Por Daniel Pereira, Veja
Candidato do PT à Presidência, Fernando Haddad já colheu o bônus e o
ônus decorrentes de sua ligação umbilical com o ex-presidente Lula. Em
meados de setembro, saltou 11 pontos porcentuais em apenas sete dias, de
acordo com o Ibope, consolidando-se na segunda posição na corrida
eleitoral. Na semana passada, sua rejeição disparou 9 pontos, de acordo
com o Datafolha, o que o colocou no pelotão dos mais rejeitados, junto
com Jair Bolsonaro. A razão da gangorra não é complexa: o lulismo é
hospedeiro do antipetismo. O crescimento de um tem como consequência o
fortalecimento do outro. E isso porque o PT é o responsável direto e
inequívoco pela monumental crise moral, política e econômica que o
Brasil atravessa — e sua volta ao poder seria um prêmio ao retrocesso.
Haddad tem suas qualidades pessoais. Apontado como um político moderado —
“o mais tucano dos petistas”, diz o bordão —, ele formou-se em direito
pela Universidade de São Paulo (USP), onde fez mestrado em economia e
doutorado em filosofia, e teve a experiência de comandar a maior cidade
do país — da qual saiu, no entanto, com popularidade abaixo de 15%, o
pior índice em uma década e meia.
Mas o grande problema de Haddad é o que vem junto com ele. Além de ser o
preposto de um presidiário, Haddad traz consigo a soberba do PT, que
patrocinou um desastre ético e econômico e, até o dia de hoje, foi
incapaz de fazer qualquer autocrítica, o que autoriza os brasileiros a
supor que, numa eventual volta ao poder, tudo pode se repetir. E a
definição do que é “tudo” está nas palavras inesquecíveis do ministro
Celso de Mello, no julgamento do mensalão, quando ainda não se conhecia o
petrolão: “São homens que desconhecem a República, que ultrajaram as
suas instituições e que, atraídos por uma perversa vocação para o
controle criminoso do poder, vilipendiaram os signos do Estado
democrático de direito”.
Na segunda-feira, o juiz Sergio Moro deu uma forcinha para que os
eleitores não se esquecessem de nada disso. A seis dias da eleição, ele
quebrou o sigilo de parte da delação do ex-ministro Antonio Palocci, que
estava em seu poder desde junho. No trecho divulgado, Palocci diz que
Lula sabia das traficâncias na Petrobras desde 2007 e orientou os
companheiros a usar a exploração do pré-sal para levantar dinheiro sujo a
fim de financiar o projeto de poder do partido. Segundo ele, as
campanhas presidenciais de Dilma em 2010 e 2014 custaram juntas 1,4
bilhão de reais, quase três vezes mais que o valor declarado à Justiça
Eleitoral.
Haddad não se envolveu nessa lama específica, mas, como seus colegas de
sigla, recusa-se a fazer qualquer mea-culpa e declara que Lula foi preso
injustamente. De forma protocolar, costuma repetir que quem errou deve
pagar por seus erros, como se os escândalos fossem produto de deslizes
pessoais. Não foram. O PT funcionou como uma “organização criminosa”,
segundo denúncia apresentada à Justiça pela Procuradoria-Geral da
República. O partido, que critica o desapreço de Bolsonaro pela
democracia, também solapou as bases democráticas com o mensalão e o
petrolão. Ex-chefe da Casa Civil de Lula, José Dirceu foi preso num
escândalo e voltou para a cadeia no outro. Numa entrevista recente,
afirmou que seria “uma questão de tempo pra gente tomar o poder”. Haddad
teve de dizer que, num eventual governo seu, Dirceu “não terá nenhum
papel”. Será?
Haddad parece não partilhar de posições extremadas, mas talvez seja o
ápice da ingenuidade imaginar que, eleito, ele seria capaz de conter
seus radicais. Na campanha, o ex-prefeito tenta equilibrar-se numa linha
de ambiguidade. Enquanto a direção do PT presta solidariedade ao regime
“democrático” venezuelano, ele permite-se apenas dizer que o país
vizinho não vive uma situação de “normalidade”. Recentemente, afirmou
que, se eleito, criará condições para a convocação de uma Assembleia
Nacional Constituinte destinada a aprovar reformas. É um ardil, do qual o
próprio Haddad parece discordar, mas que é obrigado a defender. Mau
sinal. O balão de ensaio encontrou paralelo na campanha de Bolsonaro,
cujo vice, o general Hamilton Mourão, propôs a convocação de uma
comissão de notáveis para reformar a Constituição.
Ex-ministro da Educação e ex-prefeito de São Paulo, Haddad nunca
participou ativamente da vida partidária do PT, o que provoca choques
constantes entre o que ele pensa e o que o partido determina que ele
faça. Recentemente, o candidato desautorizou publicamente um de seus
conselheiros econômicos, para quem a reforma da Previdência não é
urgente. Além disso, rechaçou a ideia do seu próprio programa de governo
segundo a qual o Banco Central deve perseguir não só a meta de inflação
mas também uma meta de geração de emprego.
No programa de governo do candidato, estão todos os pilares do
pensamento petista: revogação da emenda do teto de gastos públicos e da
reforma trabalhista e “recuperação do pré-sal”, cuja exploração, segundo
a delação de Palocci, foi pensada como forma de financiar as campanhas
do partido. Sem entrar em detalhes, o plano também fala em usar os
bancos públicos para promover o desenvolvimento regional — o que pode
ser uma boa ideia mas evoca pesadelos. Nos governos do PT, as arcas do
BNDES bancaram a política de campeãs nacionais, como a JBS e a
Odebrecht, que devolviam o agrado na forma de propinas milionárias.
A volta do PT ao poder traz uma ameaça de vingança contra setores que, a
seu ver, são “golpistas”, como a imprensa, o Ministério Público e o
Judiciário, que tiveram papel relevante na descoberta das roubalheiras
petistas. Além da proposta de retirar os poderes do Ministério Público
feita por José Dirceu, o partido pretende implantar o que chama de
“controle social da mídia” — o que pode ser visto como um eufemismo para
definir censura. Isolado politicamente desde o impeachment de Dilma
Rousseff, o PT também já tem pronta uma estratégia para se viabilizar
num eventual segundo turno e para garantir uma futura governabilidade.
Lula aconselhou Haddad a manter as portas abertas para alianças com o
MDB e o Centrão — os expoentes de sempre do fisiologismo, os velhos
parceiros do PT nos esquemas de corrupção. De sua cela em Curitiba, Lula
continua dando as cartas. A vitória de Haddad será a vitória do
ex-presidente. Haddad jura que não concederá indulto a Lula, mas
prometeu empregar todas as formas jurídicas possíveis para livrá-lo da
prisão. Para onde quer que se olhe, o cenário parece remontar a tragédia
que o país já conheceu e da qual está sofrendo para sair.
extraídaderota2014blogspot
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