Gabriel Wilhelms
Existe um lugar-comum nos diferentes debates da vida de que precisamos sempre respeitar a opinião alheia, mesmo que dela divirjamos. Há também uma provocação, que disso deriva, de que haveria uma contradição entre defender a liberdade de expressão e não demonstrar o respeito que se reputa devido às ideias e argumentos alheios. Comecemos pelo primeiro ponto, para obedecer a hierarquia da coisa.
Penso que um bom teste para verificar a veracidade de uma ideia é observar se ela é aplicável ou não no mundo real. Em se tratando de “sugestões” sobre como devemos nos comportar, o que podemos fazer é convidar o “conselheiro” a refletir sobre se ele estaria mesmo disposto a seguir seu próprio conselho.
Então você declara, não sem certa soberba moral, que devemos respeitar as opiniões alheias; talvez você faça isso como uma tentativa de apaziguar uma discussão acalorada ou até mesmo (muito comum) como uma forma de se defender de uma ofensiva retórica de um interlocutor que, por uma razão ou outra, lhe parece intratável. Pois bem, imagine então que um personagem insuspeito, posto que não carrega uma suástica no braço, se une à sua trupe de amigos, em uma mesa de bar e, em dado momento, depois de umas tantas doses, declara que Hitler estava certo e que é uma pena que não tenha logrado exterminar todos os judeus (poderia ser um neonazista confesso ou um simpatizante do Hamas, tanto faz). Você respeitaria tal opinião? Mudemos o rolê. Agora o diálogo é menos descontraído, já que se comenta a notícia de um estupro; em dado momento, alguém sugere que a vítima, uma moça de uns vinte e poucos anos, atacada quando saía de uma casa noturna, é culpada por seu próprio infortúnio, já que usava roupas curtas. Continuas a manter a serenidade diante de tal comentário? Um último exemplo, para não extrapolar a paciência do leitor. Você acabou de reencontrar um velho casal de amigos que já não via há muito tempo; de imediato, eles compartilham a novidade da gravidez, lembrando-se também de lhe mostrar a foto do Enzo, que você conheceu quando era um bebê e que já está com seis anos. Convidas seus amigos a tomar um café, para colocar o papo em dia, papo que, naturalmente, inclui a maternidade/paternidade. Qual sua surpresa quando estes pais dedicadíssimos dizem, com orgulho, que não vacinarão a criança vindoura, tal como nunca vacinaram o jovem Enzo (tanto faz se se tratam de hippies anti-indústrias farmacêuticas ou alt-right negacionistas). Ainda está convicto(a) de que, quando compartilhar a notícia do encontro com seu marido/esposa mais tarde, irá relatar tudo casualmente, reforçando o respeito à opinião antivacina dos amigos, e em nenhum momento os chamará de idiotas?
Resta evidente que a retórica de respeito incircunstancial à opinião alheia morre na praia diante da primeira bobagem proferida, o que significa, tão somente, que há sangue humano correndo por nossas veias e não de baratas. A priori, não há nada de “intolerante” em ficar irritado diante do proferimento de certas sandices. A face em brasa, o tom de voz elevado, talvez agudizado, as veias saltadas no pescoço, o coração acelerado, as pupilas dilatadas, o suor banhando a testa etc, tudo isso, desde que não se converta em violência (aí, sim, intolerância), é do jogo, do debate, da divergência, da democracia — parlamentos, aliás, só são “emocionalmente estáveis” quando são fantoches de ditaduras e existem apenas para corroborar, pois, em parlamentos democráticos, os ânimos se exaltam.
E aí temos o segundo ponto. Responda a um argumento com um pouco mais de acidez — às vezes, mero sarcasmo — e pode ser que algum inteligentinho apareça para dizer que você não está respeitando a liberdade de expressão. Pior ainda quando o ponto debatido é justamente a liberdade de expressão, hipótese na qual ele pode tentar apontar uma dita contradição de sua parte. Assinala-se aqui uma distinção fundamental, que foge à atenção e compreensão de muitos. Discordar de alguém, ou até mesmo xingar uma pessoa por sua opinião (sem recorrer à violência, evidentemente), pode soar desagradável para alguns, mas não cerceia a livre expressão dessa pessoa de nenhuma forma. Se, digamos, alguém te chama de idiota por pensar ou dizer tal coisa, você continua sendo livre para pensar e dizer essa coisa. Nem aquele que te chamou de idiota tem, necessariamente, o desejo de te impedir de dizer o que pensa nem ele poderia lhe impor o silêncio, ainda que desejasse. Ser xingado não só não contradiz a liberdade de expressão como é um corolário dela: seu interlocutor tem tanto direito de te chamar de idiota quanto você tem de expressar o que pensa. Se você pensa, como os entusiastas da cultura woke pensam, que você tem o direito de não ser “ofendido”, o que desejas é o avesso da liberdade de expressão, que é sempre uma via de mão dupla — se ninguém pode te “ofender”, então você também não pode ofender ninguém e, aí, boa sorte para tecer a mais singela crítica, que sempre pode ser recebida como ofensa por gente melindrada – ou cínica.
Recordemos o exemplo do parlamento. Quem deseja total estabilidade emocional nos debates (não estou falando do churrasco de família, quando essa estabilidade é mesmo preferível e falar de política é quase sempre um erro) quer uma apatia que não é compatível com a democracia. O que proponho é uma solução muito simples, ainda que mais sofisticada: o importante não é respeitar a opinião alheia, mas respeitar o direito de expressão da opinião alheia. Se, neste ponto, você pensa que as duas coisas são equivalentes, convido-o a reler o parágrafo anterior. A diferença não é nada sútil.
Quantos ditos progressistas há por aí, arautos da moderação, que bradam o quanto são tolerantes, que respeitam as opiniões alheias e essa coisa toda, mas que, neste exato momento, estão a defender a proscrição não só de ideias (o que já é uma temeridade) mas de grupos inteiros do mercado de ideias com o embuste dos “discursos de ódio”? Quantos há que subscrevem o banimento de palavras e expressões consideradas inadmissíveis pela seita woke (nem a nega maluca escapou)? Quantos, aquiescendo com aquela baboseira de que piadas matam, estão a aplaudir a perseguição a humoristas adeptos do humor negro? Quantos vivem a justificar os abusos da nossa suprema corte, que, no momento em que escrevo este artigo, acaba de impor censura prévia a mais uma revista? Quantos advogam que o Estado deveria se tornar o fiador da verdade e promover a censura da dita desinformação, ignorando, se ingênuos, ou celebrando, se autoritários, que inevitavelmente isso está e seguirá sendo usado para calar os que criticam os “donos do poder”?
Não se permita aliciar pelas víboras de fala mansa, que dizem respeitar a opinião alheia, mas que te baniriam das redes sociais, do debate e vida públicos, que até mesmo te mandariam para a prisão, por crime não outro que o de opinião, se pudessem. Não nos iludamos com as palavras macias nem nos assustemos com a veia saltada. Os verdadeiros moderados não são aqueles que meramente dizem respeitar a opinião alheia, mas aqueles que de fato respeitam e defendem o direito de expressão, não apenas de seus pares, mas daqueles que podem até desprezar, bem como das ideias que julgam as mais absurdas. O sujeito verbalmente exaltado não é, por causa disso, um intolerante. Ele pode assumir a defesa da expressão, mesmo de seus desafetos, com a mesma intensidade com que manifesta sua discordância. É com o sujeito que se diz moderado, esse charlatão ignóbil, que se regozija com a censura para os outros (até as peças do jogo mudarem de posição e ele se converter em vítima), que você deve se preocupar.
Não há magnanimidade alguma em vislumbrar um mundo cor-de-rosa, onde só se pode falar coisas “agradáveis”, onde a melodia deve sempre ser consonante e nunca destoar da harmonia oficial dos pseudoprogressitas. A grandeza moral está em aceitar o desagradável como legítima expressão, em não se espantar com a dissonância da harmonia, em contemplar que até mesmo o ruído e a distorção, se não belos para você, o são para outrem. De que vale falar em termos como “direito de existir” se a existência do outro como ser pensante, e de seu discurso como expressão do ser, não lhe parecem dignos de defesa?
Para finalizar, repito a fórmula, que deve ficar encravada na nossa mente se quisermos separar os moderados dos charlatões: o importante não é respeitar a opinião alheia, mas respeitar o direito de expressão da opinião alheia. De outra forma: o que importa não é papagaiar bom mocismo, mas defender a liberdade de expressão.
puglicadaemhttps://www.institutoliberal.org.br/blog/politica/devemos-sempre-respeitar-a-opiniao-alheia/
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