por J.R. Guzzo
O Brasil acaba de descobrir que um dos marechais-de-campo do Tribunal Superior Eleitoral, o “corregedor” desta repartição pública encarregada de organizar e apurar eleições, assumiu funções de juiz de Direito e deu a si próprio o poder de tomar decisões judiciais. É claro que tem o pleno apoio, ou segue as instruções, do Supremo Tribunal Federal, o órgão de Estado que decide hoje em dia o que é lei e o que não é nesse país.
No caso, TSE e STF resolveram que é legal aplicar uma punição financeira de primeira grandeza em comunicadores que se manifestam pelas redes sociais — e que são abertamente detestados pelos altos ministros. É castigo puro, e sem a menor preocupação de se disfarçar alguma coisa, para o adversário político.
Os punidos, naturalmente, são canais de direita — ser de direita, no mundo jurídico que vem sendo construído no Brasil pelos tribunais superiores de justiça, é cada vez mais uma atividade ilegal. Quem decidiu isso? A Constituição não diz, no seu famoso artigo 5, que é livre a manifestação do pensamento? Diz, mas isso vale muito pouco hoje em dia.
O que conta mesmo (na verdade, a única coisa que realmente conta) é a opinião do STF sobre este e quaisquer outros assuntos. No caso, os ministros supremos acham que manifestação do pensamento não é livre; gente de direita, por exemplo, não pode dizer o que pensa. Gente de esquerda pode. É onde estamos.
Ninguém vai admitir isso, é óbvio, mas na prática é exatamente isso que acontece. O último exemplo, e um dos mais escandalosos, é a agressão desse corregedor a diversos comunicadores que criticam o voto eletrônico, acham o STF um desastre completo, falam mal da esquerda, são anticomunistas e em geral se colocam a favor do governo Bolsonaro.
O TSE, através do tal corregedor, mandou as plataformas que operam as redes sociais (Youtube, Facebook, etc) suspenderem imediatamente os pagamentos que fazem pela publicação dos conteúdos desses comunicadores. O dinheiro, a partir de agora, tem de ir para uma conta do TSE. Fim de conversa.
O Ministério Público, que pela lei é o único órgão que pode denunciar crimes e solicitar sua punição, não participou da decisão. O delito de que os canais de direita são acusados pelo corregedor do TSE — divulgação de “fake news”, ou notícias falsas — não existe, simplesmente, em nenhuma lei brasileira. As plataformas estão sendo obrigadas a fazer algo — cortar pagamentos — que não está previsto em lugar nenhum da legislação nacional.
A decisão vem de um funcionário da máquina burocrática federal — não de um juiz, dentro do devido processo judicial, com direito de defesa pleno para os punidos e a observância do contraditório em todos os passos do procedimento.
Os tribunais superiores de Brasília vêm numa balada cada vez mais nervosa de decisões arbitrárias, de cunho político declarado e totalmente ilegais. Prenderam em junho, e mantêm preso até hoje, o deputado Daniel Silveira, em pleno exercício de seu mandato e no desfrute de suas imunidades parlamentares. Prenderam o jornalista Oswaldo Eustáquio. Acabam de prender, e trancafiar na prisão de Bangu, o presidente nacional do PTB, o ex-deputado Roberto Jefferson. Não há nenhuma possibilidade de recurso a esses atos de repressão. Que raio de sistema legal é esse?
O STF e suas adjacências não apenas estão em guerra contra as liberdades de expressão e de pensamento. Estão, com agressividade cada vez maior, numa campanha sistemática de ataque a todas as liberdades. Censura, penas financeiras, inquéritos ilegais, punição por crimes que não existem na lei, tornozeleira, cadeia — está valendo tudo. Não há sinais de que nada disso vai parar.
O STF está numa luta aberta pelo poder — e, até agora , ganhou todas as paradas. Tem o aplauso fervoroso da maior parte da mídia. Tem o apoio cego das elites de todos os teores. Tem a cumplicidade de uma classe política venal e assustada, o tempo todo, com problemas penais que dependem do STF. Por que não iria adiante?
Gazeta do Povo
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