por Afonso Marangoni Aliados de Bolsonaro tentam emplacar a exigência de um comprovante de voto nas urnas, mas enfrentam resistência no Congresso
Desde as eleições de 2014, quando uma virada na última hora assegurou a apertada reeleição da presidente Dilma Rousseff contra Aécio Neves, a sombra de uma possível vulnerabilidade do sistema de urnas eletrônicas paira no Brasil. No ano passado, por exemplo, o atraso histórico na contabilidade final dos votos pelo supercomputador do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) atiçou ainda mais a ala de políticos e seus seguidores que desconfiam de manipulação nos resultados. E tudo indica que em 2022 não será diferente.
O tema divide opiniões no Congresso Nacional. De um lado, um grupo de deputados tenta fazer com que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 135 avance na Câmara desde 2019. Do outro, opositores do governo Jair Bolsonaro argumentam que o processo eleitoral é seguro e que a articulação seria uma espécie de discurso antecipado caso o presidente não se reeleja.
Nesse debate, um ponto, sobretudo, é preciso ser esclarecido: ao contrário do que os adversários de Bolsonaro pregam, que o país embarcaria num retrocesso com o retorno do voto impresso, a emenda constitucional em curso não prevê isso, mas, sim, a exigência de um comprovante emitido pela seção eleitoral após o clique na urna eletrônica. Ou seja, um papel que permita futura auditagem.
“No processo de votação e apuração das eleições, dos plebiscitos e dos referendos, independentemente do meio empregado para o registro do voto, é obrigatória a expedição de cédulas físicas conferíveis pelo eleitor, a serem depositadas, de forma automática e sem contato manual, em urnas indevassáveis, para fins de auditoria”, diz o texto da proposta de ajuste constitucional.
De autoria da deputada Bia Kicis (PSL-DF), a PEC que trata do tema foi aprovada por 33 a 5 na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) há quase dois anos, mas seu caminho ainda é longo e requer esforço político para amealhar votos suficientes caso chegue ao plenário — são necessários três quintos dos presentes. Até lá, o texto ainda precisa convencer os integrantes de uma comissão especial nem sequer instalada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Detalhe: essa tramitação completa tem de estar concluída até outubro deste ano para que possa ser aplicada nas eleições de 2022.
“Como há muito debate e muita desconfiança sobre a segurança das urnas, entendemos que o comprovante resolve a questão. Inclusive, apoiamos a ideia de criação de uma comissão especial para discutir o tema, que está sendo estudada para se concretizar com a relatoria do deputado Filipe Barros (PSL-PR). Afinal quem, em sã consciência, pode ser contra a auditoria do voto?”, indaga a deputada Carla Zambelli (PSL-SP).
O advogado Arthur Rollo, especialista em direito eleitoral, avalia que a proposta traria profundas alterações na logística de preparação do pleito e que, para adquirir novos equipamentos, será necessário fazer licitação internacional. “Isso demanda tempo superior a um ano, o que significa que, para a mudança ser aplicada, tem que ser aprovada já”, diz. Em 2017, a projeção de custo para implementação de mudanças similares foi de R$ 2,5 bilhões aos cofres públicos ao longo de dez anos.
“Podem acontecer inúmeros problemas na impressora no momento da impressão do voto. Impressora tende a dar muito mais problema. Esses entraves práticos existirão, sem dúvida, no dia da eleição e vão tumultuar”, complementa Rollo.
CONFIABILIDADE
Um dos exemplos recentes utilizados por Bolsonaro para trazer o assunto à tona foi a onda de desconfiança no pleito nos Estados Unidos, coalhado de suspeitas de fraude. Em 7 de janeiro deste ano, no dia seguinte ao das cenas de invasão do Capitólio (o edifício do Congresso norte-americano) que rodaram o mundo, Jair Bolsonaro chegou a dizer que, sem alterações no sistema eleitoral, “poderia ocorrer a mesma coisa” no Brasil. “Ou vamos ter problema pior que nos Estados Unidos.”
“Hoje, dependemos de acreditar nos técnicos, nas autoridades, que nos garantem que o nosso sistema é seguro. Acontece que sistema eleitoral não é religião, não é dogma, nós não podemos ser obrigados a acreditar. Nós temos o direito, como eleitores, de aferir, por conta própria, que o nosso voto foi destinado ao candidato escolhido por nós”, diz Bia Kicis, autora da PEC.
Oficialmente, o TSE sustenta que não houve fraudes no sistema desde a sua implementação, em 1996. De fato, um boletim com números totalizados é emitido pela urna eletrônica após o término da votação. A PEC sugere que os comprovantes de voto fiquem em uma urna física para eventual conferência voto a voto.
As urnas eletrônicas são auditadas na véspera do pleito, por meio de sorteio, em atos públicos filmados — o número de urnas varia de três a cinco, conforme a quantidade de seções de cada unidade da Federação. Os partidos políticos podem indicar fiscais para acompanhar o procedimento. No domingo de eleição, a urna imprime a “zerésima” — o certificado de que não há nenhum voto computado.
Em 2015, quando o tema reverberou pós-urnas, o Congresso chegou a aprovar, dentro da minirreforma eleitoral, um dispositivo que previa a emissão do comprovante. Dilma Rousseff vetou o trecho, alegando alto custo para implementação da medida, mas a decisão foi derrubada pelos parlamentares. Houve recurso da Procuradoria-Geral da República (PGR), e o Supremo Tribunal Federal (STF) barrou a medida de forma liminar. Em setembro do ano passado, a decisão foi confirmada pela Corte e o trecho que previa a impressão foi declarado inconstitucional.
Revista Oeste
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