por Roberto Motta
Esse é um povo consciente, informado, que está preparando para si mesmo um novo país, uma nova política; que ainda espera por novos líderes que sejam dignos dele
“No Brasil, contudo,
sempre foi a esquerda um movimento de elites intelectuais
que controlam a mídia, as cátedras universitárias
e os periódicos de grande circulação.”
O. de Meira Penna, A Ideologia do Século XX,
Vide Editorial, 2017, p.30
Onde estão os líderes da direita? Será que essa liderança se resume ao presidente Bolsonaro? Conseguirão os liberais e os conservadores continuar a existir sem outros líderes? Presencio essa discussão quase todo dia. Quando ela me envolve — o que também acontece com frequência —, eu acrescento um pedido: me apontem outros legítimos líderes políticos brasileiros, independente de ideologia.
Uso o termo liderança no seu melhor significado: liderança é a capacidade de inspirar e de mobilizar um número suficiente de pessoas para criar um projeto político relevante. Nesse sentido, e independente de qualquer julgamento de valor, não há paralelo na história recente para o fenômeno Bolsonaro.
A “liderança” da maioria dos caciques políticos brasileiros sempre foi baseada no uso bruto do poder, no controle dos meios de comunicação, na apropriação da máquina pública para interesses partidários e no uso de políticas populistas destruidoras de liberdade e riqueza, concebidas com fins exclusivamente eleitorais.
Acreditava-se que a submissão a esse jogo político de cartas marcadas era o destino irremediável do povo, mantido em rédeas curtas através de uma criminalidade cada vez mais violenta e ousada, de uma carga tributária insustentável e de uma burocracia que torna o cidadão refém de leis, regras e regulações infindáveis.
As pessoas queriam falar do país — do salto para a frente que ficara incompleto, da esperança frustrada de prosperidade e liberdade, da insegurança jurídica que ameaça tudo
Para entender o que pode ter mudado, preciso contar uma história.
Em uma tentativa de descansar a cabeça e esquecer as surpresas diárias e assustadoras do “novo” governo, peguei minha amada e as crianças e fui rever parentes queridos nas Alagoas.
Não reencontrei a Maceió que eu conhecia; ela não existe mais. Como era inevitável, foi substituída por avenidas, bairros novos e uma orla de edifícios luxuosos. Se não reencontrei essa parte do passado, encontrei algo mais precioso: esperança.
Permitam-me explicar como.
Há quem acredite que o que aconteceu no Brasil nos últimos quatro anos foi um fenômeno passageiro, uma espécie de moléstia que se pega e da qual se cura; um tipo de febre terçã, que provoca excitação e delírios de liberdade impróprios a um povo cujo dever é a submissão. Curada essa doença, voltamos à nossa rotina normal: pagar a metade de tudo o que ganhamos em impostos, votar a cada dois anos para legitimar quem nos explora e escapar do bandido na esquina.
Há quem ache que o homem comum é tolo, cego, surdo e preguiçoso, dependente da mão piedosa do Estado e de suas esmolas, todas coloridas artificialmente pela ideologia da justiça social.
Há quem pense que ainda vivemos na década de 1980. Naquela época, o cidadão médio se informava através de dois ou três jornais impressos e alguns poucos canais de televisão, monopólios cuidadosamente controlados, de uma forma ou de outra, pelo onipresente Estado.
Essa época ficou para trás.
Os sinais estão em toda parte. Inclusive nas Alagoas.
Os primeiros foram as bandeiras.
Foi meu filho que notou. “Pai, eu nunca vi um prédio com tantas bandeiras do Brasil”, ele me disse, apontando um edifício no bairro da Ponta Verde. Havia bandeiras no prédio do lado. Em outros próximos também.
Na praia, carrinhos de ambulantes passavam cheios dos produtos que os microempreendedores de Maceió oferecem aos turistas: milho cozido, drinques, diversos tipos de caldo. Vários carrinhos traziam, tremulando ao vento de Pajuçara, pequenas bandeiras brasileiras.
Eu estava dentro do mar — o mar verde e quente de Maceió, o mar típico do Nordeste de minha infância — quando uma senhora se aproxima, pergunta se eu sou eu mesmo, puxa conversa. O assunto é o que está na cabeça de boa parte das pessoas: a situação do país, os acontecimentos dos últimos meses, os desatinos do “novo” (des)governo.
A conversa continua na areia, com outras pessoas. Ouvi perguntas que muitos querem fazer, mas não têm a quem perguntar; algumas dessas perguntas foram feitas com certo receio, em tom mais baixo, olhando para os lados. Expressar opinião em público se tornara, no verão de 2023, sob o sol de Maceió, um esporte de risco.
Essa mesma conversa se repetiu uma, duas, muitas vezes. No mirante que avança sobre o mar da Ponta Verde; em caminhadas pelo calçadão lotado de turistas; nos aeroportos.
O assunto nunca era o calor, o Carnaval ou o futebol.
As pessoas que olhavam de longe, chegavam de mansinho e me abordavam timidamente queriam falar sobre outras coisas. Elas queriam falar do país — do salto para a frente que ficara incompleto, da esperança frustrada de prosperidade e liberdade, da insegurança jurídica que ameaça tudo. Do temor pelo futuro dos filhos.
Depois de conversar e tirar fotos comigo, elas se despediam, com variações da mesma pergunta: “O que será de nós?”. Essas pessoas entendiam muito bem o que estava acontecendo no país. Elas não me pediam informações; elas buscavam esperança. A ironia é que eu, nessas mesmas conversas, encontrei precisamente o que elas procuravam.
Descobri que o Professor Olavo tem alunos em Maceió. Na entrada de um hotel, em uma cidadezinha perdida no litoral alagoano, um dos rapazes da recepção, que trabalham levando as malas dos hóspedes, veio rápido falar comigo.
“Não perco nenhum dos seus programas”, ele disse, com um sorriso que me comove até agora.
Nos meus programas, eu não falo de culinária, nem de fofocas, nem de dieta — eu falo de literatura, de política, de economia, de história, de justiça e de liberdade.
Todas as pessoas que vieram falar comigo assistiam a meus programas; muitas tinham lido meus livros.
Isso pode ser tudo, menos o Brasil de 1980.
Esse não é mais um povo adormecido, enganado, sempre à espera de migalhas. Nem é um rebanho de ovelhas, à espera de um salvador.
Esse é um povo consciente, informado, que está preparando para si mesmo um novo país, uma nova política; é um povo que ainda espera por novos líderes que sejam dignos dele. Líderes que, tenho certeza, sairão desse mesmo povo — desses milhões de brasileiros que experimentaram, pela primeira vez, o gosto verdadeiro da liberdade.
Esses cidadãos estão em todos os lugares, até nos mais improváveis. Falei com muitos deles na minha viagem pelas Alagoas.
Hoje eles ainda falam em voz baixa, hesitante.
Um dia, falarão alto novamente.
Revista Oeste
PUBLICADAEMhttp://rota2014.blogspot.com/2023/03/a-liberdade-em-alagoas-por-roberto-motta.html
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