Jornalista Andrade Junior

sexta-feira, 25 de março de 2022

'Juiz de porta de avião',

 por Augusto Nunes

O perseguidor de Carlos Bolsonaro precisa investigar o que fazia Rose Noronha nas viagens de Lula


Anotícia de que Carlos Bolsonaro acompanhara o pai na viagem à Rússia despertou mais uma vez os superpoderes que andam visitando a cabeça do ministro Alexandre de Moraes desde que se promoveu a Inquisidor Geral do Supremo Tribunal Federal. 

Onipresente, decidiu que também lhe compete selecionar os integrantes de comitivas presidenciais. 

Não é para qualquer um voar de graça no Air Force One à brasileira. 

Onisciente, avisou que vai regulamentar a montagem de tais comitivas assim que tiver tempo. 

Um ministro de Estado ou o ajudante de ordens, exemplificou, esses podem. 

Um filho do presidente da República? Não pode. 

Onipotente, remeteu outro ultimato ao chefe de governo eleito pelo voto popular. 

O destinatário teria de explicar no prazo de 72 horas o que Carlos fora fazer em Moscou.

Fazer o que faz o homem encarregado de lidar com suas redes sociais, liquidou a questão Bolsonaro no primeiro encontro com jornalistas excitados com o prosseguimento do duelo entre o chefe do Executivo e o artilheiro do Timão da Toga. 

Como a usina de insolências não pode parar, Moraes resolveu atacar com mais cobranças. 

Quer saber de onde saiu o dinheiro que pagou as despesas de Carlos. 

Do bolso do viajante? Ou de algum cartão corporativo usado indevidamente? 

O ministro também desconfia que a conta pode ter sido espetada no misterioso Gabinete do Ódio, assombração ainda homiziada em lugar incerto e não sabido, mas provida de munição digital suficiente para desequilibrar eleições e instalar no Brasil uma ditadura fascista.

Bolsonaro informou que o filho não foi socorrido por um único e escasso centavo. Mas Moraes é duro na queda: segue à caça de interrogações tão importantes quanto as dúvidas que me assaltam quando tento lembrar a escalação completa do Clube Atlético Taquaritinga, o “Leão da Araraquarense”, naquele jogo contra o Radium de Mococa disputado no verão de 1958. 

Já desisti de brigar com a memória. 

Bem mais teimoso é o parteiro do inquérito que há mais de três anos combate fabricantes de fake news, atos antidemocráticos, atentados a instituições e falatórios que deixam mal no retrato o Pretório Excelso.

Se acordar com o pavio alguns milímetros mais curto, o ministro pode expedir um mandado de prisão em flagrante perpétuo e trancafiar numa cela o piloto do avião que levou Carlos à Rússia. 

Se perder o sono, talvez seja assaltado pela ideia de indiciar no inquérito do fim do mundo a comissária de bordo que serviu cafezinho ao investigado. 

Por isso, e antes que aumente o calibre do surto de prepotência, convém desviar as atenções do impetuoso superjuiz para as comitivas que abrigaram Rosemary Noronha, a Rose, alojada de 2004 a 2012 na chefia do escritório da Presidência da República em São Paulo.

Durante sete anos, a mulher de temperamento esquentado desfrutou dos grandes e pequenos prazeres ao alcance de uma Segunda Dama

Não foi esse cargo que fez da ex-secretária de José Dirceu e ex-assessora de Lula uma assídua freguesa do Aerolula. Ela chegou lá por ocupar o posto de Segunda Dama.

As medidas preventivas adotadas pelo casal procuravam apenas evitar acessos de fúria da Primeira. 

Rose só viajava quando Marisa Letícia ficava em casa. 

Como seu nome era excluído da lista de passageiros publicada no Diário Oficial, a clandestina dispensada de esconder-se virou a penetra com mais horas de voo do planeta. 

Os parceiros de comitiva conheciam os reais motivos da presença a bordo daquela mulher cujas ancas desafiavam poltronas acanhadas e com uma franja na testa que dilatava as maçãs do rosto. 

A missão de Rose era garantir que Lula acordasse com a expressão satisfeita de quem passara boa parte da noite sobrevoando nuvens extraordinariamente azuis.

A bordo, o expediente de Rose começava quando anoitecia: risonha, avançava pelo corredor em direção aos aposentos presidenciais — para regressar ao fundo da aeronave depois do café da manhã. 

Em terra, seguia a programação oficial em silêncio, com o olhar distraído de quem se dispensa de saber se está no litoral do Caribe ou num deserto africano. Terminado o jantar, os dois partiam rumo às suítes contíguas do hotel cinco-estrelas. 

A porta entre as duas alcovas permanecia entreaberta. Foi assim nos mais de 30 países que Rose conheceu em mais de 20 viagens no Aerolula. 

Entre uma e outra, os encontros ficavam mais complicados. 

De todo modo, a frequência bastou para conferir ao escritório da Presidência, onde uma ampliadíssima foto de Lula fantasiado de atacante no momento do pênalti enfeitava um bom pedaço de parede, a fama de maior garçonnière da capital paulista.

Durante sete anos, a mulher de temperamento esquentado desfrutou dos grandes e pequenos prazeres ao alcance de uma Segunda Dama. 

A convite do embaixador José Viegas, dormiu (com o marido) no belíssimo Palácio Pamphilli, sede da representação brasileira na Itália. 

Conseguia com um telefonema ingressos gratuitos em shows de Roberto Carlos. 

Autorizada por Lula a infiltrar vigaristas amigos em agências reguladoras, e empregar numa delas a própria filha, Rose descobriu o lucrativo submundo dos vendedores de pareceres. 

E então o que parecia um romance extraconjugal virou caso de polícia.

A vida mansa acabou em 23 de novembro de 2012, quando a Operação Porto Seguro, desencadeada pela Polícia Federal, alcançou a Segunda Dama e seus protegidos, batizados pela imprensa de “Bebês de Rosemary”.  

Assustado com a ampliação do acervo de maracutaias, Lula fez o que sempre faz quando precisa costurar algum álibi menos cretino: perdeu a voz e sumiu, agarrado à esperança de sobreviver sem fraturas ao primeiro escândalo que não poderia terceirizar. 

Não havia bodes expiatórios a convocar. 

Nem respostas aceitáveis para perguntas especialmente constrangedoras. 

Passou a primeira semana enfurnado no Instituto Lula. 

Passou as duas seguintes longe do Brasil, driblando repórteres com escapadas pela porta dos fundos ou pela cozinha do restaurante.

Abordado por jornalistas uma única vez, murmurou que não falaria sobre “questões pessoais”. 

Como se merecesse a blindagem da privacidade aquela mistura de chanchada pornopolítica e filme policial de quinta categoria. 

Usando um cartão corporativo com a sem-cerimônia de íntima do rei, Rose torrou aqui e no exterior uma bolada de bom tamanho. 

A presidente Dilma Rousseff foi obrigada a demitir a chefe do escritório na Avenida Paulista. 

Mas, para manter em segredo metade da gastança do casal 171, o poste de Lula pinçou no bolso do terninho vermelho uma justificativa tão cafajeste quanto o restante da história: se revelasse os números do abuso, “colocaria em risco a segurança da sociedade e do Estado”.

O que a Polícia Federal apurou foi suficiente para enquadrar Rosemary e seus bebês por corrupção passiva e formação de quadrilha. 

Mas o avanço das investigações e a condenação dos quadrilheiros acabaram bloqueados pelo bando de advogados reunidos pelo Instituto Lula, que se valeram de chicanas facilitadas pela complacência do Judiciário para livrar da gaiola os bandidos juramentados. 

Em 2020, o Superior Tribunal de Justiça anulou todas as provas obtidas pela Polícia Federal com quebras do sigilo bancário ou telefônico. 

No fim de 2021, Rodrigo Boaventura Martins, juiz substituto da 5ª Vara Criminal Federal de São Paulo, considerou nulas as provas acumuladas pela Operação Porto Seguro. 

Tais decisões remeteram ao lixo os processos criminais que tinham Rose como ré.

Cansados das tentativas de prender o gângster Al Capone pelos medonhos crimes que praticara, policiais de Chicago conseguiram condená-lo a uma interminável temporada na cadeia por ter lesado o Fisco. 

Como Rose e seus parceiros escaparam do castigo reservado a torturadores do Código Penal, a última esperança do Brasil que pensa e presta é, quem diria?, a cabeça tumultuada de Alexandre de Moraes. 

A perseguição movida contra Carlos Bolsonaro informa que, aos olhos do ministro, juntar-se a comitivas presidenciais pode ser considerado ato criminoso. 

Por que o ministro não reexamina o papel desempenhado por Rosemary Noronha depois de embarcar no Aerolula? 

É o que já teria feito se Rose, decepcionada com o sumiço de Lula, declarasse que vai votar em Jair Bolsonaro.




revista Oeste







publicadaemhttp://rota2014.blogspot.com/2022/03/juiz-de-porta-de-aviao-por-augusto-nunes.html







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