por Ana Paula Henkel
foto Andrade JuniorAmáxima “Paz através da força” (Peace through strenght) pode até soar como uma expressão que nos leva a imaginar apenas um cenário de guerra. No entanto, ela tem origem num conceito antigo segundo o qual a força militar, não necessariamente na produção de guerras, é um componente necessário da paz. A frase é bastante antiga. E é famosa por ser usada por alguns líderes, desde o imperador romano Adriano (76-138) a Ronald Reagan, na década de 1980. O 40º presidente norte-americano, durante dois mandatos na Casa Branca, fez questão de que o aforismo se tornasse uma marca registrada quando o assunto era política internacional.
E foi com posições firmes como presidente da nação mais forte do planeta que Reagan estabeleceu pilares sólidos para vencer inimigos e regimes totalitários. Impôs respeito sem perder a diplomacia. Sob a Doutrina Reagan, os Estados Unidos forneceram ajuda a guerrilhas anticomunistas e movimentos de resistência em um esforço para “reverter” governos marxistas apoiados pelos soviéticos na África, na Ásia e na América Latina. A doutrina foi projetada para diminuir a influência soviética nessas regiões como parte da estratégia geral do governo para vencer a Guerra Fria.
Exatos trinta anos se passaram após o fim da Guerra Fria, em 1991, e o mundo agora está diante de uma releitura do que foi o embate entre norte-americanos e soviéticos. Na nova guerra fria, há elementos similares, porém diferentes jogadores. China e Estados Unidos estão na arena geopolítica e as armas mudaram muito em trinta anos. No atual embate, um pingo é letra e informação é mais útil que porta-aviões.
Quando adolescente, fui uma menina muito alta e muito magra. A altura e a magreza renderam-me vários apelidos e cresci ouvindo piadas sobre meu biótipo — o que chamam hoje de bullying. Obviamente, alguns colegas passavam do limite das brincadeiras com os apelidos e perdiam o respeito. Eu era tímida e introspectiva, e me lembro como se fosse hoje quando, em lágrimas, contava ao meu pai como não aguentava mais tanta provocação, tanta risada e tanto deboche apenas por causa do meu corpo magro e desengonçado.
Foi então que meu pai me deu o conselho que não mudaria apenas a minha vida de adolescente naquele momento, mas que eu levaria comigo como ferramenta durante toda a minha carreira. O conselho do meu velho diante daquela situação — conselho que mais tarde passei ao meu filho — era que havia uma única maneira de parar o agressor: quebrar o silêncio, devolver na mesma moeda e estabelecer de antemão, com postura firme e inegociável, os limites de qualquer relação. Meu pai era um homem diplomático, mas não negociava certos termos com alguns interlocutores que não estavam interessados em tréguas, acordos ou soluções, apenas no conflito. Esse comportamento estabelecia uma importante posição de respeito, e seus interlocutores, desafetos ou não, já partiam da premissa de que não havia margem para rodeios.
Bem, essa volta à infância serve apenas para ilustrar como políticas governamentais, sejam nacionais ou internacionais, podem ser transportadas para o microcosmo de milhões de pessoas todos os dias no mundo em várias profissões e segmentos de trabalho. Hoje, consigo entender que aprendi com meu pai o conceito de “Paz através da força”.
Há uma lista de críticas que podem ser feitas ao ex-presidente norte-americano Donald Trump. No entanto, diante da pálida administração de Joe Biden, os Estados Unidos e o mundo, em pouco tempo, sentirão falta do “malvadão do século”. Trump colocava o dedo em riste quando era necessário. Defendeu interesses norte-americanos como poucos. Usou de firme diplomacia para lidar com temas sensíveis, como a relação com a Coreia do Norte e os impasses no Oriente Médio.
E agora, infelizmente, como nunca em toda a História norte-americana, os ianques exibem fraqueza e apatia aos olhos do mundo. Joe Biden não é apenas apático e confuso na aparência e nos discursos em seus vídeos coreografados. Sua fragilidade chega a ser desconfortavelmente visível em ordens executivas e nas ações de membros de seu gabinete. E isso não é bom. Não é bom para os norte-americanos, e não é bom para o Ocidente.
Durante a eleição de 2016, uma das principais questões que a mídia se recusou a discutir foi até que ponto os cidadãos nascidos no exterior podem desempenhar um papel nos ataques terroristas jihadistas em território nacional. Essa questão atingiu o ápice durante o debate sobre a admissão de refugiados sírios e no contexto da crise de imigrantes e subsequentes ataques terroristas na Europa. Mas, dado que um elemento-chave na plataforma de Donald Trump era a insistência em construir “um grande muro” para impedir a entrada de terroristas em potencial, entre outras ameaças, a última coisa que a mídia queria era admitir que o terrorismo seria uma ameaça real. A atual imprensa militante zombou e ridicularizou sistematicamente as alegações de que terroristas estrangeiros poderiam tentar cruzar uma fronteira amplamente aberta e, para isso, bastava chamar todos os que levantavam a importante questão de xenófobos.
A equipe de Biden falha ao não reconhecer a nova realidade no Oriente Médio
Movimentos recentes do governo Biden sugerem que os problemas nas fronteiras — principalmente na fronteira sul, onde cartéis de drogas financiam a entrada ilegal até de menores de idade — tendem a se ampliar. Poucas horas depois de assumir o cargo, o presidente assinou ordens executivas para encerrar os esforços bem-sucedidos da era Trump para que imigrantes aguardassem a definição de seus pedidos de asilo no país de origem. A atual administração está revisando todas as políticas de imigração com o objetivo de fazer mudanças que tornem ainda mais fácil para os asilados manipular o sistema. Essas mudanças, chamadas de “efeito Biden”, produziram um aumento sem precedentes no fluxo de migrantes. Isso eleva dramaticamente a complexidade das ações de contraterrorismo. As autoridades da área dizem que será como tentar achar agulhas terroristas num palheiro de imigrantes ilegais.
Mas o desastre da administração Biden com relação a estrangeiros não para na atual crise imigratória. Nenhuma questão de política externa será tão delicada e polêmica quanto as medidas do ex-vice de Obama para entrar novamente no Plano de Ação Conjunta (Joint Comprehensive Plan of Action) com o Irã. Os primeiros sinais mostram que a equipe de Biden falha ao não reconhecer a nova realidade no Oriente Médio em um mundo pós-Acordos de Paz de Abraão (Abraham Accords), tratados costurados pela administração Trump.
Durante as negociações de 2014-2015 do governo Obama com o Irã, houve rumores de que diplomatas norte-americanos tiveram de correr atrás — literalmente — dos iranianos nos corredores de um hotel em Genebra depois que o Irã deixou a mesa de negociações. O acordo que o governo Obama acabou assinando com o país em 2014-2015 refletiu o desespero dos negociadores ocidentais. Após vários anos de recrudescimento do terrorismo na região com financiamento iraniano, os Estados Unidos abandonaram o acordo em 2018. A gestão Trump estabeleceu uma campanha histórica de pressão máxima e impôs dificuldades econômicas e políticas ao regime iraniano.
Biden herdou um Irã que precisa desesperadamente de um milagre diplomático e econômico. Por causa das sanções, os cofres iranianos estão US$ 200 bilhões mais vazios. Grupos como o Hamas e o Hezbollah estão à beira da falência. (O estrangulamento do mal pelas artérias por onde fluem os recursos financeiros era um dos objetivos de Reagan no combate aos soviéticos.)
Em novembro de 2019, aconteceu o inimaginável para o regime iraniano. Multidões inundaram as ruas de 200 cidades. Incendiaram dezenas de edifícios oficiais. Rasgaram fotos de aiatolás e andavam sem pisar em bandeiras norte-americanas e israelenses pintadas no chão de avenidas. No ano passado, o regime ficou ainda mais isolado, uma vez que seus vizinhos fizeram as pazes com Israel.
Trump deixou ao governo Biden um legado de força na negociação com o Irã, e o secretário de Estado, Antony Blinken, que nesta semana levou um passa-fora da China ao vivo na TV, faria bem em usar essa vantagem. No jogo de cartas à mesa, o Irã já ignorou a oferta de Biden de retornar ao Plano de Ação Conjunta. As autoridades norte-americanas agora preparam uma nova jogada. Na semana passada, negociadores da Casa Branca disseram à agência Reuters que o Irã não precisa voltar ao Plano de Ação Conjunta para ser beneficiado por uma trégua nas sanções impostas por Trump. Caso isso se confirme, seria um desastre — além de um péssimo sinal sobre quem realmente está dando as cartas. Até o momento, os iranianos se recusaram a se reunir com os Estados Unidos. Pior: os últimos ataques no Iraque perpetrados por terroristas financiados pelo Irã resultaram em dez vítimas, incluindo um norte-americano. Se os Estados Unidos relaxarem as sanções, estará criado o pano de fundo para que o Irã aumente a pressão e o enriquecimento de urânio para a produção de armas nucleares. O Irã está chamando Biden de magrelo e desengonçado. E Biden está em casa chorando com o pai.
Embora possa ser temerário o pensamento otimista de que a América sempre reage, ainda mais sob a atual administração, há tempo para o governo Biden aplicar as sanções econômicas já em vigor. O governo pode encarregar missões diplomáticas de ampliar os Acordos de Abraão no Oriente Médio e apoiar o povo iraniano em sua luta por direitos humanos básicos. (E olhe que nem falamos de China e de Vladimir Putin. Putin, depois do tombo triplo de Biden subindo as escadas do Air Force One, desejou em tom sarcástico ao presidente norte-americano que ele “tenha uma boa saúde”.)
A História deixa suas lições. O regime iraniano e personagens como Putin só entendem e respondem à força. Mesmo que “fria”. Assim, em vez de apatia, Biden deveria mostrar a Khamenei um vislumbre de como seriam mais quatro anos de pressão. Paz através da força. Nunca sai de moda.
Revista Oeste
publicadaemhttp://rota2014.blogspot.com/2021/04/a-hora-da-doutrina-da-paz-atraves-da.html
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