos um bando de egoístas ignorantes e que eles, sim, é que são os portadores das boas intenções e desfrutam do conhecimento “científico” que os capacita a nos fazer felizes, desde que à sua maneira. Os outros componentes desse plano sórdido — as suas mascotes, como as chama Sowell — são bastante conhecidos e estão todos contidos na Agenda 2030, disfarçados com rótulos bonitos, mas com a pureza e castidade de uma Messalina, a Vênus Imperial: igualdade racial, diversidade de gênero, eliminação de desigualdades, educação sexual, “humanização” de criminosos, laicidade do Estado, defesa do “estado democrático de direito”, combate a fake news, repúdio a “discursos de ódio” etc.

Para pôr em prática o seu “plano do Pinguim”, os candidatos a donos do mundo fazem uso de um método bem conhecido e já desmascarado, que consiste em, primeiro, exagerar um problema e criar um alarmismo sobre ele, com base supostamente “científica” (mas que não admite o debate científico), e, segundo, decretar a sua “solução”, rejeitando qualquer discordância quanto a ela como “simplista” ou mal-intencionada e submetendo quem diverge ao bullying midiático e ao “cancelamento”. Não é difícil antecipar que a União Europeia e os governos “progressistas” de vários países vão fazer de tudo para não abrir mão da sua pauta e, dado o alinhamento de suas ideias escangalhadas com as do atual governo do Brasil, vão aumentar as pressões já existentes para nos impô-la, com a habitual ajuda dos militantes de redação, de cátedra e de toga. É preciso peitar essa gente e mostrar que já é mais do que tempo de deixarem as vaquinhas e os seus donos em paz. A dupla farsa das mudanças climáticas e do controle populacional já deu o que tinha que dar. O clima sempre “mudou”, e os homens sempre foram criativos.

*Artigo publicado originalmente na Revista Oeste















PUBLICADAEMhttps://www.institutoliberal.org.br/blog/ecologia/a-paranoia-ambientalista/

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