por Tim Black, da Spiked
Novo livro apresenta informações contundentes sobre a teoria do vazamento de laboratório
No início de 2020, o consenso era que a covid-19 com certeza tinha tido uma origem natural, espontânea. Presumiu-se que era muito provável que esse vírus zoonótico tivesse migrado de uma espécie animal específica para os humanos, diretamente ou por um intermediário, como diferentes espécies infectadas em um mercado. Afinal, foi assim que surgiram o HIV (em chimpanzés), a influenza (em patos e outras aves) e, claro, o Sars (em morcegos). Então, parecia plausível que o Sars-CoV-2 tivesse surgido praticamente da mesma forma: por uma transmissão animal–humano nos arredores de Wuhan, na China. Possivelmente em um de seus mercados de produtos frescos, que de repente se tornaram infames.
Essa logo se tornou a narrativa oficial. Os principais cientistas do mundo a divulgaram em publicações médicas de prestígio. Políticos, com exceção de alguns poucos populistas, a endossaram em público, assim como a grande mídia. E durante boa parte da pandemia, a big tech removeu das redes sociais os posts que a contradiziam.
No entanto, mais de dois anos depois, essa teoria de contágio supostamente natural continua sendo isso: uma teoria. Evidências reais para corroborá-la, seja a descoberta dos animais infectados do mercado seja dos manipuladores de alimento doentes, ainda não foram encontradas. Para colocar isso em contexto, os pesquisadores demoraram alguns meses para identificar, em 2003, os primeiros pacientes e, a partir deles, as origens do surto de Sars naquele ano. E isso foi feito com uma tecnologia muito inferior à que está disponível para a pesquisa hoje em dia. Mas, ainda assim, aqui estamos, há mais de dois anos na pior pandemia em um século e ainda não chegamos perto de entender onde e como ela surgiu.
Como Alina Chan e Matt Ridley explicam no indispensável livro Viral: the Search for the Origin of Covid-19 (2021), essa incapacidade de esclarecer como a covid-19 apareceu importa, “não para atribuir culpa”, explicam eles, “mas para impedir surtos futuros”. Se a covid veio de alguma parte do reino animal, essa parte precisa ser identificada. Se foi produzida por alguma prática agrícola, essa prática deve ser interrompida. E se escapou de um laboratório em algum canto, medidas de segurança e regulamentação precisam ser revistas. “Buscar a origem da covid-19 não poderia e não pode ser um passatempo qualquer para alguns cientistas curiosos e para os detetives de internet”, escrevem eles. “Essa é uma tarefa vital para a segurança da humanidade e requer uma investigação rigorosa, confiável e baseada em evidências, feita por especialistas do mundo todo.”
O incidente de Mojiang
Rigoroso, confiável e baseado em evidências — o próprio Viral é tudo isso. Ele também é um trabalho investigativo envolvente e às vezes emocionante. Chan, Ridley e uma equipe de buscadores da verdade, em grande parte baseados no Twitter, procuram indícios em bancos de dados chineses e caçam pistas em publicações acadêmicas, na busca pela verdadeira origem da covid-19.
Viral descobre essa origem? Não de maneira conclusiva. Mas o livro revela diversas evidências circunstanciais que apontam para uma direção diferente da teoria do contágio. Indica outra hipótese — a de que a covid-19 realmente foi um vazamento de laboratório em Wuhan, com o Instituto de Virologia de Wuhan como o principal suspeito.
O livro começa sua história na mina de cobre Mojiang, na Província de Yunnan, onde, em 2012, houve um surto de uma misteriosa pneumonia entre os mineradores. Seis ficaram doentes, com tosses secas, febre e dores nos membros. Os três mais velhos morreram.
Em 2013, um estudante da Escola de Medicina Kunming escreveu uma tese sobre o incidente de Mojiang. Ele atribuiu o vírus aos morcegos que infestavam as minas e solicitou que mais pesquisas fossem feitas. Cientistas de toda a China, incluindo do Instituto de Virologia de Wuhan (IVW), a quase 3 mil quilômetros de distância, atenderam ao chamado, tamanha a preocupação com os novos vírus próximos do Sars. Como Chan e Ridley explicam, os registros mostram que a equipe do IVW coletou centenas de amostras da mina, incluindo uma — conhecida como Ra4991 —, que continua sendo a correspondência genética mais próxima já encontrada do Sars-CoV-2.
Com tantos botecos no mundo
De acordo com os autores, os cientistas do IVW “sequenciaram parcialmente esse novo vírus em 2017 e por completo em 2018”. No entanto, boa parte disso foi ocultada durante 2020. Por alguma razão desconhecida, os cientistas de Wuhan mudaram o nome da amostra viral de Ra4991 para RaTG13. Como Chan e Ridley explicam, a conexão entre a RaTG13 e a mina de Mojiang não ficou clara até 17 de novembro de 2020, quando a revista Nature publicou um adendo a um artigo do doutor Shi Zhengli, diretor do Centro de Doenças Infecciosas Emergentes do IVW. Esse adendo “reconhecia a existência da tese médica de Kunming, confirmava a história sobre a mina de Mojiang, a testagem das amostras dos mineradores no IVW, o novo nome atribuído à sequência da amostra 4991 e o sequenciamento do seu genoma completo em 2018, e não em 2020. Demorou nove meses para os cientistas abrirem o jogo”.
Viral apresenta informações contundentes sobre a hipótese do vazamento de laboratório. E demonstra que o Instituto de Virologia de Wuhan estava no centro de um esforço global de catalogar vírus com potencial pandêmico. O livro mergulha na composição genética do Sars-CoV-2, destacando a sequência genética de 12 letras não encontrada em outros coronavírus semelhantes ao Sars, mas que o torna tão mais infeccioso.
Ele também mostra que o IVW estava envolvido na dita pesquisa de ganho de função, editando a sequência genômica das amostras dos vírus para torná-los, sim, muito mais infecciosos. O livro explica que o objetivo dessa pesquisa era desenvolver vacinas contra esses vírus. E nos faz lembrar que vazamentos de laboratório estão longe de ser incomuns. O rastro de diversos surtos do vírus Sars original levam a laboratórios.
Em resumo, Viral demonstra por que um novo coronavírus com potencial pandêmico acabou surgindo em Wuhan — uma cidade que abriga uma instituição científica dedicada a catalogar e fazer experimentos com novos tipos de coronavírus. Como brincam os autores, citando Humphrey Bogart em Casablanca, “com tantos botecos no mundo, ela entrou no meu”.
Dançando conforme a música chinesa
Mas Viral também expõe outra coisa: o esforço das autoridades chinesas e de outras partes interessadas em obstruir qualquer investigação adequada sobre as origens da covid-19. Desde o início da pandemia, no começo de 2020, o governo chinês pareceu fazer de tudo para dificultar qualquer investigação.
Em fevereiro de 2020, o Centro Chinês para Controle e Prevenção de Doenças anunciou que todos os estudos científicos relacionados aos coronavírus precisavam ser aprovados pelas autoridades. Os dados brutos ligados aos primeiros casos de covid-19 em Wuhan, incluindo da primeira vítima oficial, um homem de 55 anos, foram destruídos ou ocultados. E a própria mina de Mojiang, há muito tempo desativada, foi cercada e protegida por uma guarda armada.
Essas ações estão longe de ser o que instituições e órgãos estatais sem nada para esconder fazem. Afinal, como Chan e Ridley comentam, se as autoridades chinesas “queriam acabar com boatos de um vazamento de laboratório, o mais simples teria sido compartilhar os registros hospitalares não editados de Wuhan com pesquisadores externos, junto com informações das locações e das profissões dos primeiros casos. Se eles não revelassem nenhuma relação com nenhum laboratório de virologia da cidade, isso deporia contra a ideia de um vazamento de laboratório”. Que eles tenham deixado de fazer isso é muito revelador.
Mas, como o livro demonstra, não foram só as autoridades chinesas que inibiram as buscas pelas origens da covid-19. Diversos atores internacionais também estão implicados. A Organização Mundial de Saúde dançou muitas vezes conforme a música chinesa. O relatório encoberto e ridicularizado sobre as origens da covid ilustra isso.
A virada da maré
Da mesma forma, alguns QUANGO (“organização não governamental semiautônoma”), como a Ecohealth Alliance, financiada pelo Pentágono, tentaram proteger seus investimentos consideráveis no IVW deliberadamente deixando de lado a hipótese do vazamento. E o establishment científico, de chefes de consultoria científica a grupos e instituições de pesquisa, consciente e desajeitadamente, minimizou a hipótese de vazamento para, ao que parece, proteger a reputação e a autonomia da ciência.
Até meados de 2021, esse esforço de desinformação multifacetado pareceu funcionar. Mas como Viral demonstra, a maré está virando. Não é mais possível simplesmente descartar tantas coincidências, tantos detalhes reveladores e tantas perguntas não respondidas apenas como teorias da conspiração. Sobretudo quando a teoria da contaminação natural, por tanto tempo a narrativa oficial, continua teimosamente não comprovada.
Mas o livro não é uma caça às bruxas. Ele não tenta apontar culpados, mesmo entre aqueles no IVW que podem muito bem ser os responsáveis por um vazamento acidental de laboratório. Afinal, como Chan e Ridley nos fazem lembrar, o propósito de sua pesquisa era admirável, “entender o risco que cada vírus recém-descoberto representava e talvez, um dia, desenvolver uma vacina contra todos os vírus Sars”. No entanto, isso faz surgir uma questão específica: a pesquisa científica, cujo objetivo é evitar pandemias, acabou dando início a uma pandemia?
Neste momento, não sabemos o suficiente para afirmar nada. Mas, graças a Viral, podemos pelo menos começar a fazer perguntas.
Viral: the Search for the Origin of Covid-19, de Alina Chan e Matt Ridley, foi publicado pela Fourth Estate
PUBLICADAEMhttp://rota2014.blogspot.com/2022/02/a-busca-pela-origem-da-covid-por-tim.html
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