Jornalista Andrade Junior

terça-feira, 24 de agosto de 2021

"A significância do 7 de setembro",

  por Alex Fiúza de Mello


A “guerra brasileira”, isto é, o conflito ostensivo entre a cleptocracia oligárquica (pela retomada absoluta do poder) e a vontade popular de transformação da “velha ordem” patrimonialista chegou, finalmente, a um impasse. Sem mais acordo possível entre os segmentos em disputa, num quadro de desfazimento vertiginoso do Estado democrático de Direito – graças às decisões arbitrárias do STF – e de agudização dos ataques recíprocos entre as forças oponentes – o Presidente Jair Bolsonaro na outra ponta da linha –, o traçado já visível no horizonte é de iminente aguçamento da peleja, com eclosão de uma protestação massiva, de seguimento imprevisível, programada para o dia 7 de setembro de 2021 – se não antes!

Até lá, múltiplos e surpreendentes movimentos, de ambas as “trincheiras”, a favor ou contra a propalada efeméride, ganharão destaque no noticiário nacional, com demarcação contínua da evolução da temperatura do ambiente e contabilidade gradativa da correlação de forças presente no cenário.

De um lado, os tradicionais “donos do poder”, comandados, no front, pelos ministros do STF e lideranças dos partidos de oposição, não cessarão seus ataques ao Governo, já tendo tramado, de comum acordo, levar a contenda às últimas consequências, sem recuos ou autocontenção – inclusive com descumprimento de preceitos constitucionais, se necessário –, em vista da derrubada de Bolsonaro a qualquer preço, nem que seja, como último cartucho, via fraude eleitoral – como suspeitosamente sinalizado na recente derrota da PEC do voto auditável, no plenário da Câmara dos Deputados.

De outro, o outsider e “incômodo” Presidente, acercado das Forças Militares e prestigiado pela maioria expressiva da população, investe na reação a todas essas tentativas de sua deposição, já tendo pressentido que não haverá condescendência alguma à sua pessoa por parte dos antagonistas de plantão, tampouco acordo possível, restando-lhe apenas empunhar, a essa altura, as mesmas armas dos adversários, assim como operar idêntico e radical estratagema, sem outra alternativa ou opção: o confronto direto.

Não sem razão, e apostando na tática do enfrentamento como a melhor defesa, Bolsonaro acaba de vetar o ambicioso “Fundão” eleitoral de 6 bilhões de reais, encaminhado para sanção pelo Congresso Nacional, e de apresentar, no mesmo diapasão, pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes (STF) ao Senado, sinalizando que não confia nos parlamentares, muito menos na Suprema Corte (seus algozes de primeira hora), mas exclusiva e tão somente no povo, seu único escudo e derradeiro recurso.

Em reação à iniciativa – e já havido declarado, previamente, por meio de seu presidente Luiz Fux, o rompimento do diálogo com o Executivo –, o STF publicou Nota de repúdio à atitude de “confrontação” do Presidente da República, recebida por Suas Excelências togadas como inadmissível ofensa e ameaçadora afronta à autoridade “suprema” e “inviolável” da corporação – mais uma vez exposta, por consequência, ao veredicto popular.

O que ocorrerá, assim, no dia 7 de setembro de 2021, a contar do caráter e atmosfera das manifestações previstas, determinará, impreterivelmente, os rumos da história do Brasil e o destino do atual Governo. De uma forma ou de outra, positiva ou negativamente (conforme a ótica do observador), representará um ponto de inflexão na marcha dos acontecimentos, influenciando os desdobramentos futuros da “guerra brasileira” em curso e a sua ansiada ultimação.

Ou Bolsonaro sairá reforçado do prenunciado acontecimento, com autoridade respaldada para intervir com mais contundência na cena política, inflados o seu poder de mando e legitimidade, ou será fragorosamente derrotado e encolhido em estatura, sem qualquer outra possiblidade de recuperação de prestígio no decorrer da disputada prorrogação da contenda.

Agora é tudo ou nada. “Matar” ou “morrer” (politicamente). Não haverá meio termo, nem “coluna do meio”, a partir de então. Tampouco “terceira via”.

Tudo dependerá da dimensão do evento – a ocorrer em todo o território nacional, mas com foco estrategicamente concentrado em São Paulo e em Brasília – e de sua efetiva pujança e organicidade.

Os organizadores do inusitado protesto estimam o comparecimento de, pelo menos, 500 mil a 1 milhão de pessoas em cada uma das duas principais “vitrines” da manifestação – a Av. Paulista (SP) e a Praça dos Três Poderes (DF) –, com a participação de brasileiros de todas as origens, gêneros e idades, provenientes de todas as regiões e rincões do país.

Será um momento particularmente emblemático, de extremo e invulgar simbolismo, a demarcar o tamanho e a proporção da disposição popular em realmente fazer valer a sua vontade nesse momento de caos institucional e em resgatar, de uma vez por todas, o peso de sua soberania (como consagrado na Constituição), assumindo o papel imprescindível de sujeito histórico de seu destino comum.

Diante do golpe de Estado já instaurado pelo sequioso establishment, sob a liderança do STF, não haverá outra ocasião tão favorável, mais à frente, para uma eficaz reação popular em prol da recomposição da ordem constitucional esquartejada. Ou se ergue, agora, por iniciativa do próprio povo, o contragolpe ao totalitarismo reinante – de predicados nitidamente fascistas –, ou a ditadura da toga impor-se-á, em definitivo, em solo tupiniquim – contra a qual não haverá, depois, a quem recorrer.

Eis a dura e inescapável encruzilhada!

Os pretensos restauradores do precedente status quo – célebres e contumazes corruptos, de distintas estampas e “credos” – já demonstraram, de todas as maneiras (e com todas as armas), que não medirão esforços em recuperar, a qualquer custo, a integralidade do controle estatal para os seus conhecidos (ainda que inconfessos) propósitos cabulosos.

Lançaram-se em combate obstinado desde janeiro de 2019; prosseguiram, impunemente, em sua persistente escalada autoritária; e, pelos últimos e extremados movimentos – absolutamente fora das quatro linhas da ordem constitucional –, ratificam que não recuarão um palmo sequer de seus delitosos intentos, sob qualquer hipótese ou cenário. Estão em campo para matar ou morrer.

E se é este o panorama inequívoco da presente conjuntura, ou o povo enfrenta, enquanto é tempo, os incorrigíveis inimigos da democracia e da república, depondo-os, seletivamente, de seus espaços de poder, ou uma reação futura, somente às vésperas das eleições de 2022, será absolutamente inócua e tardia, já tendo os déspotas de ocasião avançado e consolidado, até lá, os seus tentáculos de tenebrosa dominação – inclusive com cobiçoso apoio internacional.

O “7 de setembro”, portanto, pelas circunstâncias peculiares envolvidas, terá de ser diferente em gênero, número e grau das manifestações anteriores. Terá de ser mais volumoso, em quantidade de gente, e mais incisivo, na qualidade da ação. Terá de vir pra ficar e perdurar, sem dispersão, até a conquista definitiva (por “bem” ou por “mal”) das priorizadas reivindicações.

É o exercício direto do poder democrático, legitimamente já previsto no parágrafo único do artigo primeiro da Constituição de 1988 – contra o qual não cabe questionamento consciencioso.

Se as manifestações fracassarem, estará decretado, de antemão, o triunfo do “mecanismo” (desnudado pela Lava Jato), com o consequente enfraquecimento do Presidente da República e de seus respectivos aliados. Se forem um sucesso, o Presidente sairá reforçado do episódio, podendo, então, em nome do povo, com sua explícita autorização (não haverá outra oportunidade!), usar da própria Constituição para intervir, cirurgicamente, no pedaço de tecido político necrosado, extirpando, pontualmente, aqueles patógenos causadores da fatídica morbidade institucional – tudo dentro da lei e da ordem.

Como há quase 200 anos, a contar do andar da carruagem, o “grito do Ipiranga” poderá, sim (quiçá!), reverberar novamente, como um “brado retumbante”, “no céu da pátria nesse instante”, reescrevendo com o máximo simbolismo, em “raios fúlgidos” – e na mesma e icônica data de antanho –, a história contemporânea do país:

INDEPENDÊNCIA OU MORTE!

LIBERDADE OU OPRESSÃO! – só que, desta vez, ecoado diretamente pelo povo (e não mais pelas elites), com mais potência e expressão, proclamando-se, finalmente, na justa medida e adequada ancoragem, a verdadeira República e a autêntica Democracia.

ALEA JACT EST!

Alex Fiúza de Mello. Professor Titular (aposentado) de Ciência Política da Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em Ciência Política (UFMG) e Doutor em Ciências Sociais (UNICAMP), com Pós-doutorado em Paris (EHESS) e em Madrid (Cátedra UNESCO/Universidade Politécnica). Reitor da UFPA (2001-2009), membro do Conselho Nacional de Educação (2004-2008) e Secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Pará (2011-2018).

Jornal da Cidade













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